Cabo Verde em momentos de decisão estratégica
depara-se sempre com o seu velho e permanente problema de fundo que é o
de não ter escala. Não pode moldar o mundo à sua vontade e tem
constantemente que se adaptar ao novo.
É
um país pequeno, ainda para mais um arquipélago de dez ilhas e com uma
pequena população desigualmente distribuída por todo o território
nacional. Isso significa que muitas vezes se arrasta com problemas
sérios de transportes aéreos e marítimos, que os investimentos em
infraestruturas têm que ser em grande parte replicados nas diferentes
ilhas, que a produção de factores como energia e água dificilmente
consegue ser eficiente e que no processo de decisão sobre qualquer
projecto público não será fácil ficar só pela relação custo-benefício.
Também que a produção local de bens deverá sempre confrontar-se com a
disponibilidade reduzida de terra e água, um mercado interno reduzido e
fragmentado e a rigidez de mão-de-obra limitada na sua mobilidade não só
por eventuais constrangimentos do código laboral mas também por laços
afectivos e compromissos que prendem as pessoas à sua ilha.
Os desafios que esta realidade incontornável representam nem sempre foram devidamente encarados pelos governantes. E pior, o Estado que se propôs criar, subordinou-se mais a ditames ideológicos e a um tipo de exercício de poder que passa por manter as populações dependentes do que a um outro papel que implicasse agir para minorar as falhas e as imperfeições do mercado e ainda conseguir mobilizar procura externa que colmatasse os efeitos de falta de escala no país. O custo das políticas desadequadas é hoje sentido em toda a sua dimensão. Depois de já terem passados os tempos em que a ajuda externa permitia que se escondesse a realidade e se pudesse empurrar com a barriga os problemas do país, ainda se esticou mais a corda por mais algum tempo levando praticamente à falência várias empresas públicas e colocando o país entre os mais endividados do mundo.
O resultado é o quadro que se tem actualmente em que são visíveis por exemplo os problemas sérios com que as pessoas, as empresas e a sociedade se deparam no dia-a-dia em matéria de transportes, energia, habitação e também no que respeita à precariedade de uma população rural que não consegue ir muito além de uma agricultura de subsistência e a migrações internas que esvaziam ilhas e provocam convulsões noutras. Tardou que se procurasse fazer uma viragem nas políticas e na atitude que reorientasse o país para fora da armadilha que a sua pequenez e insularidade o pareciam confinar. A inércia das instituições e a cultura que se instalou de desconfiança em relação ao exterior não têm facilitado a mudança. Ainda bem que apesar de todas as dificuldades, a pressão da procura externa no turismo forçou quase por si próprio a que o sector se tornasse o motor da economia quando praticamente tudo o resto badalado nos múltiplos clusters ficava aquém das expectativas criadas. Mas como algo não planeado e não abraçado de forma inteligente, o impacto do turismo no arrastamento da economia e no número e qualidade dos postos de trabalho criados não tem sido o que provavelmente seria com outras políticas e outra atitude. Trouxe custos materiais ambientais e humanos que podiam ser evitados com uma governação compreensiva e mais proactiva.
Para fazer face ao tempo perdido e diversificar a economia de modo a poder suportar-se em bases mais sólidas há que mover com rigor e determinação mas ciente dos constrangimentos que irão emergir. Não se pode pensar que simplesmente de uma penada é possível limpar crenças arreigadas, quebrar posturas institucionais e mudar atitudes hostis à inovação e à abertura com o mundo. É verdade que o crescimento económico que há dois anos atrás depois de um período de estagnação subiu para o patamar dos 4% e dá sinais de poder sustentar-se acima dos 5%. Mas vai precisar de reformas que melhorem o ambiente de negócios e a competitividade externa do país e de investimentos designadamente na educação e formação para aumentar a produtividade de forma a poder crescer acima dos 7 % e aguentar os choques derivados de eventual quebra na procura externa.
Exemplificam a complexidade das tarefas a executar a curto e médio prazo para se conseguir a almejada diversificação da economia, o processo de resgate e de reestruturação da TACV e o que se está a iniciar agora com a concessão dos aeroportos. O primeiro processo acabou por desembocar na privatização da Cabo Verde Airlines, já provida de um plano de negócios que prevê a criação de HUB na Ilha do Sal. O segundo mostra-se vital para a operacionalização do Hub pois como disse Jens Bjarnason, CEO da nova empresa, em entrevista ao Expresso das Ihas, “dentro de alguns anos, teremos de aumentar o tamanho dos terminais e adicionar mais zonas de estacionamento dos aviões”. O número de aviões pretendido é de 12, mas sabe-se que assim como está o Aeroporto do Sal só poderá comportar 7 ou 8 e há que estar à altura de servir os muitos milhares de passageiros em trânsito e um maior número de aviões em rotações rápidas. De facto o que se quer é ir além da pequenez do mercado nacional e conseguir economias de escala na produção de bens e serviços mobilizando a procura externa.
Para isso tem que haver investimento. Uma hipótese seria o investimento público, mas teria os seus senãos designadamente os níveis elevados de dívida do Estado à volta dos 122,8% do PIB e a dificuldade que se concretizasse no timing certo para servir a expansão do Hub. A opção adoptada foi de privatização acompanhada de novos processos de gestão e ainda de investimentos em equipamentos e na própria expansão do aeroporto para se conseguir um upgrade do Aeroporto do Sal. Mesmo assim subsistem dúvidas. Há quem diga que o problema com a proposta do governo é que aparentemente está-se a exigir que uma mesma empresa seja concessionária de todos os aeroportos e aeródromos do país. Ora sendo todos eles deficitários com excepção dos aeroportos do Sal e da Boa Vista é de se perguntar se não seria preferível para garantir o sucesso do hub concentrar a atenção e recursos do parceiro estratégico na ilha do Sal. Compreende-se que o governo com a concessão de todos queira promover o turismo e reforçar a posição competitiva dos aeroportos nacionais, mas há que definir prioridades. Claramente que o sucesso do hub deveria sobrepor-se ao resto por várias razões entre elas os investimentos feitos, os sacrifícios consentidos para o pôr de pé e as oportunidades de negócio que se perspectivam com a sua dinamização.
Na caminhada para libertar o país dos condicionantes que moldaram toda a sua existência, a opção nunca deve ser virar-se para dentro. Voltar-se para fora tem os seus percalços e nada é garantido à partida, mas é o único caminho possível. Agarrá-lo, debater quais as vias para lá chegar e inteligentemente escolher os atalhos é a postura que melhor serve esse propósito. Fundamental para isso, porém deve ser aposta nacional numa subida radical do nível de educação e de formação, em particular das crianças e jovens.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 917 de 26 de Junho de 2019.
Os desafios que esta realidade incontornável representam nem sempre foram devidamente encarados pelos governantes. E pior, o Estado que se propôs criar, subordinou-se mais a ditames ideológicos e a um tipo de exercício de poder que passa por manter as populações dependentes do que a um outro papel que implicasse agir para minorar as falhas e as imperfeições do mercado e ainda conseguir mobilizar procura externa que colmatasse os efeitos de falta de escala no país. O custo das políticas desadequadas é hoje sentido em toda a sua dimensão. Depois de já terem passados os tempos em que a ajuda externa permitia que se escondesse a realidade e se pudesse empurrar com a barriga os problemas do país, ainda se esticou mais a corda por mais algum tempo levando praticamente à falência várias empresas públicas e colocando o país entre os mais endividados do mundo.
O resultado é o quadro que se tem actualmente em que são visíveis por exemplo os problemas sérios com que as pessoas, as empresas e a sociedade se deparam no dia-a-dia em matéria de transportes, energia, habitação e também no que respeita à precariedade de uma população rural que não consegue ir muito além de uma agricultura de subsistência e a migrações internas que esvaziam ilhas e provocam convulsões noutras. Tardou que se procurasse fazer uma viragem nas políticas e na atitude que reorientasse o país para fora da armadilha que a sua pequenez e insularidade o pareciam confinar. A inércia das instituições e a cultura que se instalou de desconfiança em relação ao exterior não têm facilitado a mudança. Ainda bem que apesar de todas as dificuldades, a pressão da procura externa no turismo forçou quase por si próprio a que o sector se tornasse o motor da economia quando praticamente tudo o resto badalado nos múltiplos clusters ficava aquém das expectativas criadas. Mas como algo não planeado e não abraçado de forma inteligente, o impacto do turismo no arrastamento da economia e no número e qualidade dos postos de trabalho criados não tem sido o que provavelmente seria com outras políticas e outra atitude. Trouxe custos materiais ambientais e humanos que podiam ser evitados com uma governação compreensiva e mais proactiva.
Para fazer face ao tempo perdido e diversificar a economia de modo a poder suportar-se em bases mais sólidas há que mover com rigor e determinação mas ciente dos constrangimentos que irão emergir. Não se pode pensar que simplesmente de uma penada é possível limpar crenças arreigadas, quebrar posturas institucionais e mudar atitudes hostis à inovação e à abertura com o mundo. É verdade que o crescimento económico que há dois anos atrás depois de um período de estagnação subiu para o patamar dos 4% e dá sinais de poder sustentar-se acima dos 5%. Mas vai precisar de reformas que melhorem o ambiente de negócios e a competitividade externa do país e de investimentos designadamente na educação e formação para aumentar a produtividade de forma a poder crescer acima dos 7 % e aguentar os choques derivados de eventual quebra na procura externa.
Exemplificam a complexidade das tarefas a executar a curto e médio prazo para se conseguir a almejada diversificação da economia, o processo de resgate e de reestruturação da TACV e o que se está a iniciar agora com a concessão dos aeroportos. O primeiro processo acabou por desembocar na privatização da Cabo Verde Airlines, já provida de um plano de negócios que prevê a criação de HUB na Ilha do Sal. O segundo mostra-se vital para a operacionalização do Hub pois como disse Jens Bjarnason, CEO da nova empresa, em entrevista ao Expresso das Ihas, “dentro de alguns anos, teremos de aumentar o tamanho dos terminais e adicionar mais zonas de estacionamento dos aviões”. O número de aviões pretendido é de 12, mas sabe-se que assim como está o Aeroporto do Sal só poderá comportar 7 ou 8 e há que estar à altura de servir os muitos milhares de passageiros em trânsito e um maior número de aviões em rotações rápidas. De facto o que se quer é ir além da pequenez do mercado nacional e conseguir economias de escala na produção de bens e serviços mobilizando a procura externa.
Para isso tem que haver investimento. Uma hipótese seria o investimento público, mas teria os seus senãos designadamente os níveis elevados de dívida do Estado à volta dos 122,8% do PIB e a dificuldade que se concretizasse no timing certo para servir a expansão do Hub. A opção adoptada foi de privatização acompanhada de novos processos de gestão e ainda de investimentos em equipamentos e na própria expansão do aeroporto para se conseguir um upgrade do Aeroporto do Sal. Mesmo assim subsistem dúvidas. Há quem diga que o problema com a proposta do governo é que aparentemente está-se a exigir que uma mesma empresa seja concessionária de todos os aeroportos e aeródromos do país. Ora sendo todos eles deficitários com excepção dos aeroportos do Sal e da Boa Vista é de se perguntar se não seria preferível para garantir o sucesso do hub concentrar a atenção e recursos do parceiro estratégico na ilha do Sal. Compreende-se que o governo com a concessão de todos queira promover o turismo e reforçar a posição competitiva dos aeroportos nacionais, mas há que definir prioridades. Claramente que o sucesso do hub deveria sobrepor-se ao resto por várias razões entre elas os investimentos feitos, os sacrifícios consentidos para o pôr de pé e as oportunidades de negócio que se perspectivam com a sua dinamização.
Na caminhada para libertar o país dos condicionantes que moldaram toda a sua existência, a opção nunca deve ser virar-se para dentro. Voltar-se para fora tem os seus percalços e nada é garantido à partida, mas é o único caminho possível. Agarrá-lo, debater quais as vias para lá chegar e inteligentemente escolher os atalhos é a postura que melhor serve esse propósito. Fundamental para isso, porém deve ser aposta nacional numa subida radical do nível de educação e de formação, em particular das crianças e jovens.
Humberto Cardoso
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