O ano parlamentar termina hoje dia 31 de Julho. O
último acto vai ser o Debate sobre o estado da Nação que desde a revisão
constitucional de 1999 foi instituído como o momento alto de
responsabilização política do governo perante a Assembleia Nacional.
A
expectativa geral é que depois do discurso do primeiro-ministro, a
mostrar as condições em que se encontra o país nos diferentes sectores e
também a revelar as suas linhas de actuação e as prioridades da sua
governação no futuro próximo, deverá seguir-se o posicionamento dos
deputados num exercício do contraditório elucidativo das questões
nacionais acompanhado de propostas alternativas e de avaliação de
percurso. Infelizmente raramente a qualidade do debate satisfaz, porque
tende a descambar para acusações mútuas que não acrescentam valor ao
processo democrático de encontrar o melhor caminho para o país. Não
obstante, alimenta-se sempre a possibilidade de ser desta vez que o
debate vai-se mostrar positivo e confirmar as virtualidades da
democracia representativa.
Há certo tipo de confrontos que não deviam acontecer considerando que as duas maiores forças políticas já tiveram a possibilidade de se alternar na oposição e no governo. Têm a obrigação de conhecer os reais constrangimentos do país, de saber quais os limites em matéria orçamental e de dívida externa que não se pode ultrapassar e, com esses dados, ponderar bem as metas propostas e as promessas feitas. Se essas balizas fossem seguidas o discurso político não ficaria por abordagens primárias que invariavelmente asserta que a situação das populações resulta de algum tipo de abandono ou de discriminação. Não se insistiria num discurso que tende a reduzir a relação com os governantes a momentos de reivindicação seguidos de entregas, inaugurações e actos de desencravamentos sem que todo esse investimento público se traduza realmente em ganhos significativos e sustentáveis, em forma de rendimento e de qualidade de vida. Nem a confrontação política seria na linha de que o adversário, para conseguir vantagem política, deseja que as coisas não corram bem, do tipo “que não haja chuva, que os aviões não voem, os barcos não navegem, falte luz e água, etc”. Infelizmente, o facto é que, apesar de toda a experiência dentro e fora da governação, a opção preferida é no essencial por reproduzir o paternalismo do Estado. Só que esse é o caminho aberto para se manter o estado de crispação política em que a atitude assumida por muitos intervenientes, em particular no parlamento, é de “recadeiros” de interesses particulares, cada um procurando suplantar ao outro nas denúncias de abandono e em fazer levar a “quem de Direito” as reivindicações das populações.
Há quem veja na democracia o sistema político mais adequado para se lidar com a realidade complexa das sociedades humanas. Ninguém nega que o exercício da liberdade e a defesa do pluralismo têm sido os instrumentos fundamentais para, face a problemas complexos, se evitar ser levado por soluções simplistas e também de não ficar preso e sem alternativa quando enveredar por uma via sem saída ou sem muito potencial. Também a aceitação do facto de que não é possível captar a verdade absoluta e conhecer o caminho certo para a prosperidade abre o caminho para o diálogo, para negociações e para os compromissos necessários à prossecução dos objectivos de toda a comunidade. Não se cai na tentação de demonizar o outro, de o encarar como inimigo e de ver motivos obscuros nas suas propostas. Evitando isso o discurso deixa de ser primário, tribal ou de reivindicação de identidades complicadas para ser o da cidadania, da igualdade e da criação de oportunidades para todos.
O problema é quando a democracia transmite sinais que fraqueja no que é expectável que deva oferecer e as instituições se mostram desorientadas com falhas na representatividade e com dificuldades em oferecer estabilidade. Sucedem-se movimentações da sociedade civil e aparecem múltiplas propostas para se alterar o sistema eleitoral e promover formas de democracia directa não só no país como também nos partidos. A par disso, nota-se um excesso de protagonismos pessoais dos titulares de cargos políticos e défice de conformidade com os procedimentos. Também abre o caminho para ser desafiado e até confrontado com opções que, embora democráticas, pelo facto do poder conquistado ter legitimidade nas urnas dada pelo voto popular, apresentam práticas que beliscam os direitos fundamentais e a independência do poder judicial. Falha assim na sua função central que é de garantir a via para a prosperidade, na liberdade e segurança. Não tarda muito que a impaciência das populações se venha a manifestar e que as tentações do populismo se tornem cada mais difíceis de evitar com claro prejuízo para a consolidação da democracia representativa, a única que historicamente defendeu a liberdade.
O debate sobre o estado da Nação em ambiente de tensões populistas dificilmente vai poder trazer à luz do dia as extraordinárias questões que se colocam ao país a começar por: como fazer da administração pública uma máquina eficiente e eficaz; como baixar os custos de contexto e os custos de factores como água e energia; como assegurar transportes previsíveis, seguros e a custos baixos entre as ilhas e entre o arquipélago e o exterior; como fazer os operadores nacionais ganhar mais com o investimento directo estrangeiro e o turismo; como articular a disponibilidade financeira com outras medidas para que o financiamento das empresas se concretize e aumente a formalidade e a produtividade da economia; como mover as escolas, os professores e os alunos para abraçarem a luta pela qualidade; como organizar o mercado de trabalho para ser mais qualificado e mais produtivo; como orientar estrategicamente o sector da saúde para garantir sustentabilidade futura; como direccionar a agricultura e a pecuária para produtos de maior valor acrescentado; como reequacionar o embargo para que produtos de Santo Antão tenham acesso aos mercados de Sal e Boa Vista; como promover S. Vicente no exterior para que os investimentos já feitos tenham um maior retorno; como efectivamente fazer circular pessoas, bens e serviços na ilha de Santiago para que não haja discrepâncias tão graves no PIB per capita entre vários pontos do seu território; como modelar uma política de habitação que em simultâneo dê atenção às migrações internas, aos défices de habitações e à mobilidade de mão-de-obra e finalmente como reorganizar as forças de segurança para fazer de Cabo Verde um país seguro, com capacidade de responder a emergências diversas e fiscalizar as suas águas e costas. Mas são essas questões que as pessoas que têm manifestado pelas diferentes ilhas querem respondidas. Esperemos seja este o debate sobre o estado da Nação que lhes vai fazer a vontade.
Há certo tipo de confrontos que não deviam acontecer considerando que as duas maiores forças políticas já tiveram a possibilidade de se alternar na oposição e no governo. Têm a obrigação de conhecer os reais constrangimentos do país, de saber quais os limites em matéria orçamental e de dívida externa que não se pode ultrapassar e, com esses dados, ponderar bem as metas propostas e as promessas feitas. Se essas balizas fossem seguidas o discurso político não ficaria por abordagens primárias que invariavelmente asserta que a situação das populações resulta de algum tipo de abandono ou de discriminação. Não se insistiria num discurso que tende a reduzir a relação com os governantes a momentos de reivindicação seguidos de entregas, inaugurações e actos de desencravamentos sem que todo esse investimento público se traduza realmente em ganhos significativos e sustentáveis, em forma de rendimento e de qualidade de vida. Nem a confrontação política seria na linha de que o adversário, para conseguir vantagem política, deseja que as coisas não corram bem, do tipo “que não haja chuva, que os aviões não voem, os barcos não navegem, falte luz e água, etc”. Infelizmente, o facto é que, apesar de toda a experiência dentro e fora da governação, a opção preferida é no essencial por reproduzir o paternalismo do Estado. Só que esse é o caminho aberto para se manter o estado de crispação política em que a atitude assumida por muitos intervenientes, em particular no parlamento, é de “recadeiros” de interesses particulares, cada um procurando suplantar ao outro nas denúncias de abandono e em fazer levar a “quem de Direito” as reivindicações das populações.
Há quem veja na democracia o sistema político mais adequado para se lidar com a realidade complexa das sociedades humanas. Ninguém nega que o exercício da liberdade e a defesa do pluralismo têm sido os instrumentos fundamentais para, face a problemas complexos, se evitar ser levado por soluções simplistas e também de não ficar preso e sem alternativa quando enveredar por uma via sem saída ou sem muito potencial. Também a aceitação do facto de que não é possível captar a verdade absoluta e conhecer o caminho certo para a prosperidade abre o caminho para o diálogo, para negociações e para os compromissos necessários à prossecução dos objectivos de toda a comunidade. Não se cai na tentação de demonizar o outro, de o encarar como inimigo e de ver motivos obscuros nas suas propostas. Evitando isso o discurso deixa de ser primário, tribal ou de reivindicação de identidades complicadas para ser o da cidadania, da igualdade e da criação de oportunidades para todos.
O problema é quando a democracia transmite sinais que fraqueja no que é expectável que deva oferecer e as instituições se mostram desorientadas com falhas na representatividade e com dificuldades em oferecer estabilidade. Sucedem-se movimentações da sociedade civil e aparecem múltiplas propostas para se alterar o sistema eleitoral e promover formas de democracia directa não só no país como também nos partidos. A par disso, nota-se um excesso de protagonismos pessoais dos titulares de cargos políticos e défice de conformidade com os procedimentos. Também abre o caminho para ser desafiado e até confrontado com opções que, embora democráticas, pelo facto do poder conquistado ter legitimidade nas urnas dada pelo voto popular, apresentam práticas que beliscam os direitos fundamentais e a independência do poder judicial. Falha assim na sua função central que é de garantir a via para a prosperidade, na liberdade e segurança. Não tarda muito que a impaciência das populações se venha a manifestar e que as tentações do populismo se tornem cada mais difíceis de evitar com claro prejuízo para a consolidação da democracia representativa, a única que historicamente defendeu a liberdade.
O debate sobre o estado da Nação em ambiente de tensões populistas dificilmente vai poder trazer à luz do dia as extraordinárias questões que se colocam ao país a começar por: como fazer da administração pública uma máquina eficiente e eficaz; como baixar os custos de contexto e os custos de factores como água e energia; como assegurar transportes previsíveis, seguros e a custos baixos entre as ilhas e entre o arquipélago e o exterior; como fazer os operadores nacionais ganhar mais com o investimento directo estrangeiro e o turismo; como articular a disponibilidade financeira com outras medidas para que o financiamento das empresas se concretize e aumente a formalidade e a produtividade da economia; como mover as escolas, os professores e os alunos para abraçarem a luta pela qualidade; como organizar o mercado de trabalho para ser mais qualificado e mais produtivo; como orientar estrategicamente o sector da saúde para garantir sustentabilidade futura; como direccionar a agricultura e a pecuária para produtos de maior valor acrescentado; como reequacionar o embargo para que produtos de Santo Antão tenham acesso aos mercados de Sal e Boa Vista; como promover S. Vicente no exterior para que os investimentos já feitos tenham um maior retorno; como efectivamente fazer circular pessoas, bens e serviços na ilha de Santiago para que não haja discrepâncias tão graves no PIB per capita entre vários pontos do seu território; como modelar uma política de habitação que em simultâneo dê atenção às migrações internas, aos défices de habitações e à mobilidade de mão-de-obra e finalmente como reorganizar as forças de segurança para fazer de Cabo Verde um país seguro, com capacidade de responder a emergências diversas e fiscalizar as suas águas e costas. Mas são essas questões que as pessoas que têm manifestado pelas diferentes ilhas querem respondidas. Esperemos seja este o debate sobre o estado da Nação que lhes vai fazer a vontade.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 922 de 31 de Julho de 2019.
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