As perspectivas para Cabo Verde no futuro próximo não
são boas. Do que se vem ouvindo do VPM e Ministro de Finanças em
múltiplas declarações públicas e do que várias vezes tem sido realçado
ao longo da semana nos webinars organizados no quadro do chamado
exercício “Cabo Verde Ambição 2030” não ficam muitas dúvidas quanto às
consequências negativas da pandemia da covid-19 sobre o país.
O
impacto esperado mas já sentido em vários sectores virá directamente
via redução brusca da actividade económica nacional em virtude das
medidas de distanciamento social e de confinamento e da decisão em
fechar as fronteiras indirectamente a partir da redução das exportações
de bens e serviços, dos fluxos turísticos, das actividades de aviação e
globalmente da contraccão no comércio internacional.Prevê-se que o PIB diminua este ano entre os 6,8 e os 8,5%. Espera-se uma quebra brusca nas receitas dos impostos e nas receitas geradas pelo turismo que passam de 43 milhões de contos para 15 milhões. Supõe-se que irão desaparecer 20 mil empregos e que a dívida pública poderá já no próximo ano elevar-se para valores quase insustentáveis de mais de 150% do PIB. Entretanto, com a quase paralisação da economia aumentou o desemprego, diminuíram os rendimentos e milhares de pessoas viram-se forçadas a regressar às suas ilhas de origem para se ampararem junto das famílias neste momento de dificuldades. A reacção do Estado e do governo direccionada tanto para assegurar algum rendimento às pessoas e às famílias como para garantir a sobrevivência de alguma capacidade empresarial no país conseguiu em parte amortecer o choque, mas não é sustentável a prazo. A ajuda externa não é infinita e há limite no uso que se pode fazer dos recursos do INPS.
A esta simples verdade deve-se acrescentar que a saída do imbróglio só pode ser equacionada a partir da retoma da actividade económica. Agir nesse sentido não pode depender da disponibilização de uma vacina, que, na melhor das hipóteses, só acontecerá no próximo ano. Nem tão pouco deve-se esperar que a confiança entre as pessoas, actualmente afectada por constrangimentos e restrições diversas impostos pela pandemia, por si só se restaure ao nível anterior. Há que ser proactivo e contribuir com medidas estratégicas e encadeadas para que isso aconteça e esperar que na sequência se verifique a almejada circulação de pessoas, bens e capitais, crucial para a criação da riqueza das nações. Para isso uma outra atitude ter-se-á que exigir do Estado, da sociedade, das pessoas e das empresas.
Para começar, dever-se-á abandonar o ilusionismo que acompanha a prática política em Cabo Verde. A realidade pura e dura do país deverá ser encarada sem lirismos e sentimentalismos e com mais honestidade para que os passos que terão que ser dados para diminuir a vulnerabilidade e a precariedade sejam seguros e sustentáveis. A tentação de virar para dentro e construir soluções para o futuro a partir dos parcos recursos do país e do seu mercado exíguo e fragmentado deve ser posta de lado definitivamente agora que a acção do coronavírus veio demonstrar que a insistência nessa atitude perpetua vulnerabilidades e condena muitos a uma precariedade facilmente exposta por qualquer choque externo. Os hábitos adquiridos em conjugação com a adopção do modelo de desenvolvimento baseado na reciclagem da ajuda externa devem ser identificados e combatidos de forma a se romper com o modelo e construir o futuro numa outra base. No mesmo sentido deve-se fazer melhor uso dos fluxos externos para que, com ganhos de eficiência e eficácia na utilização dos meios disponibilizados, finalmente se poder libertar da dependência da generosidade dos outros.
O VPM e ministro das Finanças, Olavo Correia, na entrevista de domingo à televisão pública foi muito claro a dizer que, para o país avançar, a atitude das pessoas e das instituições tem que mudar. Na sua opinião não deverá haver xenofobia em relação ao investimento e aos investidores externos. Chamou a atenção para a impossibilidade de economias de escala num país com uma pequena população e mercado fragmentado. Propôs fazer de Cabo Verde um país-plataforma para poder posicionar-se como um exportador de bens e serviços e estar em condições de suportar um crescimento robusto da economia e criação de empregos de qualidade no horizonte de 2030. Ficou-se porém por saber, talvez porque não questionado nesse aspecto, o quão distante ainda o país e as suas gentes estão de ter as competências necessárias para isso e o que nos últimos quatro anos foi feito para se preencher essa disparidade entre o real e o ideal. Também seria de maior importância que se soubesse qual o grau de dificuldade de mudar realmente a atitude das pessoas e das instituições e o que se teria que fazer para a materializar.
Claramente que não é fácil. Mudar a atitude, trocar o chip e fazer diferente têm sido slogans dos sucessivos governos sem que nada de essencial se tenha verificado. Nem com a pandemia se consegue descortinar mudanças significativas na atitude das autoridades, das instituições e das pessoas. Mesmo face à covid-19 nota-se que ainda se toma governar por fazer política espectáculo a partir de anúncios, visitas, inaugurações e seminários. Também viu-se os costumeiros sinais de autismo nas instituições na gestão da resposta à pandemia omitindo-se nalguns casos e adiando para demasiado tempo decisões sobre testes, criação de equipas de rastreio epidemiológico e instalação de mais laboratórios apesar de repetidos apelos. Na população há sinais que parecem configurar uma espécie de dissonância cognitiva que nem a realidade de um vírus altamente contagioso consegue romper, como se viu da peça emitida pela televisão com jovens na praia de Santa Maria na Ilha do Sal . A partir do diálogo surreal com o repórter compreende-se por que se mostra tão difícil quebrar as cadeias de contágio. Com a maior desfaçatez negam a existência da doença ou negligenciam os seus sintomas sem consideração alguma para o facto que para haver retoma da economia na ilha tem que se acabar primeiro com a transmissão comunitária da doença.
Infelizmente o desencontro entre o discurso, a narrativa e a realidade não é apanágio só de alguns. A prática do ilusionismo na política por demasiado tempo deixou marcas que para serem ultrapassadas vão exigir doses maciças de realismo, uma maior aderência aos factos e um renovado amor pela ciência. Neste momento de crise sanitária, mas que já se percebe que será económica, social e até humana seria de importância fundamental que a honestidade e a verdade se sobrepusessem a qualquer tentação de se continuar a iludir a realidade dos problemas que o país tem a enfrentar. Cabo Verde tem que poder retomar o turismo e as exportações fazendo os ajustes necessários e planeando para o futuro no sentido de maior resiliência desses sectores. Se como diz o VPM o plano de negócios da CVA já não é aplicável há que encontrar uma solução e não permitir que a companhia aérea continue a ser um sugador sem fim de recursos públicos.
Nada porém será feito se não se controlar a epidemia no país e baixar os casos de transmissão para os níveis exigidos pela Europa. A economia cabo-verdiana funciona fundamentalmente com a União Europeia e falha-se gravemente quando não há conformidade com as normas estabelecidas. Sem ilusionismos, dissonâncias cognitivas e outras fugas da realidade deve-se encarar as dificuldades do país e proceder à mudança de atitude que todos parecem reconhecer como essencial para se ter o envolvimento de toda a sociedade no esforço de desenvolvimento do país. Há que se demonstrar a todo o tempo que governar não é mandar, mas sim pensar estrategicamente, servir e responsabilizar-se pelos resultados obtidos.
Humberto Cardoso
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