Expresso das ilhas, edição 652 de 28 de Maio de 2014
Editorial
Todos os meses espera-se
sempre mais das sessões parlamentares. Trazem na agenda de trabalho grandes
promessas de discussão de matérias importantes como segurança, privatizações,
educação e formação, política externa, etc, mas invariavelmente acabam por
frustrar a todos. Em vez do confronto útil entre o governo, a sua maioria e os
partidos de oposição fica-se pela troca de acusações mútuas dirigidas para desacreditar
o adversário. Visa-se o mensageiro e ignora-se a mensagem. O público que
quereria encontrar nas diversas mensagens passadas e contraditas elementos para
a compreensão da situação nacional e também para escolher linhas e vias de
participação sente-se completamente posto de parte nesse exercício. Só é
convidado para ser apresentado por uns como vítima das artimanhas do outro e
instado a tomar partido por essa razão.
O Parlamento é o espelho da
democracia e do pluralismo. A nação está aí representada na diversidade das
suas ideias e dos seus interesses. A expectativa geral é que da dinâmica aí
gerada emerja o interesse público e que do exercício do contraditório em
ambiente plural e da possibilidade real de alternância se continue a garantir sustentabilidade,
vitalidade e legitimidade ao sistema democrático. A degradação do seu papel no
sistema não deve estar nos planos de ninguém, muito menos do governo que tem a
responsabilidade maior de concretizar as grandes aspirações de liberdade,
segurança e prosperidade da toda a nação.
Alguém até podia pensar que
os governos bem poderiam passar sem um Parlamento a tolher-lhes o pé e a
fiscalizá-los. A realidade é que quem governa tem mais chances de sucesso se,
via um órgão plural como o Parlamento, puder criar vontade política mais
alargada do que a sua base inicial, puder ser contraposto a outros possíveis
rumos na consecução dos objectivos e puder melhor avaliar o alcance e o impacto
do que já realizou. Isso implica necessariamente lealdade institucional,
deferência mútua e eficácia no relacionamento.
Infelizmente os caminhos
seguidos pelo nosso Governo e Parlamento não são os mais desejáveis. Os debates
são estéreis não porque traduzem opiniões diferentes situadas em quadros
referenciais filosóficos e ideológicos distintos. Isso é esperado, considerando
que o sistema político prevê partidos políticos e só com eles trabalha. São
estéreis porque iludem o presente, deambulam por um passado cada vez mais
mistificado pelas inúmeras incursões interesseiras que nele se fazem e diminuem
drasticamente a possibilidade de negociar acordos, estabelecer compromissos e
chegar a consensos alargados. Os estragos são maiores quando a anteceder os
debates fazem-se declarações que soam a cinismo e hipocrisia de que se quer
discussão produtiva e não insultuosa e logo a seguir repete-se o padrão de
costume. Para o cidadão comum, a encenação parece-lhe um artifício cujo
objectivo primeiro é de o dissuadir de participar, de questionar ou de exigir
sob pena de se expor ao fogo cruzado. O mesmo efeito tem os repetidos apelos ao
consenso seguidos quase que imediatamente de declarações de hostilidade aberta.
Mas a verdade é que ao mesmo
cidadão comum continua a preocupar a situação da insegurança e o facto de se
discutir se a criminalidade actual deve-se ao que teria passado décadas atrás
nada contribui para a sua tranquilidade no presente. Quer realmente resultados
que mostrem que se está a fazer uso inteligente, eficaz e adequado das forças
policiais acompanhado de políticas públicas relevantes para a inclusão, o
aumento da confiança e a renovação da esperança. O mesmo se passa em relação a
eventuais privatizações do Estado. Não o preocupa a velha disputa entre a
economia estatal e a economia de mercado que a liberalização e as privatizações
dos anos 90 tornaram possível. A história já deu o veredicto a favor da
economia do mercado. Hoje o que lhe pode preocupar é, como diz o relatório da
economia de Cabo Verde do BCV, a probabilidade
do Estado incumprir as suas obrigações contratuais em mais dez por cento
(20% +10%) por causa das dívidas das empresas públicas.
Urge fazer um debate político
mais útil em Cabo Verde. Isso, porém, não depende só dos protagonistas
envolvidos que, além do mais, nem estão em pé de igualdade considerando os
enormes recursos nas mãos de quem dirige o Estado. A pressão de outras
entidades, designadamente do presidente da República como moderador do sistema
e dos tribunais na administração célere da justiça é fundamental para assegurar
maior eficácia ao funcionamento das instituições. O mesmo se pode dizer do
papel da sociedade civil e da comunicação social. Neste aspecto tem a maior
pertinência o discurso do PR na tomada de posse do Procurador-Geral da
República em que apela ao Ministério Público para que em matéria de corrupção escrutine com rigor os resultados das
auditorias, as notícias na comunicação social e as denúncias dos cidadãos.
Uma sociedade que se quer
criativa e inovadora não pode funcionar com um sistema político onde prevalece
o discurso estéril que extrema posições, esvazia o debate e impede pensamento
crítico. Mais uma razão para acabar com a prática actual e termos debates
realmente produtivos e esclarecedores no Parlamento.