Na sequência do Conselho de Ministros da quinta-feira
passada, o porta-voz do governo anunciou que a isenção de vistos para
cidadãos da União Europeia e do Reino Unido irá vigorar a partir de
Janeiro de 2019. A medida foi inicialmente apresentada ao público pelo
próprio Primeiro-Ministro em Abril de 2017. A ideia então era que a
medida seria efectiva no mês seguinte. Não foi possível e adiou-se para
Janeiro de 2018. Adiamentos posteriores para Maio de 2018 e agora para
2019 deveram-se a questões operacionais levantadas pelos operadores
turísticos políticos e ao que recentemente a embaixadora da União
Europeia chamou de condições técnicas necessárias. Se logo do início a
proposta de isenção de vistos não foi bem aceite, em particular em
certos círculos de opinião sensíveis a questões identitárias, com o
passar do tempo a percepção geral é que piorou. A sondagem do
Afrobarómetro publicada em Abril estimou que uma maioria de 58% dos
cabo-verdianos seriam contra a isenção de vistos a turistas europeus. No
meio de tanta hostilidade há quem pergunte se realmente os sucessivos
adiamentos devem-se a questões operacionais ou se são sinais de recuo ou
de pelo menos de alguma hesitação do governo na sua implementação.
O objectivo da isenção de vis tos, de acordo com o PM, é
“criar todas as condições para potenciar ainda mais o turismo e o investimento”
com a eliminação de barreiras que normalmente colocam à livre circulação.
Aparentemente não devia haver dúvidas quanto à necessidade de o país facilitar
a vinda de capitais e conseguir aumentar o fluxo de turistas. Podia-se discutir
se a melhor via é a isenção de vistos ou se as barreiras são na realidade
burocracias e serviços ineficazes. Não se tinha que pôr em causa o objectivo de
potenciar os
ingredientes essenciais para acelerar o crescimento do país, criar com rapidez postos de trabalho e possibilitar economias de escala a empresas nacionais envolvidas na produção de bens e serviços. Estranhamente, foi precisamente o que aconteceu e acontece sempre que a questão da isenção dos vistos é trazida para discussão. Prefere-se discutir porque é que
o cabo-verdiano tem de facilitar o visto ao turista, investidor ou homem negócios europeu, quando a mesma “gentileza” não lhe é estendida para entrar na Europa. Não se quer entender que para se ser bem-sucedido na relação com outros países há que adoptar estratégias diferenciadas, aceitar que nem tudo vai à mesma velocidade e que prioridades divergem e mudam com o tempo.
Em 1998, por exemplo, não se falou de reciprocidade quando se estabeleceu o peg fixo do escudo ao euro, mas é facto que com essa decisão unilateral o país ganhou anos de baixa inflação, granjeou confiança que lhe permitiu atrair investimento externo e conseguiu
manter a estabilidade macroeconómica enquanto duplicava o seu PIB. Hoje também há que assumir que há uma estratégia para atrair investimentos e turistas e deve haver outra para conseguir a aproximação com a Europa num quadro de livre circulação. Assim como outros países africanos insulares como as Maurícias e as Seicheles já conseguiram isenção de vistos para Europa também Cabo Verde atingirá esse Iobjectivo se tiver uma estratégia para isso e souber tomar as medidas que se impõem para designadamente “securitizar” as suas fronteiras. De outra forma o ressentimento contra os europeus só irá aumentar, prejudicando todo o esforço de desenvolvimento do país, inibindo o crescimento económico e impedindo a criação de postos de trabalho que, com novos investimentos e o aumento da procura interna devido ao consumo de turistas, seria possível conseguir.
A dificuldade em ver o óbvio nesta matéria deve-se em grande parte ao logro que de há muito os cabo-verdianos e, em particular, os que aspiram a emigrar, têm caído devido às omissões e meias verdades nas declarações dos governantes em matéria de isenção de vistos. É prática generalizada os países através de isenção de vistos facilitarem a homens de negócios, turistas, investidores, cientistas e outros estadias de curta duração de 30 ou 90 dias. Não são vistos para emigrar nem autorizações de residência ou permissão de trabalho, mas num país com tradição de emigração podem ser tidos como um expediente para emigração clandestina. Se essa interpretação nunca é, de facto, contrariada e, em sentido oposto, nas entrelinhas dos seus discursos, os governantes sistemática e disfarçadamente deixam entender que assim é,
mesmo quando assinam acordos de mobilidade com a União Europeia que os obriga a aceitar gente deportada na sequência de processos acelerados para fazer face à emigração ilegal, então o problema perpetua-se. Não tarda que venham acusações de discriminação ou de racismo e que o ressentimento desponte.
Se a discussão à volta da isenção dos vistos ficasse só pelas estratégias a seguir na consecução dos objectivos seja quanto ao investimento e turistas, por um lado, e livre circulação, por outro, e não fosse alimentada por equívocos, seria relativamente fácil ultrapassá-los como maior e melhor informação. A realidade é que não é assim e a razão disso é que há muito que a política em Cabo Verde deixou-se contaminar por elementos identitários. A fragilidade do cabo-verdiano apanhado entre a Europa e África tem vindo a agravar-se e o mais normal é que, como se vê noutras democracias, e um pouco por todo o mundo, o populismo emergente procure tirar proveito das questões identitárias e aprofunde ainda mais o fosso. A irracionalidade que normalmente acompanha esses fenómenos já é verificável em Cabo Verde nas sondagens que colocam a maioria dos cabo-verdianos contra os próprios turistas que mantêm uma parte decisiva da economia nacional a produzir e a trabalhar.
A batalha entre a África e Europa continua a ser travada com fragor mesmo que no processo não se melhore significativa mente o destino turístico, não se garanta a segurança e não se consiga controlar o comércio informal que assedia o turista no seu dia-a-dia. E certamente que o projecto de lei ontem anunciado pela maior força da oposição e que visa legalizar imigrantes vindos dos países da CEDEAO ir trazer mais acha para a fogueira. Será mais uma oportunidade para picardias entre africanistas e europeístas. Dividido, Cabo Verde dificilmente poderá fazer uma discussão séria e consequente de como deverá posicionar-se para poder crescer de forma sustentada e garantir trabalho para todos.Com as questões identitárias a chocarem-se qual placas tectónicas é o país que fica adiado enquanto fracturas propagam no tecido social causando estragos ao nível das comunidades e dos próprios indivíduos. Considerando como a consciência da cabo-verdianidade nas múltiplas manifestações se consolidou ao longo de boa parte do século 20 não tinha que ser esta a realidade 43 anos depois da independência.
ingredientes essenciais para acelerar o crescimento do país, criar com rapidez postos de trabalho e possibilitar economias de escala a empresas nacionais envolvidas na produção de bens e serviços. Estranhamente, foi precisamente o que aconteceu e acontece sempre que a questão da isenção dos vistos é trazida para discussão. Prefere-se discutir porque é que
o cabo-verdiano tem de facilitar o visto ao turista, investidor ou homem negócios europeu, quando a mesma “gentileza” não lhe é estendida para entrar na Europa. Não se quer entender que para se ser bem-sucedido na relação com outros países há que adoptar estratégias diferenciadas, aceitar que nem tudo vai à mesma velocidade e que prioridades divergem e mudam com o tempo.
Em 1998, por exemplo, não se falou de reciprocidade quando se estabeleceu o peg fixo do escudo ao euro, mas é facto que com essa decisão unilateral o país ganhou anos de baixa inflação, granjeou confiança que lhe permitiu atrair investimento externo e conseguiu
manter a estabilidade macroeconómica enquanto duplicava o seu PIB. Hoje também há que assumir que há uma estratégia para atrair investimentos e turistas e deve haver outra para conseguir a aproximação com a Europa num quadro de livre circulação. Assim como outros países africanos insulares como as Maurícias e as Seicheles já conseguiram isenção de vistos para Europa também Cabo Verde atingirá esse Iobjectivo se tiver uma estratégia para isso e souber tomar as medidas que se impõem para designadamente “securitizar” as suas fronteiras. De outra forma o ressentimento contra os europeus só irá aumentar, prejudicando todo o esforço de desenvolvimento do país, inibindo o crescimento económico e impedindo a criação de postos de trabalho que, com novos investimentos e o aumento da procura interna devido ao consumo de turistas, seria possível conseguir.
A dificuldade em ver o óbvio nesta matéria deve-se em grande parte ao logro que de há muito os cabo-verdianos e, em particular, os que aspiram a emigrar, têm caído devido às omissões e meias verdades nas declarações dos governantes em matéria de isenção de vistos. É prática generalizada os países através de isenção de vistos facilitarem a homens de negócios, turistas, investidores, cientistas e outros estadias de curta duração de 30 ou 90 dias. Não são vistos para emigrar nem autorizações de residência ou permissão de trabalho, mas num país com tradição de emigração podem ser tidos como um expediente para emigração clandestina. Se essa interpretação nunca é, de facto, contrariada e, em sentido oposto, nas entrelinhas dos seus discursos, os governantes sistemática e disfarçadamente deixam entender que assim é,
mesmo quando assinam acordos de mobilidade com a União Europeia que os obriga a aceitar gente deportada na sequência de processos acelerados para fazer face à emigração ilegal, então o problema perpetua-se. Não tarda que venham acusações de discriminação ou de racismo e que o ressentimento desponte.
Se a discussão à volta da isenção dos vistos ficasse só pelas estratégias a seguir na consecução dos objectivos seja quanto ao investimento e turistas, por um lado, e livre circulação, por outro, e não fosse alimentada por equívocos, seria relativamente fácil ultrapassá-los como maior e melhor informação. A realidade é que não é assim e a razão disso é que há muito que a política em Cabo Verde deixou-se contaminar por elementos identitários. A fragilidade do cabo-verdiano apanhado entre a Europa e África tem vindo a agravar-se e o mais normal é que, como se vê noutras democracias, e um pouco por todo o mundo, o populismo emergente procure tirar proveito das questões identitárias e aprofunde ainda mais o fosso. A irracionalidade que normalmente acompanha esses fenómenos já é verificável em Cabo Verde nas sondagens que colocam a maioria dos cabo-verdianos contra os próprios turistas que mantêm uma parte decisiva da economia nacional a produzir e a trabalhar.
A batalha entre a África e Europa continua a ser travada com fragor mesmo que no processo não se melhore significativa mente o destino turístico, não se garanta a segurança e não se consiga controlar o comércio informal que assedia o turista no seu dia-a-dia. E certamente que o projecto de lei ontem anunciado pela maior força da oposição e que visa legalizar imigrantes vindos dos países da CEDEAO ir trazer mais acha para a fogueira. Será mais uma oportunidade para picardias entre africanistas e europeístas. Dividido, Cabo Verde dificilmente poderá fazer uma discussão séria e consequente de como deverá posicionar-se para poder crescer de forma sustentada e garantir trabalho para todos.Com as questões identitárias a chocarem-se qual placas tectónicas é o país que fica adiado enquanto fracturas propagam no tecido social causando estragos ao nível das comunidades e dos próprios indivíduos. Considerando como a consciência da cabo-verdianidade nas múltiplas manifestações se consolidou ao longo de boa parte do século 20 não tinha que ser esta a realidade 43 anos depois da independência.
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