Expresso das ilhas, edição 664 de 20 de Agosto de
2014
Editorial
Agosto é mês de férias
e consequentemente mais “morno” em termos da febre política que normalmente
mantém a sociedade ao rubro e alimenta as notícias, reportagens e os
comentários veiculados pelos órgãos de comunicação social. Alguns classificam o
período de “silly season”. Durante o mês, os “média” por falta de matéria
tendem a desviar-se para o trivial e o frívolo e certas figuras políticas e
grupos públicos optam por comportamento excêntricos para atrair atenção.
Neste Verão entrou na
moda exigir a renúncia de presidentes de câmara a meio de mandato. Parece não
ter qualquer importância para quem com cara séria faz essa exigência o facto de
as câmaras municipais serem órgãos colegiais e serem directamente eleitas. Em
caso de renúncia do presidente ele é substituído no cargo por alguém do seu
próprio partido e não há eleições antecipadas. Declarações do género acabam por
ser simples ruído no sistema. Não elucidam sobre os problemas dos municípios,
não melhoram o controlo democrático dos órgãos municipais e aparentemente não
passam de mais uma salva de artilharia na guerra local travada entre o governo
central, os serviços desconcentrados do Estado, os partidos políticos e as
câmaras municipais.
Winston Churchill já
dizia que a democracia é o pior dos sistemas políticos exceptuando todos os
outros. De facto, apesar do que dizem todos os seus detractores e inimigos, as
ineficiências inerentes ao processo decisório democrático são muito menores do
que historicamente se constatam nos regimes monolíticos, nos governos
centralizadores e nas estruturas altamente burocratizadas. São mais do que
compensadas pelos ganhos em qualidade e aceitabilidade das políticas públicas
derivadas do facto de serem produzidas em ambiente de pluralismo, num quadro de
separação de poderes e precedido do exercício do contraditório. A ineficiência
em democracia só aumenta quando órgãos de soberania, entidades políticas e
instituições públicas falham em cumprir em pleno as suas competências.
A luta política traz
vantagens para o sistema sempre que se respeitem os procedimentos democráticos
e se tomem como referência a defesa da sua integridade. Um princípio que deve
ficar assente é que nem todas as armas devem ser utilizadas e nem todos os
“sítios” são bons para todos os confrontos. Por exemplo, dificilmente se pode
extrair do combate político entre deputados na Assembleia Nacional sobre o
mérito da actuação dos órgãos municipais algum ganho para o funcionamento do
município. O Parlamento não tem a tutela dos municípios e claramente que fica
mal ao órgão de soberania eleito directamente não mostrar deferência para com
órgãos municipais igualmente produtos da vontade popular em matéria das suas
competências próprias. O governo, que tem tutela de legalidade e que pode nesse
quadro proceder com inquéritos e sindicâncias para assegurar que não há
violação da lei, remete-se a um estranho silêncio enquanto chovem acusações de
toda a espécie provenientes muitas vezes das fileiras do partido que o suporta.
Num ambiente desses em que todos se acusam e ninguém assume responsabilidade ou
exige prestação de contas, a perda é geral. Só poderia ganhar quem apostasse no
descrédito das instituições, em lançar o estigma do cinismo e hipocrisia sobre
todos os políticos e quisesse abrir caminho para algum tipo de “governação
musculada”.
Sente-se no combate
político em Cabo Verde um desejo, nem sempre abertamente expresso, de um poder
unitário legitimado por maiorias conjunturais. É evidente que só se realizaria
pela via do condicionamento dos direitos individuais, da actuação dos órgãos de
soberania no âmbito da separação de poderes e, também, da autonomia municipal.
Não é o caminho que a nossa democracia deve seguir.
Deixando para trás a “silly season”e na preparação da próxima rentrée política maiores exigências
deverão ser colocadas aos agentes políticos e às instituições da república.
Cabo Verde está a um ano e meio das próximas eleições legislativas e precisa
posicionar-se melhor num mundo que se mostra estar cada vez mais complexo,
imprevisível e ameaçador. Nenhum país pode desperdiçar forças em lutas
políticas internas que só enfraquecem as suas instituições e limitam a
liberdade das suas gentes. O que mais precisa para se adaptar aos novos tempos
é ter instituições sólidas e pessoas ambiciosas, motivadas e criativas que
acreditam na democracia e na importância do primado da Lei.