O prémio Nobel da Economia foi ganho este ano por um trio de economistas Daron Acemoglu, Simon Johnson e James Robinson que se distinguiram pela ideia de que “o sucesso de uma sociedade não é determinado pelos seus recursos naturais, mas sim principalmente pela qualidade das suas instituições”. O livro “Porque falham as Nações” de Acemoglu e Robinson publicado em 2012 difundiu pelo mundo inteiro a importância de um país ter instituições inclusivas em vez de instituições extractivas para criar riqueza, travar a luta contra a desigualdade e garantir um ambiente propício à inovação, essencial para uma prosperidade continuada. Bem claro também ficou no livro a centralidade da democracia na criação e sustentabilidade dessas instituições.
O prémio a esses autores veio em boa hora. Nota-se actualmente nas democracias uma tendência para se normalizar os ataques às instituições num quadro de crescente polarização política. O extremismo de posições tem levado a uma espécie de tribalização da sociedade que interfere com o reconhecimento e aceitação das instituições, diminuindo a sua eficácia e deixando-as expostas a ataques. Isto está a acontecer nas democracias mais maduras e nas mais recentes. Se nos países mais prósperos uma economia mais sólida e uma sociedade civil mais consolidada emprestam resiliência às instituições face a esses ataques, já nos países mais frágeis é mais complicado. A persistência em certos sectores de instituições extractivas do tipo rentista conjuntamente com esquemas de reprodução da dependência das pessoas face ao Estado alimenta a corrupção e promove a má governação abrindo o caminho a populismos demagógicos que vão enfraquecer ainda mais as instituições.
Em Cabo Verde, os efeitos do desgaste das instituições já se fazem sentir. As crises sucessivas culminando na pandemia da Covid-19 quebraram o ímpeto de algum crescimento que se vinha verificando nos últimos anos da década passada. A recuperação pós-pandémica mostrou as vulnerabilidades do país, designadamente a sua dependência do turismo e também os seus limites quando as projecções de crescimento económico para os próximos anos continuam aquém dos 7%. Tudo isso acaba por ter impacto nas expectativas quanto ao futuro, não obstante a promessa do VPM e Ministro de Finanças em duplicar o potencial de crescimento da economia dos actuais 5% para dois dígitos, e por fomentar ainda mais a polarização social e política, reflectindo-se nas instituições.
Não é de estranhar que nestas circunstâncias o papel do Estado se agigante para colmatar insuficiências de investimento e emprego em vários sectores e para estender a protecção social aos mais vulneráveis. O Orçamento de Estado (OE) para 2025 já ascende a 98 mil milhões de escudos, quase one billion dollars, e prevê, nas palavras do VPM, o maior Estado social de sempre. A crescente proeminência do Estado torna ainda mais renhida e feroz a luta pelo seu controlo. A proximidade de um novo ciclo de eleições imprime a essa luta uma outra urgência que acaba por resultar na tentação de atacar a integridade de certas instituições para atingir o governo e o partido que o sustenta. É o que se passa actualmente e de forma mais pronunciada com os ataques ao Tribunal de Contas.
Já não bastam os ataques populistas dirigidos às instituições, agora nota-se que são os próprios actores políticos e titulares de cargos públicos que procuram diminuir e até deslegitimar os órgãos públicos. Não se faz suficiente uso dos mecanismos institucionais de fiscalização como são nomeadamente as comissões especializadas e as audições no parlamento e prefere-se ficar pelo espectáculo das denúncias públicas, ora procurando judicializar a política, ora politizando a justiça. Se envolver as câmaras municipais nas lutas político-partidárias pelo controlo da máquina pública era uma prática estabelecida, a novidade é o conflito aberto entre órgãos de soberania com acusações de deslealdade institucional, colagem do maior partido da oposição ao presidente da república e tentativas de deslegitimação dos actos dos tribunais.
Num país com as fragilidades de Cabo Verde não é de deixar arrastar por muito tempo o desgaste das instituições. Como diz Acemoglu a “boa governação é crucial para construir confiança entre os cidadãos e o Estado e para criar um ambiente favorável ao desenvolvimento económico”. Acrescenta ainda que incentivos para conseguir uma educação, para poupar, para pagar impostos, para investir e inovar dependem muito da confiança que se tem nas instituições. Daí o combate à corrupção, a preocupação com a gestão transparente e escrupulosa dos recursos públicos, o foco na qualidade das despesas públicas, o dimensionamento adequado das estruturas estatais e a sobriedade e o rigor, evitando exibicionismo e extravagância, que devem caracterizar a postura dos governantes.
Também essencial para essa confiança dos cidadãos e contribuintes é que os mecanismos de (checks and balances) pesos e contrapesos institucionais funcionem em pleno. Quando se tem orçamento do estado a crescer 14% de um ano para outro e que está a ser financiado em mais de 60% pelos impostos é de maior importância que se vejam todos os sinais que a fiscalização política do parlamento está a ser efectiva com menos preocupação com os holofotes no plenário e mais trabalho nas comissões especializadas. Da mesma forma, faz todo o sentido que uma instituição como o Conselho das Finanças Públicas (CFP), através de uma apreciação autónoma e independente acerca da coerência, execução e sustentabilidade da política orçamental, exerça a sua “competência de avaliar os cenários macroeconómicos adotados pelo Governo e a consistência das previsões orçamentais com estes cenários”.
Tudo se complica quando, o CFP, no seu parecer sobre o OE 2025, deixa saber que, apesar dos esforços, não foram realizadas reuniões técnicas entre o CFP e o MFFE (ministério das finanças e fomento empresarial) visando esclarecer as dúvidas relativamente às metodologias e pressupostos utilizados na elaboração das previsões apresentadas. De facto, particularmente em momentos difíceis não se pode deixar dúvidas quanto ao grau de colaboração institucional existente e ao rigor no cumprimento dos procedimentos. É preciso dar confiança aos cidadãos que as instituições do país em nenhum nível são extractivas, ou seja, nas palavras de Acemoglu, projetadas para extrair rendas e riquezas de um subconjunto da sociedade para beneficiar outro subconjunto. Impõe-se que que se ponha um travão ao desgaste das instituições e se faça um esforço para as reforçar para serem os baluartes da democracia e do desenvolvimento do país.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1194 de 16 de Outubro de 2024.
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