Depois de algum progresso
em que chegou a 119 em 2012, mas que se revelou passageiro, entrou numa
trajectória menos positiva que devia interpelar a todos. Aparentemente
as resistências à mudança existentes no aparelho do Estado e na
estrutura sócio-económica do país têm sido capazes de conter o impacto
das reformas mesmo quando vêm de governos ideologicamente diferentes e
com abordagens distintas. Caso para notar com inquietação o quanto o
confronto dos dois grandes partidos, pretendendo ser protagonistas num
jogo de soma nula em que o ganho de um é a perda do outro, tem-se
revelado afinal ser um jogo (lose-lose) no qual todos perdem.
Situações similares acontecem em outros países. Um exemplo recente é a Argentina que no domingo passado elegeu um novo governo em plena crise económica e na sequência de um plano de resgate do FMI de 57 bilhões de dólares. O problema é que esse governo é do mesmo partido que tinha lá estado há cinco anos atrás e deixara o país numa situação praticamente de falência. Desde o fim da segunda guerra mundial que os dois partidos têm-se substituído no poder sem conseguir resolver os problemas de desenvolvimento desse país tão promissor, considerando os extraordinários recursos que dispõe. Alternam-se em políticas mais assistencialistas ou mais promotoras de iniciativa individual, mas não se constroem bases seguras de desenvolvimento que permitiriam às populações aumentar significativamente os seus rendimentos e criar coesão social com menos desigualdade. Para além das pessoas que vêem as suas expectativas sistematicamente goradas, desgastam-se também as instituições que perdem credibilidade e efectividade. Muita da agitação que se vive actualmente em vários países da América Latina tem aí a sua origem.
Também em Cabo Verde poder-se-á estar a verificar a fragilização das instituições derivado do impasse que se constata nas reformas e consequente dificuldade das pessoas em descortinar os efeitos das medidas de política no seu quotidiano e nas suas expectativas de futuro. O fenómeno é agravado pela tentação de no jogo político se extrapolar as diferenças, exacerbar as críticas e não deixar espaço para uma análise mais ponderada de possíveis soluções e de como ultrapassar as dificuldades no processo de implementação. A falta de consenso mínimo num conjunto de questões essenciais cria a sensação de insegurança, incentiva a que se resolvam conflitos por vias outras e acaba por promover uma cultura de desenrascanço que valoriza o informal e desencoraja o civismo e o espírito de cooperação. Em tal ambiente reforçam-se as resistências que vão se opor a reformas, venham de onde vierem, deixando o país num círculo vicioso que depois de iniciado dificilmente se escapa como se pode constatar do caso referido da Argentina.
A realidade do mundo de hoje com as oportunidades abertas pela globalização, com acesso à informação como nunca antes se viu e a possibilidade de comunicação numa escala sem precedentes alterou significativamente as expectativas de virtualmente toda a gente. Lidar com a nova realidade não tem sido fácil tanto a nível individual como a nível colectivo. O choque das expectativas com a realidade muitas vezes acaba por desembocar em frustrações pessoais, em raivas contra as elites e em ressentimentos dirigidos a outros grupos identitários. O alvo primeiro da desconfiança e do cinismo no mundo de hoje é a democracia representativa em nome de mais democracia mas também é a verdade dos factos e a universalidade da ciência e do conhecimento. Muito mal fazem os políticos e os seus partidos sempre que na luta pelo poder exploram essa tendência actual de pessoas e grupos de descredibilizar as instituições da democracia, em particular o parlamento, põem em causa os direitos humanos, que são um ganho de civilização, por supostamente servirem aos “bandidos” e incentivam um relativismo que abre às portas à desinformação e à manipulação do sentimento das pessoas. Depois, como se pode constatar de vários casos, mesmo em democracias consolidadas, os políticos e a política acabam por ser vítimas de si próprias quando capitulando a democracia sob o impacto de forças anti-sistemas com ela vão todas as suas instituições, a começar pelos próprios partidos.
Um sinal que o sistema político em Cabo Verde já não está a gozar de boa saúde é o facto de que tudo, do mais insignificante ao mais importante e dramático, é motivo para batalhas campais entre forças políticas onde quase tudo vale. Choques entre os partidos acontecem por tudo e por nada, designadamente por causa da seca, de gafanhotos, lagartixas, planos de salvamento do gado, barragens, preço da água, estradas asfaltadas, vinda de aviões, chegada de barcos, assaltos, mortes, reivindicação salarial, crianças desaparecidas etc. A discussão nunca é serena ou substantiva. Todos procuram ganhar à custa do outro. Nenhuma desgraça é suficiente para se juntarem e desenvolver uma estratégia que poderia romper com resistências construídas e abrir finalmente um caminho para a prosperidade que não deixasse muitos de lado. Com a seca, que vai no terceiro ano consecutivo e revelou a vulnerabilidade da população rural, não aconteceu. Com a insegurança, que é especialmente sentida na Cidade da Praia mas também em outros pontos do país, também não aconteceu. Com as falhas que o sistema educativo dá provas todos os dias e todos fingem ignorar, não se conseguiu elevar o país para um patamar superior. O mesmo acontece com as insuficiências que o sector da saúde já vem demonstrando à medida que os custos aumentam consideravelmente.
Prefere-se com discursos inflamatórios ficar neste jogo de quebrar a confiança do eleitorado num e noutro partido para tirar proveito próprio e não perceber que, com isso a situação, de facto é de lose-lose em que todos saem a perder. Viu-se isso no debate de ontem no parlamento com o Primeiro-ministro em que a barreira entre as forças políticas, de facto, não foi quebrada nem mesmo quando um deputado citando o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, lembrou que assim como não há Terra 2, não há Cabo Verde 2. Fica deveras evidente que o país e as suas gentes mereciam melhor e que é dever de todos facultá-lo.
Situações similares acontecem em outros países. Um exemplo recente é a Argentina que no domingo passado elegeu um novo governo em plena crise económica e na sequência de um plano de resgate do FMI de 57 bilhões de dólares. O problema é que esse governo é do mesmo partido que tinha lá estado há cinco anos atrás e deixara o país numa situação praticamente de falência. Desde o fim da segunda guerra mundial que os dois partidos têm-se substituído no poder sem conseguir resolver os problemas de desenvolvimento desse país tão promissor, considerando os extraordinários recursos que dispõe. Alternam-se em políticas mais assistencialistas ou mais promotoras de iniciativa individual, mas não se constroem bases seguras de desenvolvimento que permitiriam às populações aumentar significativamente os seus rendimentos e criar coesão social com menos desigualdade. Para além das pessoas que vêem as suas expectativas sistematicamente goradas, desgastam-se também as instituições que perdem credibilidade e efectividade. Muita da agitação que se vive actualmente em vários países da América Latina tem aí a sua origem.
Também em Cabo Verde poder-se-á estar a verificar a fragilização das instituições derivado do impasse que se constata nas reformas e consequente dificuldade das pessoas em descortinar os efeitos das medidas de política no seu quotidiano e nas suas expectativas de futuro. O fenómeno é agravado pela tentação de no jogo político se extrapolar as diferenças, exacerbar as críticas e não deixar espaço para uma análise mais ponderada de possíveis soluções e de como ultrapassar as dificuldades no processo de implementação. A falta de consenso mínimo num conjunto de questões essenciais cria a sensação de insegurança, incentiva a que se resolvam conflitos por vias outras e acaba por promover uma cultura de desenrascanço que valoriza o informal e desencoraja o civismo e o espírito de cooperação. Em tal ambiente reforçam-se as resistências que vão se opor a reformas, venham de onde vierem, deixando o país num círculo vicioso que depois de iniciado dificilmente se escapa como se pode constatar do caso referido da Argentina.
A realidade do mundo de hoje com as oportunidades abertas pela globalização, com acesso à informação como nunca antes se viu e a possibilidade de comunicação numa escala sem precedentes alterou significativamente as expectativas de virtualmente toda a gente. Lidar com a nova realidade não tem sido fácil tanto a nível individual como a nível colectivo. O choque das expectativas com a realidade muitas vezes acaba por desembocar em frustrações pessoais, em raivas contra as elites e em ressentimentos dirigidos a outros grupos identitários. O alvo primeiro da desconfiança e do cinismo no mundo de hoje é a democracia representativa em nome de mais democracia mas também é a verdade dos factos e a universalidade da ciência e do conhecimento. Muito mal fazem os políticos e os seus partidos sempre que na luta pelo poder exploram essa tendência actual de pessoas e grupos de descredibilizar as instituições da democracia, em particular o parlamento, põem em causa os direitos humanos, que são um ganho de civilização, por supostamente servirem aos “bandidos” e incentivam um relativismo que abre às portas à desinformação e à manipulação do sentimento das pessoas. Depois, como se pode constatar de vários casos, mesmo em democracias consolidadas, os políticos e a política acabam por ser vítimas de si próprias quando capitulando a democracia sob o impacto de forças anti-sistemas com ela vão todas as suas instituições, a começar pelos próprios partidos.
Um sinal que o sistema político em Cabo Verde já não está a gozar de boa saúde é o facto de que tudo, do mais insignificante ao mais importante e dramático, é motivo para batalhas campais entre forças políticas onde quase tudo vale. Choques entre os partidos acontecem por tudo e por nada, designadamente por causa da seca, de gafanhotos, lagartixas, planos de salvamento do gado, barragens, preço da água, estradas asfaltadas, vinda de aviões, chegada de barcos, assaltos, mortes, reivindicação salarial, crianças desaparecidas etc. A discussão nunca é serena ou substantiva. Todos procuram ganhar à custa do outro. Nenhuma desgraça é suficiente para se juntarem e desenvolver uma estratégia que poderia romper com resistências construídas e abrir finalmente um caminho para a prosperidade que não deixasse muitos de lado. Com a seca, que vai no terceiro ano consecutivo e revelou a vulnerabilidade da população rural, não aconteceu. Com a insegurança, que é especialmente sentida na Cidade da Praia mas também em outros pontos do país, também não aconteceu. Com as falhas que o sistema educativo dá provas todos os dias e todos fingem ignorar, não se conseguiu elevar o país para um patamar superior. O mesmo acontece com as insuficiências que o sector da saúde já vem demonstrando à medida que os custos aumentam consideravelmente.
Prefere-se com discursos inflamatórios ficar neste jogo de quebrar a confiança do eleitorado num e noutro partido para tirar proveito próprio e não perceber que, com isso a situação, de facto é de lose-lose em que todos saem a perder. Viu-se isso no debate de ontem no parlamento com o Primeiro-ministro em que a barreira entre as forças políticas, de facto, não foi quebrada nem mesmo quando um deputado citando o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, lembrou que assim como não há Terra 2, não há Cabo Verde 2. Fica deveras evidente que o país e as suas gentes mereciam melhor e que é dever de todos facultá-lo.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 935 de 30 de Outubro de 2019.
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