Expresso das ilhas, edição 651 de 21 de Maio de 2014
Editorial
Participantes e observadores saíram do II Fórum de Transformação com a
impressão nítida de que Cabo Verde tem perdido extraordinárias oportunidades
nas suas tentativas de dar o salto para o desenvolvimento. A intervenção de
Carlos Lopes contribuiu grandemente par isso. Apontou exemplos concretos em que
a inércia, a insensibilidade e falta de visão se conjugaram para não se fazer o
que no momento se impunha. Uma das razões para o entusiasmo com que a sua
intervenção foi recebida adveio provavelmente do facto de ter trazido à luz do
dia dúvidas que muitos, no dia-a-dia do país e das suas funções no Estado e à
volta do Estado, preferem guardar para si próprios.
Já o Primeiro Ministro no seu discurso de fecho do Fórum procurou
caracterizar essa intervenção como “pedrada no charco”. Uma caracterização que
nessa mesma noite levou para a televisão pública onde se fez entrevistar num
esforço de dissipar as ondas de dúvidas eventualmente causadas. A preocupação
em responder de imediato demonstra como realmente está por um fio a realidade
virtual construída pela propaganda e marketing político. Na realidade vivida de
crescimento anémico e de falta de expectativas quanto a alterações
significativas a médio prazo, os efeitos das transformações de que tanto o
governo se gaba de ter feito não são muito perceptíveis. Já as consequências de
omissões, de não movimentação estratégica e da obsessão de controlo são perfeitamente
visíveis, em particular nas oportunidades perdidas.
Há um padrão nas atitudes do governo que se repete sempre que
confrontado com dados que não corroboram com a realidade ficcionada que
procuram projectar. No dia anterior a ministra das Finanças tinha desvalorizado
as chamadas de atenção da GAO para com a baixa taxa de crescimento, o
desemprego alto e a dívida pública pesada. Repetiu o que fizera noutros
momentos com os dados e projecções de outras entidades sejam elas o BCV, o FMI,
a Economist Intelligence Unit ou a agência de rating Fitch que manifestavam
reservas quanto às perspectivas futuras do país no ambiento actual de riscos
macroeconómicos crescentes. Nada parece perturbar o governo, nem mesmo índices
que em qualquer país obrigariam o governo a explicar-se perante a opinião
pública, a mudar de rumo e a prometer adoptar outros métodos.
Como se pode facilmente constatar, a aposta nos vários clusters não se
tem concretizado em qualquer dinâmica digna de monta. Empresas públicas ciosas
dos seus interesses continuam no centro desses anunciados clusters. O
artificialismo que os caracteriza, concebidos de cima para baixo, não deixa
espaço para a iniciativa privada que os deveria estimular. Não têm a vida que
emerge quando empresas em resposta a solicitações do mercado interagem entre si
nos espaços privilegiados pelo acesso fácil a infraestruturas adequadas, pela
presença de universidades e centros de pesquisa e pela existência de
mão-de-obra especialmente qualificada. A resposta ao fracasso ou inoperância
dos anunciados clusters – cluster do mar, aeronegócios, praça financeira e
TICs - tem sido a criação de mais clusters. Se de início falava-se em quatro
hoje com o turismo, o agronegócio, as energias renováveis e a economia criativa
já se vai a oito. Não se vêem, porém, os efeitos na economia real, em
particular na criação de empregos e nas exportações.
A sistemática incapacidade em aproveitar oportunidades surgidas
convida a que se reflicta sobre o seguinte: será que com o Estado altamente
centralizado, a administração pública partidarizada, a hostilidade
institucional ao sector privado e os investimentos públicos em infraestruturas
e no capital humano seguindo lógicas que privilegiam ganhos eleitorais não se
estará a criar efeitos de um “anticluster”? Não se estará a produzir um
ambiente em que, em vez de as pessoas e empresas se organizarem e se
associarem nos mais diferentes níveis para conquistar mercados para os seus
bens e serviços, pelo contrário, está-se a dissuadi-las de correr riscos, a
levá-las ao desânimo com os múltiplos obstáculos colocados à sua frente e a
lhes recusar os meios financeiros necessários à viabilização e expansão das
suas iniciativas.
Um tal anticluster deixaria transparecer a sua existência na forma
opressiva como procura calar as dúvidas, na reprodução de desconfiança entre
os indivíduos e entre eles e as instituições e na dissonância cognitiva que
força os indivíduos a lidar com a realidade do país, envolvendo-os numa nuvem
de propaganda. No Fórum falou-se da necessidade de se mudar mentalidades para
se construir o futuro. As mentalidades só vão mudar se forem desmantelados
todos esses elementos dispersivos da energia, da motivação e da confiança dos
cabo-verdianos que até agora têm feito de Cabo Verde o país das oportunidades
perdidas.