Expresso das ilhas, edição 661 de 30 de Julho de
2014
Editorial
O debate sobre o estado
da Nação na Assembleia Nacional torna-se cada vez mais no grande evento
político do ano. Marcado para o dia 31 de Julho, o último dia do ano
parlamentar, vem sendo antecipado pelo governo e pelas forças políticas
representadas no Parlamento em várias manifestações públicas. Os actos
comemorativos do governo por altura do 5 de Julho normalmente dão um sinal de
arranque com um frenesim de actividades incluindo inaugurações, lançamentos de
primeiras pedras e aparições de membros do governo em fóruns, workshops e em
outros eventos sociais e culturais.
Nenhuma ilha fica sem
ser visitada por vários governantes. A exposição mediática da governação e dos
governantes é intensa ao longo dos dias e semanas de Julho. Ultrapassa de longe
o que os partidos da oposição podem conseguir por iniciativa própria ou
aproveitando espaços de debate criados pelos diferentes órgãos de comunicação.
A impressão geral é que se faz muita propaganda. A superioridade de recursos e
meios utilizados e a importância que os órgãos públicos da rádio e televisão
dão aos actos de governação garantem uma desproporcionalidade gritante na
cobertura de posições e actos a favor do governo. O resultado é que o debate do
estado da Nação em vez de ser o momento central de uma reflexão serena em sede
do contraditório passa a ser o acto final de uma acção mediática dominada pela
visão do governo. Perde o Parlamento e perde o país. Mistificações da realidade
tendem a persistir, desafios ficam por ser identificados e oportunidades são perdidas.
A Nação não está bem. A
média do crescimento económico dos últimos cinco anos é de 1,2%. Em 2013 o
crescimento foi de 0,5%. Os últimos resultados da conjuntura divulgados pelo
INE dão conta que no 2º trimestre o ritmo
de crescimento continua a abrandar e que
o indicador de clima económico evoluiu negativamente relativamente ao mesmo
período do ano 2013. O desemprego geral continua elevadíssimo a 16% e entre
os jovens a cerca de 40%. A dívida externa, mesmo se em boa parte de natureza
concessional, é cada vez mais pesada e já se situa a mais de 100% do PIB. E
isso sem contar a com a dívida contingencial derivada dos problemas financeiros
de empresas públicas como a TACV, ELECTRA, ENAPOR, Fast Ferry e também dos
municípios. Em 2013 houve queda no rendimento per capita. A persistir será
inevitável o empobrecimento da população. O problema que se coloca é como
reverter a situação.
Cabo Verde ascendeu a
país de rendimento médio. Depois de um período de transição de cinco anos que
terminou nos fins de 2013 deixou de beneficiar do grosso da ajuda externa em
donativos e empréstimos concessionais que vinha recebendo e para os quais só se
qualificam os países menos desenvolvidos. Recipiente da ajuda externa desde a
independência, normal é que tivesse aproveitado os anos de suporte externo pra
construir uma base produtiva própria. Sabia que os fluxos externos não podiam
continuar para sempre a ser donativos e empréstimos concessionais. Em tempo
teriam que ser substituídos por receitas de exportações de bens e serviços e
pela atracção de capitais estrangeiros.
Quando se falhou nisso
porque deixou-se cair o esforço de industrialização para a exportação, ou não
se investiu para aumentar o impacto do turismo na economia e não se soube
desenvolver factores de competitividade capazes de tornar o país atractivo para
o capital directo estrangeiro as dificuldades em manter o ritmo de crescimento
aceitável e em gerar empregos só podiam tornar-se maiores. O recurso massivo a
empréstimos via linhas de crédito condicionadas para financiar projectos de
infraestruturas não serviu de motor de arranque para o crescimento, não criou
oportunidades para o sector privado nacional, não ajudou na captação de capital
externo e não gerou novos empregos nem em quantidade nem em qualidade. Nestas
circunstâncias manter o modelo de desenvolvimento com base na reciclagem da
ajuda externa só pôde trazer o que já é visível para todos: PIB em queda,
desemprego cada vez maior, assimetrias regionais graves e grandes ineficiências
derivadas da macrocefalia do Estado e do centralismo excessivo.
As consequências
sociais amontoam-se e manifestam-se nos mais diferentes aspectos: desintegração
familiar, violência doméstica, abandono escolar, proliferação de gangs na
periferia das cidades, aumento da criminalidade e diminuição do capital social
com perda de confiança nos governantes, nas instituições e nas relações
interpessoais. A resposta do governo para ser a de, parafraseando o príncipe
Fabrizio no filme “O Leopardo”, “tudo
mudar para que tudo fique na mesma”. Indo pelos anúncios oficiais podia-se
pensar que o país vive um frenesim de renovação: cursos múltiplos procuram
transformar jovens e adultos em empreendedores; milhares são convidados a
regressar ao campo com o canto de sereia da água das barragens; clusters
prontas-a-abrir são apresentadas como portadoras do futuro e acena-se com a
porta da emigração a milhares de jovens licenciados desempregados. Soluções que
não são soluções. Servem essencialmente para reproduzir o conformismo, aumentar
o assistencialismo e a dependência do estado e constranger as pessoas em termos
eleitorais, como aliás já foi denunciado por várias fontes vindas de todos os
quadrantes políticos.
Cabo Verde não pode
ficar na mesma. Não pode manter-se hipnotizado pelos gestos frenéticos de
ilusionistas. Dão a ideia de mudar quando de facto o país continua na mesma e
só se vê sinais de estar a patinar no lodaçal da ineficiência, da falta de
visão, dos vícios do pedir, da dependência induzida e do sufoco da iniciativa
individual e empresarial. Do debate do estado da Nação espera-se que o
encantamento seja quebrado e o país possa finalmente arrancar para um futuro
construindo a sua própria base de sustentabilidade e dinâmica.
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