A poucos dias do debate parlamentar sobre o Estado da nação é visível a impaciência das pessoas. Querem ver sinais claros de que os problemas candentes do país para os quais houve promessas eleitorais de resolução estão efectivamente a ser confrontados e ultrapassados. A manifestação de S. Vicente foi a forma mais expressiva dessa impaciência mas outras existem que se deixam revelar designadamente nas múltiplas sugestões de greves tanto no sector público como no privado, nas preocupações com a insegurança e na frustração dos agricultores que não conseguem fazer chegar os seus produtos aos mercados. A mesma inquietação, em grande medida passada nas redes sociais, sente-se nos milhares de jovens escolarizados, licenciados e profissionalmente preparados que anseiam por um emprego numa economia que ainda não cresce o suficiente e não apresenta a oferta diversificada capaz de atrair os mais diferentes talentos e competências.
A impaciência tem razão de ser: vem da percepção profunda que o país não tem muito mais tempo a perder. Depois dos anos do ilusionismo, alimentado nos últimos tempos pelas benesses finais da ajuda externa no quadro de transição para país de desenvolvimento médio, o encontro com a realidade não tem sido fácil. Em 2016, os resultados das eleições legislativas e autárquicas mostrarem a urgência e a determinação da generalidade do eleitorado em mudar o rumo no país. Se houvesse alguma dúvida quanto ao estado em que se encontravam as instituições ela foi dissipada por uma sucessão de acontecimentos entre os quais o massacre de Monte Tchota, a situação de falência da TACV, a gestão incompetente da situação dos deslocados de Chã das Caldeiras e as falhas em cadeia das autoridades que levaram ao naufrágio do navio Vicente. Para a generalidade das pessoas tinha ficado claro que o modelo de desenvolvimento, uma forma de governar e um modo de estar na vida e no mundo até aí vigentes no país tinham-se esgotado completamente. Não espanta que agora as pessoas queiram resultados rápidos e talvez mais importante que aspirem a ser parte activa no desenvolvimento e que reclamem e se queixem se a letargia se mantém.
A verdade é que as coisas não mudaram no ritmo que seria de esperar considerando as expectativas existentes e o ponto de partida caracterizado pelo esgotamento dos modelos e de estratégias anteriores. De facto, diferentemente do que poderiam sugerir as intensas lutas partidárias em que, de um lado, se pressiona para ocupar lugares e, de outro, se resiste para manter lugares-chave no aparelho do Estado, as mudanças na sequências das eleições legislativas com impacto no ambiente de negócios e na relação com os utentes não têm sido extraordinárias. Podia-se argumentar que o governo está nos primeiros 15 meses de um mandato de cinco anos e há tempo para mudanças, mas este não é um mandato que se poderia chamar de normal. Segue a um período de estagnação económica e de colapso de visões de hubs, clusters, praças financeiras, e por isso mesmo espera-se mais, muito mais em termos de novas políticas, de novas estratégias e de resultados. O governo para ter sucesso deve reconhecer essa pressão e agir em consequência tendo sempre em perspectiva o muito que se vai exigir da sua prestação para estar à altura das expectativas. Evita-se a postura expectante das pessoas, oscilando entre conformismo e impaciência, com o envolvimento numa narrativa do país em que o ponto de partida e as dificuldades de percurso são conhecidas, os objectivos são traçados e espaço existe para a participação e afirmação de todos.
A abordagem dos problemas do país seguida até agora não se tem revelado a mais adequada para diminuir a impaciência e manter as pessoas focadas no que as poderá levar além da propaganda e do ilusionismo que muito caracterizou a governação anterior. Pelo contrário, em certos sectores da governação do país, a tendência é manter como estava o essencial do que existia e esperar que os resultados sejam diferentes. No domínio da segurança pública esta opção é por demais evidente e o resultado vê-se na persistência do sentimento de insegurança que deixa toda a gente intranquila em relação ao futuro e em particular quanto ao impacto que algum incidente pode causar nas ilhas turísticas afectando toda a economia nacional. Em outros domínios, designadamente no que respeita ao ambiente de negócios, a enfâse é posta como antes no financiamento que, embora importante, não resolve o problema das empresas se não há mercado e se a administração pública e tributária continua a pesar mais como constrangimento – 41% vs. 22%, segundo os dados do BCV. No mesmo sentido de facilitação de financiamento, repetem-se as mexidas nas taxas directoras do Banco Central e os operadores constatam, como da outra vez, que não há grandes alterações porque o país vive uma situação de excesso de liquidez estrutural. Também não se compreendem as expectativas postas em discursos oficiais em relação ao comércio com a CEDEAO quando, como revela o relatório anual do BCV (2016), “a actual estrutura de exportação de Cabo Verde é incompatível com a estrutura de importação da região”.
Nas eleições de 2016 as pessoas deixaram bem claro que sabiam que o país estava numa encruzilhada e que não podia continuar no mesmo caminho. Todos os partidos políticos, mesmo o que suportava o governo, mostraram-se críticos em relação aos resultados da governação de então. Há que aproveitar o momento e engajar as pessoas e a sociedade para que o país consiga trilhar outros caminhos e não fique pelas fórmulas do passado que, já se sabe, não funcionam. Não se pode deixar que a impaciência se degenere em frustração que destrói confiança e solidariedade. Mais do que nunca o país precisa de liderança com qualidade e deve poder obtê-la do governo que escolheu para dar um outro impulso ao seu processo de desenvolvimento.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 818 de 02 de Outubro de 2017