Na primeira sessão de Novembro da Assembleia
Nacional, a matéria da composição do futuro Conselho de Finanças
Públicas (CFP) foi dos pontos da ordem do dia que mais celeuma levantou.
Em discussão esteve a questão se devia ser o Ministro de Finanças a
propor o presidente e dois vogais de entre os cinco membros do conselho
ficando os dois restantes por serem indicados pelo governador do banco e
pelo presidente do tribunal de contas.
Tratando-se
do órgão superior de uma instituição de escrutínio orçamental
independente compreende-se que houvesse dúvidas quanto à indicação da
maioria dos seus membros pelo ministro de finanças. De facto, o que está
em jogo é nomeadamente o avaliar pelo CFP da consistência em termos
macroeconómicos das projecções orçamentais e também do cumprimento de
regras orçamentais e da dinâmica e sustentabilidade a prazo da dívida
pública, todas essas acções sob a responsabilidade directa do ministro
de finanças. E o que se quer é que não haja qualquer suspeita no que
concerne à sua competência técnica e a independência. Nesse sentido,
atribuir competência directa ao ministro na indicação da maioria dos
seus membros, mesmo que mediada pelo conselho de ministros, certamente
que não ajuda.
Conselhos de finanças públicas foram criados em vários países da União Europeia a partir de 2012 e na sequência da crise do euro e da dívida soberana com o objectivo de monitorização independente das contas públicas. O figurino adoptado para a composição do seu órgão superior foi como aconteceu em Portugal o de fazer o conselho de ministros nomear personalidades indicadas em proposta conjunta pelo presidente do tribunal de contas e pelo governador do Banco central. Pela via de proposta conjunta de duas instituições com altas funções técnicas e uma cultura organizacional de independência procurava-se garantir que os indicados reunissem qualidade técnica e fossem independentes. Associando a isso, entre outros atributos, mandatos relativamente longos e não renováveis, autonomia administrativa e financeira e inamovibilidade dos seus membros assegurava-se que poderiam ser uns verdadeiros watchdogs fiscais. A experiência portuguesa neste aspecto foi rica porquanto não faltaram tensões entre o CFP e outras entidades públicas incomodadas com os seus pareceres, à medida que o país nos anos difíceis da Troika e nos anos seguintes procurava fazer uma gestão orçamental, e em particular do défice e da dívida, em conformidade com as exigências europeias.
A adopção por Cabo Verde de instituições com esse perfil tem razão de ser. Quer-se com isso granjear credibilidade na gestão da contas do Estado, transmitir confiança que as previsões orçamentais de diminuição do défice orçamental vão-se verificar e que se irá trabalhar para que a dívida pública, ainda a níveis demasiados elevados, seja sustentável. E porque atingir tais objectivos é essencial para o país ser atractivo para o investimento externo e assegurar um bom ambiente de negócios, não se pode ficar a meio de caminho na forma como são constituídos os órgãos e alimentar dúvidas futuras quanto à sua competência e independência. Também não é procurando inovar com exigências de 15 anos ou 10 anos de experiência para os cargos de presidentes e vogais do CFP, que mais parecem critérios administrativos de antiguidade, ou estabelecendo que os órgãos fiquem adstritos à Chefia do Governo que se vai garantir capacidade técnica e autonomia.
Em instituições similares no estrangeiro, designadamente em Portugal, por causa do elevado grau de tecnicidade exigido abre-se a possibilidade de nomear vogais do CFP que não sejam nacionais do país, uma ideia que podia revelar-se interessante em Cabo Verde ainda carente de quadros altamente qualificados em domínios chaves. Outrossim, porque quem é fiscalizado e avaliado é o governo que executa o orçamento, afirma-se a autonomia fazendo o CFP tomar posse perante o presidente do parlamento que é um órgão plural e fiscaliza o poder executivo. Um grande desafio de todos estes conselhos fiscais seja nas experiências mais antigas como na Holanda ou nos Estados Unidos e mais recentemente na Suécia, Reino Unido e Hungria é garantir a autonomia e sobreviver ao descontentamento e críticas que num momento ou outro provocam junto de quem governa. Independentemente de algum mal-estar que eventualmente podem provocar, o facto é que os CFP com as suas análises, estimativas e monotorização da execução orçamental, ao trazer dados acima de qualquer suspeita, podem dar um contributo enorme para um debate político mais saudável e útil sobre a situação económica e financeira do país.
A opção por ter um Conselho de Finanças Públicas não deve ser visto como mais uma dessas medidas cujo principal objectivo é passar a imagem do país como de “bom aluno” junto das organizações internacionais e da União Europeia, na perspectiva de conseguir mais ajuda. Fez-se e continua-se a fazer muito disso, descurando os resultados e possíveis benefícios das medidas adoptadas e fixando simplesmente nos efeitos imediatos dos fluxos externos. Seria bom que no acaso actual houvesse um comprometimento para se ter um órgão de escrutínio orçamental realmente independente. Para isso, seria fundamental que se alterasse o quadro de nomeação dos seus membros porque como popularmente se diz não basta à mulher de César ser séria, tem que parecer ser séria.
Nesse sentido não bastam as garantias do ministro de finanças quanto à indicação dos três membros do CFP, há que alicerçar a nomeação em bases institucionais sólidas. Um simples olhar pela actual estrutura do governo e pela actuação dos governantes não deixa dúvidas quanto à abrangência das funções do ministro de finanças que também é vice-primeiro-ministro. O poder que acaba por concentrar não deixa de causar desequilíbrios com impacto até na relação com os colegas ministros como visivelmente ficou patente ao público no processo de preparação do orçamento de 2018 e actualmente se nota no que alguns críticos já chamam de subalternização do papel do primeiro-ministro. Num quadro desses dificilmente se mostra credível que as suas indicações para os vários conselhos de administração de entidades públicas e empresariais são efectivamente escrutinadas em sede de conselho de ministros. E como parece, acreditando no que foi dito no parlamento por todas as forças políticas, que ninguém quer um Conselho de Finanças Públicas, que no futuro venha a revelar-se uma farsa, então que se legisle em conformidade para lhe garantir competência técnica e independência efectivas.
Conselhos de finanças públicas foram criados em vários países da União Europeia a partir de 2012 e na sequência da crise do euro e da dívida soberana com o objectivo de monitorização independente das contas públicas. O figurino adoptado para a composição do seu órgão superior foi como aconteceu em Portugal o de fazer o conselho de ministros nomear personalidades indicadas em proposta conjunta pelo presidente do tribunal de contas e pelo governador do Banco central. Pela via de proposta conjunta de duas instituições com altas funções técnicas e uma cultura organizacional de independência procurava-se garantir que os indicados reunissem qualidade técnica e fossem independentes. Associando a isso, entre outros atributos, mandatos relativamente longos e não renováveis, autonomia administrativa e financeira e inamovibilidade dos seus membros assegurava-se que poderiam ser uns verdadeiros watchdogs fiscais. A experiência portuguesa neste aspecto foi rica porquanto não faltaram tensões entre o CFP e outras entidades públicas incomodadas com os seus pareceres, à medida que o país nos anos difíceis da Troika e nos anos seguintes procurava fazer uma gestão orçamental, e em particular do défice e da dívida, em conformidade com as exigências europeias.
A adopção por Cabo Verde de instituições com esse perfil tem razão de ser. Quer-se com isso granjear credibilidade na gestão da contas do Estado, transmitir confiança que as previsões orçamentais de diminuição do défice orçamental vão-se verificar e que se irá trabalhar para que a dívida pública, ainda a níveis demasiados elevados, seja sustentável. E porque atingir tais objectivos é essencial para o país ser atractivo para o investimento externo e assegurar um bom ambiente de negócios, não se pode ficar a meio de caminho na forma como são constituídos os órgãos e alimentar dúvidas futuras quanto à sua competência e independência. Também não é procurando inovar com exigências de 15 anos ou 10 anos de experiência para os cargos de presidentes e vogais do CFP, que mais parecem critérios administrativos de antiguidade, ou estabelecendo que os órgãos fiquem adstritos à Chefia do Governo que se vai garantir capacidade técnica e autonomia.
Em instituições similares no estrangeiro, designadamente em Portugal, por causa do elevado grau de tecnicidade exigido abre-se a possibilidade de nomear vogais do CFP que não sejam nacionais do país, uma ideia que podia revelar-se interessante em Cabo Verde ainda carente de quadros altamente qualificados em domínios chaves. Outrossim, porque quem é fiscalizado e avaliado é o governo que executa o orçamento, afirma-se a autonomia fazendo o CFP tomar posse perante o presidente do parlamento que é um órgão plural e fiscaliza o poder executivo. Um grande desafio de todos estes conselhos fiscais seja nas experiências mais antigas como na Holanda ou nos Estados Unidos e mais recentemente na Suécia, Reino Unido e Hungria é garantir a autonomia e sobreviver ao descontentamento e críticas que num momento ou outro provocam junto de quem governa. Independentemente de algum mal-estar que eventualmente podem provocar, o facto é que os CFP com as suas análises, estimativas e monotorização da execução orçamental, ao trazer dados acima de qualquer suspeita, podem dar um contributo enorme para um debate político mais saudável e útil sobre a situação económica e financeira do país.
A opção por ter um Conselho de Finanças Públicas não deve ser visto como mais uma dessas medidas cujo principal objectivo é passar a imagem do país como de “bom aluno” junto das organizações internacionais e da União Europeia, na perspectiva de conseguir mais ajuda. Fez-se e continua-se a fazer muito disso, descurando os resultados e possíveis benefícios das medidas adoptadas e fixando simplesmente nos efeitos imediatos dos fluxos externos. Seria bom que no acaso actual houvesse um comprometimento para se ter um órgão de escrutínio orçamental realmente independente. Para isso, seria fundamental que se alterasse o quadro de nomeação dos seus membros porque como popularmente se diz não basta à mulher de César ser séria, tem que parecer ser séria.
Nesse sentido não bastam as garantias do ministro de finanças quanto à indicação dos três membros do CFP, há que alicerçar a nomeação em bases institucionais sólidas. Um simples olhar pela actual estrutura do governo e pela actuação dos governantes não deixa dúvidas quanto à abrangência das funções do ministro de finanças que também é vice-primeiro-ministro. O poder que acaba por concentrar não deixa de causar desequilíbrios com impacto até na relação com os colegas ministros como visivelmente ficou patente ao público no processo de preparação do orçamento de 2018 e actualmente se nota no que alguns críticos já chamam de subalternização do papel do primeiro-ministro. Num quadro desses dificilmente se mostra credível que as suas indicações para os vários conselhos de administração de entidades públicas e empresariais são efectivamente escrutinadas em sede de conselho de ministros. E como parece, acreditando no que foi dito no parlamento por todas as forças políticas, que ninguém quer um Conselho de Finanças Públicas, que no futuro venha a revelar-se uma farsa, então que se legisle em conformidade para lhe garantir competência técnica e independência efectivas.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 938 de 20 de Novembro de 2019.
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