Pelos dados do INE relativos ao 1º trimestre de 2019 e
os dados definitivos de 2017 e projectados de 2018 pode-se ver que o
estado da economia nacional continua animador. Isso apesar de se estar
ainda muito longe do prometido crescimento médio de 7% no quinquénio
2016/2021.
Cresceu 3,7% em 2017, 5,1 em
2018 e o FMI espera que nos próximos anos a taxa se mantenha nos 5% do
PIB. Para a instituição internacional a perspectiva futura do país
continua positiva apesar dos riscos da dívida pública, actualmente em
níveis dos mais elevados do mundo, e da própria conjuntura económica
mundial que dá sinais de algum arrefecimento.
A aprovação pelo FMI na segunda-feira, 15 de Julho, de um Instrumento de Coordenação de Políticas (PCI na sigla inglesa), a pedido de Cabo Verde, para monitorizar reformas e assegurar que metas nos indicadores macroeconómicos sejam cumpridas, vai no sentido de se acrescentar à vontade interna uma pressão do exterior e conseguir que, entre outros, o objectivo da sustentabilidade da dívida seja garantido. Também Cabo Verde ao solicitar esse instrumento sem que fosse obrigado pela necessidade de recorrer aos fundos do FMI quis certamente transmitir um sinal de confiança aos investidores, financiadores e a outros operadores. E naturalmente que espera uma resposta deles com impacto no país em particular na criação de riqueza e no aumento de empregos disponíveis.
O optimismo, que os números de crescimento depois de anos com valores rasteiros parecem autorizar, deve porém ser temperado pela realidade com que as pessoas se deparam no dia-a-dia. Aliás, a impaciência com dificuldades, constrangimentos e promessas não cumpridas já demonstrada nas manifestações de rua em diferentes ilhas e pontos do território nacional é ilustrativa a esse respeito. Deixa entender pelo menos três coisas: uma, que os obstáculos, resistências e inadequações representadas por pessoas, instituições e valores prevalecentes constituem um lastro difícil de se livrar inteiramente; outra, que o presente ritmo de crescimento está aquém do que seria necessário para que realmente afectasse a vida das pessoas: e outra ainda que as políticas poderão não estar à altura da complexidade dos problemas do desenvolvimento. Conseguir elevar o esforço nacional para atingir resultados e melhorar a vida das pessoas é o grande desafio que se coloca a todos no momento actual de vida do país. Não é evidente que se tenha, de facto, ideia da dimensão do desafio.
É curioso como, contra toda a evidência histórica, se insiste em passar a mensagem que o desenvolvimento é um objectivo perfeitamente ao alcance de todos. A verdade é que segundo o FMI entre 180 países só 36 são desenvolvidos ou como classifica o Banco Mundial apenas 81 com mais 12 mil dólares anuais ascendem à posição de países com alto rendimento. Historicamente, crescimento acelerado da economia só se verificou com a industrialização, particularmente a partir do século XIX, e em muitos poucos países. Na última metade do século XX e especialmente nas últimas décadas alguns países conseguiram romper com ciclos de pobreza e baixo crescimento para ascender a condição de países desenvolvidos. Para isso contribuiu imenso o processo de globalização com a abertura dos mercados, as facilidades de circulação do capital e o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação e as múltiplas revoluções em matéria de transporte. Mesmo assim os casos de sucesso são poucos e situam-se principalmente no Sudeste asiático. Alguns outros não conseguiram escapar da chamada armadilha do rendimento médio “middle income trap” enquanto muitos, designadamente no continente africano, nem do ciclo da pobreza dão sinais claros de se libertarem.
Perante uma realidade tão dura espanta a ligeireza com que já se tornou habitual em Cabo Verde confrontar a problemática do desenvolvimento. Quantas vezes se ouviu dos governantes e políticos a expressão de que o país, uma ilha ou um município “tem tudo para dar certo”, como se fosse fácil determinar todos os ingredientes do desenvolvimento e através de alguma fórmula mágica produzi-lo quando se mostrasse conveniente. A experiência de avanços e recuos de países ricos em recursos naturais e tão diversos como o Brasil, Angola, Congo, Argentina, Irão e Paquistão demonstra que ninguém de facto “tem tudo para dar certo”. Os que conseguiram realizar a proeza e se tornaram países desenvolvidos foram aqueles que no processo souberam cultivar os valores certos, construir as instituições adequadas e promover o envolvimento massivo das famílias, da sociedade e do Estado numa educação de excelência. Não se deixaram apanhar no ilusionismo das políticas miraculosas, na facilidade que a ajuda externa parece oferecer com soluções à medida e no canto de sereia que é aposta na venda de recursos naturais como o petróleo, diamantes e minerais. Infelizmente não foi o que aconteceu em Cabo Verde.
Nas ilhas, com a pobreza de recursos naturais e a falta de chuvas, a fome e a emigração e também a distância dos grandes centros economicamente dinâmicos, devia imperar um espírito realista e pragmático. Outrossim, a vivência de séculos muitas vezes no limiar da sobrevivência somente pontuado por momentos efémeros de prosperidade devido a chuvas irregulares, interesse externo pontual por facilidades de navegação e alguma procura externa por bens e serviços condicionou a dimensão da população e permitiu a emergência de uma realidade humana e cultural única que podia traduzir-se em vantagens num ambiente económico de interacção com o mundo. O mais normal é que o país potenciasse isso tudo para traçar um caminho para além da pobreza e isolamento como Estado independente. Outros em situações similares como as Maurícias fizeram-no. Abriram-se ao mundo, industrializaram-se e fundamentalmente disponibilizaram-se para se adaptar. Com alterações profundas a verificar-se no comércio mundial souberam passar dos têxteis para a electrónica, depois para o digital e mais tarde para os serviços financeiros e o turismo de grande valor acrescentado.
Cabo Verde apoiado na ajuda ao desenvolvimento que afastava para a longe a ameaça da fome deixou-se levar por muito tempo pelo ilusionismo, seja ela da espera da chuva, da sua importância geoestratégica ou sua riqueza marinha. A factura paga por isso mostra-se nas empresas públicas quase falidas, nos investimentos sem o retorno prometido, na baixa produtividade do trabalho, no desemprego a dois dígitos e no sistema de ensino desadequado para a empregabilidade e para fazer o país competitivo e inovador. Não obstante continua o jogo de promessas de obras que depois não resultam em soluções de desenvolvimento. Para reparar o mal procura-se compensar com novas promessas de obras num círculo vicioso que cria paulatinamente impaciência, frustração e em certos casos ressentimento profundo, com todas as suas consequências. Como é evidente o eleitoralismo dominante na política cabo-verdiana dificulta que se encontre energia e foco para se escapar deste círculo vicioso. Talvez a pressão externa via o instrumento do FMI se revele providencial para que se consiga finalmente fazer as reformas necessárias, manter a disciplina fiscal e diminuir o défice e a dívida pública. Também seja instrumental para ultrapassar as quezílias partidárias e fazer a reforma do ensino que prioritariamente o país precisa. Que assim seja.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 920 de 17 de Julho de 2019.
A aprovação pelo FMI na segunda-feira, 15 de Julho, de um Instrumento de Coordenação de Políticas (PCI na sigla inglesa), a pedido de Cabo Verde, para monitorizar reformas e assegurar que metas nos indicadores macroeconómicos sejam cumpridas, vai no sentido de se acrescentar à vontade interna uma pressão do exterior e conseguir que, entre outros, o objectivo da sustentabilidade da dívida seja garantido. Também Cabo Verde ao solicitar esse instrumento sem que fosse obrigado pela necessidade de recorrer aos fundos do FMI quis certamente transmitir um sinal de confiança aos investidores, financiadores e a outros operadores. E naturalmente que espera uma resposta deles com impacto no país em particular na criação de riqueza e no aumento de empregos disponíveis.
O optimismo, que os números de crescimento depois de anos com valores rasteiros parecem autorizar, deve porém ser temperado pela realidade com que as pessoas se deparam no dia-a-dia. Aliás, a impaciência com dificuldades, constrangimentos e promessas não cumpridas já demonstrada nas manifestações de rua em diferentes ilhas e pontos do território nacional é ilustrativa a esse respeito. Deixa entender pelo menos três coisas: uma, que os obstáculos, resistências e inadequações representadas por pessoas, instituições e valores prevalecentes constituem um lastro difícil de se livrar inteiramente; outra, que o presente ritmo de crescimento está aquém do que seria necessário para que realmente afectasse a vida das pessoas: e outra ainda que as políticas poderão não estar à altura da complexidade dos problemas do desenvolvimento. Conseguir elevar o esforço nacional para atingir resultados e melhorar a vida das pessoas é o grande desafio que se coloca a todos no momento actual de vida do país. Não é evidente que se tenha, de facto, ideia da dimensão do desafio.
É curioso como, contra toda a evidência histórica, se insiste em passar a mensagem que o desenvolvimento é um objectivo perfeitamente ao alcance de todos. A verdade é que segundo o FMI entre 180 países só 36 são desenvolvidos ou como classifica o Banco Mundial apenas 81 com mais 12 mil dólares anuais ascendem à posição de países com alto rendimento. Historicamente, crescimento acelerado da economia só se verificou com a industrialização, particularmente a partir do século XIX, e em muitos poucos países. Na última metade do século XX e especialmente nas últimas décadas alguns países conseguiram romper com ciclos de pobreza e baixo crescimento para ascender a condição de países desenvolvidos. Para isso contribuiu imenso o processo de globalização com a abertura dos mercados, as facilidades de circulação do capital e o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação e as múltiplas revoluções em matéria de transporte. Mesmo assim os casos de sucesso são poucos e situam-se principalmente no Sudeste asiático. Alguns outros não conseguiram escapar da chamada armadilha do rendimento médio “middle income trap” enquanto muitos, designadamente no continente africano, nem do ciclo da pobreza dão sinais claros de se libertarem.
Perante uma realidade tão dura espanta a ligeireza com que já se tornou habitual em Cabo Verde confrontar a problemática do desenvolvimento. Quantas vezes se ouviu dos governantes e políticos a expressão de que o país, uma ilha ou um município “tem tudo para dar certo”, como se fosse fácil determinar todos os ingredientes do desenvolvimento e através de alguma fórmula mágica produzi-lo quando se mostrasse conveniente. A experiência de avanços e recuos de países ricos em recursos naturais e tão diversos como o Brasil, Angola, Congo, Argentina, Irão e Paquistão demonstra que ninguém de facto “tem tudo para dar certo”. Os que conseguiram realizar a proeza e se tornaram países desenvolvidos foram aqueles que no processo souberam cultivar os valores certos, construir as instituições adequadas e promover o envolvimento massivo das famílias, da sociedade e do Estado numa educação de excelência. Não se deixaram apanhar no ilusionismo das políticas miraculosas, na facilidade que a ajuda externa parece oferecer com soluções à medida e no canto de sereia que é aposta na venda de recursos naturais como o petróleo, diamantes e minerais. Infelizmente não foi o que aconteceu em Cabo Verde.
Nas ilhas, com a pobreza de recursos naturais e a falta de chuvas, a fome e a emigração e também a distância dos grandes centros economicamente dinâmicos, devia imperar um espírito realista e pragmático. Outrossim, a vivência de séculos muitas vezes no limiar da sobrevivência somente pontuado por momentos efémeros de prosperidade devido a chuvas irregulares, interesse externo pontual por facilidades de navegação e alguma procura externa por bens e serviços condicionou a dimensão da população e permitiu a emergência de uma realidade humana e cultural única que podia traduzir-se em vantagens num ambiente económico de interacção com o mundo. O mais normal é que o país potenciasse isso tudo para traçar um caminho para além da pobreza e isolamento como Estado independente. Outros em situações similares como as Maurícias fizeram-no. Abriram-se ao mundo, industrializaram-se e fundamentalmente disponibilizaram-se para se adaptar. Com alterações profundas a verificar-se no comércio mundial souberam passar dos têxteis para a electrónica, depois para o digital e mais tarde para os serviços financeiros e o turismo de grande valor acrescentado.
Cabo Verde apoiado na ajuda ao desenvolvimento que afastava para a longe a ameaça da fome deixou-se levar por muito tempo pelo ilusionismo, seja ela da espera da chuva, da sua importância geoestratégica ou sua riqueza marinha. A factura paga por isso mostra-se nas empresas públicas quase falidas, nos investimentos sem o retorno prometido, na baixa produtividade do trabalho, no desemprego a dois dígitos e no sistema de ensino desadequado para a empregabilidade e para fazer o país competitivo e inovador. Não obstante continua o jogo de promessas de obras que depois não resultam em soluções de desenvolvimento. Para reparar o mal procura-se compensar com novas promessas de obras num círculo vicioso que cria paulatinamente impaciência, frustração e em certos casos ressentimento profundo, com todas as suas consequências. Como é evidente o eleitoralismo dominante na política cabo-verdiana dificulta que se encontre energia e foco para se escapar deste círculo vicioso. Talvez a pressão externa via o instrumento do FMI se revele providencial para que se consiga finalmente fazer as reformas necessárias, manter a disciplina fiscal e diminuir o défice e a dívida pública. Também seja instrumental para ultrapassar as quezílias partidárias e fazer a reforma do ensino que prioritariamente o país precisa. Que assim seja.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 920 de 17 de Julho de 2019.
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