O acordo cambial em
vigor desde 1998 exige para a sua sustentabilidade uma adesão
firme do país aos critérios de Maastricht que estipulam a dívida pública até
60% e o défice orçamental até 3% aos países ligados ao euro. Em 2008, a dívida
pública cabo-verdiana situava-se em 57% do PIB. Nos anos que se seguiram
escalou rapidamente atingindo 91% em 2012 e 126% em 2015. O governo do PAICV
justificou o rápido endividamento como necessário para se fazer face à crise
financeira mundial de 2008 e também para construir as infraestruturas
necessárias para uma rápida modernização do país. Insistiu sempre que as
condições da dívida eram concessionais e
por isso sustentáveis a prazo. Não se cansou de prometer que na
sequência do investimento público verificar-se-ia o “crowding in” do
investimento privado que levaria a uma economia dinâmica com taxas de
crescimento mais elevadas e mais criação de emprego. Ao contrário do prometido,
viveram-se anos de estagnação económica e alto desemprego ao mesmo tempo que o
sector privado nacional atolava-se cada vez em dívidas e não conseguia
aproveitar as oportunidades criadas por investimentos no turismo nas ilhas do
Sal e da Boa Vista.
A economia de Cabo Verde sempre sofreu de um
desequilíbrio estrutural derivado da sua fraca capacidade de produção e de
exportação. Sem suficientes divisas para pagar as suas importações, precisa de
fluxos externos, designadamente remessas dos emigrantes e ajuda externa para as
compensar. Por outro lado, sendo um pequeno país com população diminuta e fraca
capacidade de poupança, para poder crescer e criar emprego precisa de
investimento directo estrangeiro, que trazendo capital, tecnologia e mercados
lhe permita explorar recursos naturais, valorizar a posição geográfica e
potenciar o capital humano existente. O problema do país é que passados mais de
quatro décadas após a independência ainda não resolveu o seu desequilíbrio
básico. A opção por um desenvolvimento baseado na reciclagem da ajuda externa
impediu que se desse suficiente atenção à questão central que é a atracção de
investimento para o país poder criar riqueza e exportar bens e serviços. Devia
ser evidente que persistindo nesse caminho o “ajuste de contas” acabaria
por se verificar um dia quando as ajudas diminuíssem e ainda não houvesse
suficientes receitas de exportação para repor os equilíbrios.
Quando aconteceu, a opção não foi de rever o
modelo de desenvolvimento, mas de persistir nele recorrendo agora ao endividamento
externo para compensar a perda de donativos. Justificando que os créditos eram
concessionais, beneficiando de juros bonificados ou prazos dilatados de
pagamento, os governantes apressaram-se a utilizá-los, mas sem se preocupar com
a relação custo/benefício na selecção dos projectos e muito menos se os
projectos tinham custos escondidos em forma de cláusulas que privilegiavam
empresas estrangeiras nas grandes obras ou forçavam a compra de uma boa parcela
dos materiais no país concedente do crédito. Aparentemente o que lhes
interessava, de facto, eram os ganhos políticos à volta das obras que iam
anunciando e inaugurando um pouco por todo o país. Pareciam não se importar com
o fraco impacto dessa obras na criação de emprego e na dinamização da economia,
nem com a implosão do sector nacional de construção civil e nem também com o
facto de os vários clusters que iam suportar-se nessas infra-estruturas não se
terem materializado. Muitos milhões foram gastos. Registam-se hoje como um
passivo na extraordinária dívida externa que põe Cabo Verde entre os países
mais devedores do mundo, mas os retornos obtidos desses investimentos são
comparativamente demasiados parcos.
Num encontro recente com as autoridades a
propósito da política de investimento, especialistas da UNCTAD recomendaram que
Cabo Verde tem de ser mais pró-activo na atracção do investimento estrangeiro.
Insistem em que o país não tem que ficar pelas propostas dos investidores e que
deve activamente promover o tipo de investimento que “pode melhor contribuir
para os seus objectivos de desenvolvimento”. De outra forma, como dizem,
não há diversificação da economia e o desenvolvimento do sector empresarial
local fica limitado. Esta constatação dos especialistas quanto à importância do
investimento directo estrangeiro devia ser evidente para todos. Só não é,
porque no fundo continua-se a privilegiar as políticas de sempre de reciclagem
de ajuda externas mas apresentadas em cada momento com as roupagens ajustadas
aos tempos no estilo como se diz na gíria
“para inglês ver”, enquanto tiques autárcicos, hostilidade a
turistas e a investimentos estrangeiros são sub-repticiamente alimentados.
a encruzilhada em que se encontra, a opção
em manter o país num caminho similar ao que tem percorrido não é desejável, nem
sustentável. As ajudas diminuíram, a dívida pública é extremamente pesada e não
devia haver espaço para mais sessões de ilusionismo. A tentação de voltar a
repetir o que se fez no passado, mas com diferentes argumentos e escusas é
porém muito grande. O problema é que desta vez a margem já é demasiado pequena
e os custos de mais uma vez se adiar o país demasiado grandes. Não é fácil
deixar de pensar pelos mesmos pressupostos, de exercer o poder sempre da mesma
maneira e de manter uma posição passiva e reactiva na governação em vez de se optar por uma pro-actividade e uma abordagem
estratégica na condução do país. Mas é isso que terá que ser feito para que o
futuro não seja sistematicamente adiado.
Humberto Cardoso
Texto originalmente
publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 859 de 16
de Maio de 2018.
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