Daron Acemoglu no seu famoso livro “Por que falham as Nações” procurou provar a importância das instituições na riqueza das nações. Quando são extractivas não incentivam as pessoas a conseguir mais educação e formação, a poupar e a investir, a inovar e adoptar novas tecnologias. Perpetuam o subdesenvolvimento acompanhado de grandes desigualdades sociais. Quando, pelo contrário, são inclusivas propiciam a criação de riqueza e tornam real a possibilidade de prosperidade geral.
De acordo com o mesmo autor, se por um lado são as instituições económicas que determinam se um país se torna rico ou fica pobre, por outro lado, é a política e as instituições políticas que determinam que tipo de instituições económicas tem realmente o país. A realidade histórica confirma que as democracias e as instituições económicas inclusivas permitem criação sustentável de riquezas durante décadas seguidas. Já nos estados autocráticos com instituições extractivas pode haver crescimento, mas não com sustentabilidade.
Só democracia, porém, não chega. Para ter sucesso há que cuidar da qualidade das instituições. Nesse sentido, é fundamental o processo político, ou seja, a forma como se faz política e o grau de engajamento dos actores políticos em contribuir para que as instituições funcionem em pleno. Tem que haver garantia que os direitos de todos são respeitados, que a lei democraticamente produzida é cumprida e os conflitos dirimidos de forma justa e eficaz. Caso contrário, instala-se um mal-estar que pode levar à desesperança e às suas consequências no enfraquecimento do tecido social, na criminalidade e em criar urgência para emigrar.
A crise das democracias nos últimos tempos tem sido acompanhada de crescente crispação e polarização política dando voz ao populismo extremo, aumentando o cinismo em relação à política e aos políticos e descredibilizando as instituições. Se na Europa e nos Estados Unidos mudanças geopolíticas, sinais de desglobalização e os efeitos da policrise actual forçaram uma espécie de refocagem no sentido de defesa da democracia e da ordem liberal, em outras partes do globo, designadamente na África, a situação tende a piorar. Aumenta a pressão migratória face ao que configura ser a incapacidade dos regimes políticos de criar emprego e garantir um futuro aos seus cidadãos. Nos últimos tempos o ressurgimento de golpes militares em vários países do continente deixa entrever algum desencanto com a democracia.
Em Cabo Verde, sente-se a apreensão de muitos em relação ao futuro. É palpável a pressão para emigrar e os efeitos de saída de mão-de-obra qualificada já se notam em vários sectores de actividade. Combater o mal-estar é urgente e passa fundamentalmente pela melhoria do processo político. Como assinalou Acemoglu, a diminuição da crispação e um maior engajamento da classe política no reforço das instituições são essenciais para ter instituições inclusivas capazes de promover a criação de riqueza.
Infelizmente, o que mais se vem assistindo sob a capa do jogo político-partidário é a erosão das instituições. O ano político anterior foi profícuo nesse sentido. Durante meses seguidos o foco esteve sobre os tribunais judiciais. Das abordagens feitas não ficava claro se a intenção era a realização da justiça ou se era a descredibilização do sistema. Culminaram nas tentativas de pôr em causa o Tribunal Constitucional chegando ao ponto de peticionar o presidente da república para convocar uma sessão extraordinária da Assembleia Nacional. Ainda bem que o PR indeferiu a petição dizendo que não se pode convocar o parlamento para apreciar um acórdão do tribunal constitucional e seus eventuais efeitos.
Depois vieram as irregularidades na gestão dos fundos do ambiente e do turismo. Mas a preocupação em obter ganhos tácticos na disputa político-partidária fazia dos exercícios de fiscalização política simples oportunidades para arremesso político. Não se notava grande vontade de esclarecer factos e tomar medidas para não acontecerem situações similares. Aparentemente alguma cumplicidade transversal aos partidos impede que se ponha em causa o ambiente de campanha permanente que caracteriza a política cabo-verdiana. Não é à toa que o palco para esse tipo de jogo é o plenário da Assembleia Nacional e não as comissões especializadas, onde se podia ir ao âmago das questões e responsabilizar quem de direito.
Seguiram-se questionamentos do Tribunal de Contas num tom partidário que não deixaram de parte os processos e procedimentos como são julgadas as contas do Estado e a forma como os juízes são nomeados. Tudo parece ser válido como pedra de arremesso mesmo quando se tem o poder de iniciativa legislativa para fazer mudanças e melhorias nas instituições, sem que, no entrementes, sejam descredibilizadas. Agora parece que é o Instituto Nacional de Estatísticas. Pouco antes foram as autoridades administrativas independentes que estavam na berlinda. Amanhã será o que melhor for conveniente na jogada política do momento. O que parece escassear é a preocupação com o funcionamento e a integridade do sistema democrático no seu todo e com a necessidade de haver confiança dos cidadãos para se garantir a sua sustentabilidade.
Ao indeferir a petição, o PR relembrou o princípio de separação dos poderes e deixou claro que o poder judicial está cometido exclusivamente aos tribunais. De facto, para que haja respeito pelo princípio da separação dos poderes importa que todos os órgãos de soberania cumpram plenamente com as suas competências: nem mais, nem menos. O governo como órgão executivo e detentor dos meios do Estado para dirigir a política interna e externa do país deve ser alvo por excelência da atenção fiscalizadora de todos, em particular do parlamento, dos partidos e da sociedade, com vista a se manter estritamente dentro das suas competências. Não deve colocar-se na posição de minimizar e desvalorizar o papel do parlamento e da oposição e muito menos de interferir com a independência dos tribunais. A garantia do exercício pleno da cidadania depende disso, assim como o direito da busca da felicidade.
A confiança dos cidadãos, dos agentes económicos e da sociedade em geral não se baseia apenas, na expressão do constitucionalista Vital Moreira, no exercício correcto da função política do poder executivo do governo. Depende também do exercício da sua função administrativa no quadro do qual imperam os princípios de isenção, imparcialidade e igualdade de tratamento de todos os utentes. Quaisquer sinais de partidarização ou de interferência política em entidades administrativas estatutariamente autónomas ou independentes podem minar a confiança na existência de um terreno nivelado para todas as iniciativas dos indivíduos, de justa concorrência para os operadores e de abertura para inovações e recompensa do mérito demonstrado. No mesmo sentido vai a complacência com situações que podem configurar conflitos de interesses ou levantar suspeições de tráfico de influência.
Muitos dos confrontos, que depois se transformam em meros exercícios de arremesso político e acabam por desgastar as instituições, podiam ser evitados, se houvesse da parte do governo a preocupação por cumprir, estritamente nos termos da lei, com a sua função administrativa. A postura do governo e dos governantes nas relações com entidades autónomas e independentes e outros órgãos de soberania deviam traduzir essa preocupação. Com isso, certamente que várias fontes de crispação poderiam desvanecer e mais confiança nas instituições e no futuro do país teriam os cidadãos. Vamos esperar para ver o próximo ano político.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1136 de 6 de Setembro de 2023.
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