Nº 540 • 4 de Abril de 2012
Editorial:
Os resultados das últimas sondagens do
Afrobarómetro são no mínimo desconcertantes. A ideia que transmitem de Cabo
Verde e da percepção dos caboverdianos quanto aos problemas e desafios da
actualidade, quanto ao funcionamento das instituições do país e quanto à
economia nacional está cheia de incongruências. Chama logo atenção o optimismo
do cabo-verdiano neste momento preciso de crise internacional em que cenários
sombrios pairam sobre todos e quando se sabe que os seus efeitos sobre as
perspectivas de crescimento das economias mais avançadas e sobre a economia
global vão perdurar por vários anos. Isso porém parece não perturbar os
caboverdianos a curto e médio prazo. Continuam a pensar que, mesmo findos os
tempos de largueza da ajuda pública e dos empréstimos concessionais com a
graduação a país de rendimento médio, de algum sítio virão fluxos externos para
manter os equilíbrios macro-económicos do país. As sondagens num ponto dizem
que 52 % da população concorda com a direcção global da economia. Num outro
ponto trazem dados que aparentemente contradizem a conclusão anterior. Revelam
que o governo tem 69 % de avaliação negativa na criação de empregos, 67% de
avaliação negativa na manutenção da estabilidade de preços, 65% na redução das
desigualdades sociais, 65% no fornecimento dos serviços de electricidade e 55%
na redução da criminalidade. A disparidade dos dados apresentados deixa sérias
dúvidas sobre qual é a real percepção e o sentimento das pessoas. A contradição
nos dados volta a manifestar-se na apreciação da democracia. Por um lado, uma
maioria de mais de 80% põe Cabo Verde na condição de “uma democracia com
pequenos problemas”. A realidade, porém, que de seguida se mostra confunde
tudo: 61% dos caboverdianos “afirmam que as pessoas têm de ter cuidado com o
que dizem sobre a política”, 54 por cento “exige que os partidos da oposição
cooperem com o governo e ajude a desenvolver o país”, 56% não participa em
nenhuma associação ou desenvolve actividade cívica e 82 por cento “defende o
patrulhamento das ruas por militares”. O desnorte manifesto nesses dados
contraditórios poderá estar a revelar os efeitos da propaganda nociva ao
florescimento de uma cultura democrática. Sente-se a presença de uma cultura
política intimidatória que põe os cidadãos num “estado de auto censura”
condicionando a livre expressão do pensamento. Há evidente dificuldade em
compreender o papel de uma oposição efectiva quando a exigência é de que as
minorias colaborem com o partido no governo. A participação cívica continua
baixa, deixando antever muito pouco capital social e justificando a falta de
confiança que leva 27% dos inquiridos a optar pela total passividade. Continua
presente a tentação de funcionar fora do Estado de direito quando demasiadas
pessoas (82%) propõem o recurso às Forças Armadas para manter a ordem pública.
Na economia, a desfocagem também se manifesta. A apreciação que se faz do
governo reflecte muito do que a propaganda oficial tem incidido, com particular
destaque nas infraestruturas. Parece não ser afectada pela elevada taxa de
desemprego, pelas deficiências no fornecimento de água e energia, pela erosão
contínua do poder de compra e pela crescente insegurança. Mesmo quando o
governo muda sete vezes de ministro de Economia em onze anos, persiste a
percepção de que o caminho seguido é o melhor. O mundo encontra-se hoje numa
encruzilhada. Tem que lidar com questões incontornáveis como a crise
financeira, a globalização, a alta de preços do petróleo e o surgimento dos
BRICs. Cabo Verde encontra-se também numa encruzilhada. É forçado a assumir em
pleno os efeitos da graduação para país de rendimento médio sem ter construído
uma base económica diversificada e sem realizar as reformas com vista à
competitividade. Os resultados das sondagens deixam transparecer que os caboverdianos
parecem estar “blindados” a tudo isso. É o que acontece quando a propaganda é
parte essencial da governação. Sofre-se com a perda de confiança entre
governantes e governados e ninguém se prepara para enfrentar os desafios reais.