O Governo, de repente,  resolveu pôr as privatizações na ordem do dia. Aprovou uma resolução  que estabelece que 23 empresas públicas ou participadas pelo Estado  serão privatizadas ou cedidas em forma de concessão. Os objectivos,  segundo a resolução, são o “empoderamento do sector privado nacional e estrangeiro”, a consolidação da economia e a criação de oportunidades em sectores-chave da economia. Estima-se  na resolução que o possível encaixe das operações de venda seja de 10  milhões de contos apesar de, como diz o ministro das Finanças, o governo  não estar à procura de receitas extraordinárias para confrontar o duplo  problema do défice orçamental e da dívida pública. Como era previsível,  as reacções das forças políticas e da sociedade não tardaram a aparecer  ao que imediatamente se caracterizou como o segundo surto de  privatizações depois do primeiro, que o MpD tinha protagonizado, na  década de noventa.
Infelizmente, muitos processos em Cabo  Verde, como o da privatização de empresas públicas nos anos 90, nunca  são fechados nem beneficiam do olhar em retrospectiva que poderia  justificá-los ou no mínimo contextualizá-los para melhor os compreender e  retirar lições com vista à acção futura. Ficam cativos de narrativas  que depois vão alimentar o arsenal dos partidos políticos nos seus  confrontos e evitam que se avance na compreensão dos problemas do país e  na construção da vontade colectiva para vencer os extraordinários  desafios que se colocam. As privatizações nos anos noventa aconteceram  em simultâneo com processos similares em vários outros países. Foi o  momento histórico do abandono da economia estatizada para economia de  mercado e por uma razão simples: além de serem apanágio de regimes  autoritários e totalitários há muito que tinham levado à estagnação  económica contrastando com a dinâmica das economias de mercado nos  países livres e democráticos. Em Cabo Verde há quem fique colado a  slogans de campanha do tipo “venda da terra” e perde de vista  como, com a restruturação da economia nos anos 90, se elevou o potencial  económico e o país cresceu a ponto de hoje o rendimento per capita se  situar em 3000 dólares enquanto em 1990 não passava dos 898 dólares. 
Como em vários outros países que fizeram  a transição para a economia de mercado, as privatizações inicialmente  foram fundamentais para se desenvolver o sistema financeiro, para  modernizar sectores-chave como telecomunicações, energia e água,  transportes marítimos e aéreos e criar condições para a emergência de  uma classe empresarial nacional capaz de se engrenar em cadeias de valor  suportadas pelo investimento directo estrangeiro e voltadas para a  satisfação da procura externa de bens e serviços. Depois dessa primeira  fase estruturante, privatizações em geral acontecem para diminuir riscos  fiscais de empresas públicas deficitárias, conseguir receitas  extraordinárias quando em processo de consolidação orçamental ou para  estrategicamente se conseguir ganhos de eficiência que beneficiem o  conjunto da economia nacional. Em todos os casos é evidente que há  resistências e as opções do governo podem não reunir consenso geral. A  verdade é que particularmente para casos como o nosso de desemprego  estrutural e de dinâmica económica muito aquém do necessário para o país  prosperar há que tudo fazer para que a economia seja mais eficiente,  mais produtiva e mais competitiva.
A questão do papel do Estado na economia  nacional deve porém ser discutida com a devida profundidade. Nem o  sector privado pode substituir o Estado em todas as situações nem os  mecanismos do mercado conseguem resolver todos os problemas a contente  dos consumidores, utentes e clientes no que respeita a preços e  qualidade. De facto, há situações de mercado imperfeito e/ou de falha de  mercado que exigem intervenção do Estado para suprir deficiências ou  preencher eventuais vazios. A posição nestas matérias não deve ser  ideológica, mas sim realista e pragmática. Aliás, realismo e pragmatismo  e um elevado senso de oportunidade e timing devem presidir a  actuação do Estado num país como Cabo Verde de diminuta população,  mercado fragmentado, deficiência de transportes e relativamente remoto  em relação aos grandes mercados globais. Agindo de outra forma,  continua-se simplesmente a acumular perdas nos muitos take offs, novas largadas e novos paradigmas que os sucessivos governos insistem em proclamar, mas que acabam por  revelar-se mais como ilusionismo do que algo concreto e sustentável.
A partir daí não tarda muito que a  factura acabe por mostrar-se numa dívida pública pesada, de  difícil  sustentabilidade e que deixa o país sujeito aos rigores de eventuais  ajustamentos estruturais. Na última reunião do GAO os parceiros vieram  lembrar que a dependência da ajuda externa tem custos. Os parceiros com o  Banco Mundial à frente declararam que não avançam com ajuda orçamental  enquanto a situação da TACV não fosse completamente resolvida. Não  consideraram suficiente a resolução com a entrega à Binter do serviço  doméstico da TACV e querem também que se privatize a TACV internacional  para depois decidir a retoma da ajuda orçamental. Na semana passada, em  sede de comissão de inquérito parlamentar ficaram explícitos os custos  da iniciativa que, em 2010, juntou o programa Casa para Todos ao  projecto do Novo Banco nas vésperas das legislativas. Provavelmente terá  trazido vantagens eleitorais ao então governo mas são os outros que  inevitavelmente vão ter que pagar, de uma maneira ou outra as  consequências de iniciativa.
Liberalização económica, privatizações e  facilidades de crédito são muitas vezes utilizadas para se soltar  energias, ambições e vontade de sucesso no sentido de se construir no  país uma máquina poderosa de criação de riqueza a médio e longo prazo.  Na consecução desses objectivos, esses instrumentos não são porém  suficientes. Várias acções, designadamente de acesso aos mercados, de  política virada para a exportação, de melhoria dos sinais de contexto e  de criação de competências académicas na população juvenil têm de ser  tomadas para se ter sucesso. A grande tarefa é aperceber-se que não têm  todos o mesmo impacto e o potencial efeito de cada um só se revela no  momento certo quando devidamente encadeado e maximizado.  
Texto originalmente publicado na edição impressa do EXPRESSO DAS ILHAS nº 819 de 9 de Agosto de 2016. 
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