Nº 575 • 05 de Dezembro de 2012
Editorial:
Ponto de viragem
Finalmente por
todos é sentido que o momento é de viragem. O Primeiro-ministro confessa que
ainda não se chegou ao Cabo das Tormentas, o embaixador da União Europeia
prontifica-se a ajudar Cabo Verde a ser menos dependente da ajuda externa e o
FMI, prevendo crescimento a 4.1% em 2013, aconselha que se invista mais no
capital humano e no ambiente de negócios. Os operadores económicos confrontados
com o OGE 2013 e a baixa prioridade dada ao desenvolvimento do sector privado e
da economia nacional reagem desiludidos às medidas nele consignadas. Os dois
partidos do arco do poder, O MpD e o PAICV, desencadeiam o processo de
renovação e substituição das respectivas lideranças numa perspectiva de
adequação futura aos desafios crescentes da actualidade nacional e internacional.
A necessidade de viragem ficou clara com as dificuldades surgidas
com a quebra dos donativos e abrandamentos das remessas de emigrantes que
revelaram os limites de modelo de desenvolvimento suportado no trinómio, Consumo
– Ajuda – Importações. Não se criou a base económica dinâmica e
diversificada que poderia gerar rendimentos às famílias e receitas ao Estado
suficientes para, progressivamente, substituir os fluxos vindos do exterior. A
agenda de transformação propalada pelo governo há mais de dez anos até agora
mostrou-se insuficiente para alterar o modelo de dependência. A realidade
actual é a da persistência de elevado nível de desemprego acompanhado de
crescente centralização do país e de perda de dinâmica das ilhas. Os rendimentos,
o emprego e as expectativas das pessoas dependem cada vez mais dos caprichos e
desígnios de quem está à frente do Estado e de outras entidades públicas.
Cabo Verde não devia estar nesta situação. A gigantesca movimentação
popular que pôs fim ao regime de partido único a 13 de Janeiro de 1991 tinha
como objectivo a liberdade, a democracia e o soltar das energias
socioeconómicas do país. Construiu-se o edifício político-institucional para
isso, a começar pela Constituição da República, e reformas económicas
profundas foram introduzidas com a liberalização económica, as privatizações,
os incentivos à iniciativa privada, a atracção de investimentos e a promoção de
exportações de bens e serviços. Pretendia-se então pôr de lado o modelo de
dependência do exterior a favor de outro modelo suportado na Produção –
Inovação – Exportações.
O regresso do PAICV ao poder em 2001 não deu a esperada
continuidade às reformas que deveriam manter viva a promessa de
sustentabilidade futura do país. Extraiu as piores lições da derrapagem de
2000. Em vez de acautelar o país em relação a choques externos com a
dinamização de vários sectores económicos, deixou que a economia se afunilasse
num turismo vulnerável à actuação de muito poucos operadores enquanto dormia à
“sombra da bananeira” dos donativos. Paralelamente, permitiu que a situação
financeira de empresas do sector público como a Electra, os TACV e agora a
Enapor se degradasse, ameaçando fragilizar outras como a ASA, a Enacol e o
INPS, com o peso das dívidas por pagar.
Com o endividamento externo dos últimos três anos adiaram-se os
efeitos da diminuição dos donativos. Mas não se aproveitou a almofada criada
para melhorar a competitividade do país e o ambiente de negócios e atrair
investimento directo estrangeiro que substituísse a ajuda externa. Entretanto,
ganharam-se eleições que garantiram o prosseguimento das políticas de sempre.
Mas, segundo o FMI, do investimento público realizados com crédito externo
ainda não se conhece a eficiência, a taxa de retorno das infra-estruturas nem
outros parâmetros para se avaliar de forma fundamentada a sustentabilidade da
dívida criada.
Neste ponto de viragem, o anúncio das saídas de liderança partidária
do dr. Carlos Veiga, o homem das grandes reformas políticas e económicas, e do
actual chefe do governo, dr. José Maria Neves, poderá ter o efeito catalisador
sobre os dois grandes partidos do arco do poder na procura de soluções de
governação que façam o país ir além da reciclagem da ajuda externa. Para que
isso aconteça é essencial que o debate político se vire para o futuro, deixe
querelas primordiais e veja no Cabo Verde da democracia constitucional o esteio
onde o país presente se revê e se situa e onde propostas alternativas de
governação se contrapõem, se enriquecem e se experimentam.