O Ministro das Finanças Olavo Correia há dias num encontro com empresários portugueses na cidade do Porto anunciou uma nova Lei Cambial que depois de entrar em vigor em 2018 “vai liberalizar todos os movimentos de capitais de Cabo Verde com o exterior”. Tirando o facto de que a lei ainda não existe – não se sabe oficialmente se a proposta da nova lei cambial foi aprovada no Conselho de Ministros e muitos menos agendada para a discussão e eventual alteração no parlamento – suscitam muitas dúvidas se o simples anúncio de livre movimento de capitais constitui efectivamente um forte atractivo para o investimento directo estrangeiro no contexto de uma economia pequena e frágil. O ministro vê benefícios na possibilidade de transacções de e para Cabo Verde serem feitas “sem qualquer restrição burocrática” ao mesmo tempo que relembra que o escudo cabo-verdiano tem uma paridade fixa com o euro.
O perigo inerente na associação de políticas de livre movimentação de capitais com a existência de paridade fixa, ainda por mais na forma de um peg unilateral não parece ter despertado atenção especial. Não se registou qualquer eco do assunto na comunicação social e do parlamento nada se ouviu porque ainda não chegou lá. São conhecidas porém o papel que tais políticas tiveram designadamente na origem da crise financeira dos países do sudeste asiático em 1997, no Brasil, Rússia e Argentina em 1998-1999 e também em vários outros países noutros momentos. Como reacção, alguns países acabaram por adoptar meios de controlo do chamado “hot money”, os capitais que entram à procura de oportunidades lucrativas e que podem sair em debandada ao mínimo sinal deixando para trás graves perturbações monetárias, reservas delapidadas e dívida externa complicada, particularmente a do sector privado.
A forma como o governo de Ulisses Correia e Silva vem comunicando políticas muitas delas de fundo e com implicações fortes na vida das pessoas e do país tem deixado as pessoas, a sociedade e até entidades como o Presidente da República de alguma forma perplexas, algo confusas ou pelo menos com a ideia de que haveria mais coisas a acrescentar. Um exemplo recente está na proposta de lei de orçamento onde se foi ressuscitar o que tanto o primeiro ministro como o ministro das finanças assumiram como sendo políticas de substituição de importações. As alterações aduaneiras previstas no artigo 26 da proposta de lei do orçamento visam proteger a indústria nacional nos domínios do leite e derivados, sumos e água engarrafada. Supõe-se com esse tipo de política que o consumidor perante o preço mais elevado do produto importado passe a consumir o produto nacional e por essa via se viabilize e se rentabilize o investimento nacional.
A experiência de aplicação desse modelo de desenvolvimento em vários países demonstrou que realmente não funciona. Toda a gente fica a perder: os consumidores acabam sempre por pagar mais caro porque a tendência é de o preço do produto nacional com o tempo aproximar-se do importado; a prazo, a indústria nacional no seu conjunto não beneficia porque os produtores perdem a motivação para se tornarem competitivos no preço e na qualidade e serem capazes de conquistar mercado tanto a nível nacional como internacional; também o país não ganha porque com essas politicas a tendência é para as autoridades adiarem as medidas para melhorar a competitividade incluindo as que deviam priorizar a diminuição de custos de factores, a criação de sistemas de transportes terrestres, marítimos e aéreos mais eficientes, o abaixamento dos custos de contexto e a melhoria do ambiente de concorrência com o combate a monopólios e a outras formas de controlo do mercado.
O caminho para proteger o empresariado nacional deve ser outro. O país precisa realmente de um sector privado focalizado em ser competitivo, em contribuir para o aumento da produtividade nacional e em conquistar mercados para exportação de bens e serviços. Não ajuda muito que durante décadas a ênfase nos investimentos públicos, num quadro em que o modelo económico foi por demasiado tempo de reciclagem da ajuda externa deixou o sector privado fragilizado, dependente muitas vezes dos favores do estado e pouco capacitado para aproveitar as oportunidades criadas pelo investimento directo estrangeiro em particular no domínio do turismo. Reverter a situação não pode ser simplesmente pela via das medidas simples administrativas que ignoram a complexidade da situação encontrada, fingem não ver os interesses instalados e subestimam os incentivos existentes que vão no sentido contrário ao pretendido numa economia dinâmica de promover a iniciativa individual e de premiar o gosto pelo risco e a vontade de criar e inovar. A história económica de vários países e também de Cabo Verde demonstra que quem ficou por essas medidas simplistas falhou redondamente e acaba praticamente preso numa economia com fraca capacidade de exportar, com elevado grau de informalidade e baixa produtividade.
Enquadra-se provavelmente nessa busca por algo facilmente identificável e relativamente fácil de implementar a importância dada pelo governo à questão do financiamento no global dos problemas enfrentados pela empresas e potenciais empreendedores. O resultado é o grande esforço que o governo tem posto em criar linhas de crédito, bonificar taxas de juro e instituir fundos de garantia para minimizar o risco dos investimentos. São medidas importantes mas podem não ser as que as empresas mais precisam se tiver em conta que o sistema bancário não tem problemas de liquidez e só não estende crédito a juros mais baixos devido a riscos macrofinanceiros e o risco-país que percepciona não obstante os estímulos vindos do banco central designadamente no que toca a relaxamento das taxas directoras. Muito mais tem que ser feito na criação de um ambiente de negócios que realmente favoreça e compense o indivíduo pela sua iniciativa e pelo seu esforço e disponibilidade em correr riscos
Como alguém notou recentemente, “se a comunicação falha repetidamente é porque falha aquilo que há a comunicar”. Ou seja, quem não reflecte aprofundadamente sobre a complexidade da situação herdada e procura formular estratégias e medidas de política para a ultrapassar, dificilmente vai poder comunicar eficazmente. No fim do dia as medidas vão dar a impressão de terem sido tomadas com ligeireza mesmo que tenham por de trás a firme convicção de que são as mais adequadas e as mais justas. E os resultados certamente que ficarão muito aquém do que foi prometido, o que nos dias de hoje de avanço do populismo, constitui um desfecho a evitar a todo o custo porque pode deixar as pessoas mais descrentes e cínicas em relação à política, aos políticos e à própria democracia.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 835 de 29 de Novembro de 2017.
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