Na corrida para as eleições legislativas de 2016 todas as forças políticas pareciam convergir na necessidade de reforma na Administração Pública (AP). Uma reforma que teria pelo menos duas vertentes: despartidarização e mudança de atitude para com a economia, o mundo empresarial e os utentes dos serviços do Estado. Discursos e intervenções nos meses que antecederam o embate eleitoral reconheciam na postura da AP o efeito travão sobre a iniciativa individual e empresarial, o impacto negativo da partidarização sobre o ambiente de negócios e o não contributo para a competitividade do país. Tudo levaria a crer que independentemente de quem fosse o vencedor nas eleições as necessárias reformas iriam ter lugar. Quem governasse poderia eventualmente chegar a acordos com os outros partidos e mobilizar apoio transversal na sociedade no que toca às medidas de política, ao “timing” para as implementar e na definição das prioridades.
Infelizmente não foi assim. Na semana passada duas iniciativas, uma do MpD, proposta de lei das incompatibilidades na AP, e outra do PAICV, projecto de lei do uso do concurso para ingresso na Administração Pública, não foram aprovadas no Parlamento. Com o recuo, adiou-se a possibilidade de ter uma AP facilitadora do crescimento e sensível à urgência na criação rápida de empregos. E manteve-se a AP centralizadora, absorvida nos seus procedimentos e métodos e com a postura perante os utentes de quem faz favores em vez de prestar serviço. A mesma estrutura do Estado que o modelo de reciclagem da ajuda externa tinha criado e que claramente não se adequa ao novo estádio em que o desenvolvimento deve ser sustentável e dinamizado pelo sector privado. Sem as reformas, a AP em vez de ser instrumental no processo de facilitação e regulação do crescimento e do desenvolvimento, incorre no risco de se manter o foco de querelas e de jogos de interesses com vista ao controlo do poder e a possibilidade de distribuição de benesses.
O recuo na reforma da Administração Pública acontece quando já se somam sinais de possível agitação sindical no futuro próximo. E facto é que sem reforma da AP e sem paz social dificilmente o país conseguirá dinamizar a economia de forma a dar a satisfação desejada na criação de empregos e no aumento dos rendimentos das pessoas. Um Pacto para o Crescimento e Emprego entre o Estado, os sindicatos e o patronato devia ter sido um dos objectivos estratégicos do governo a atingir logo nos primeiros meses quando, saído vitorioso do ciclo das três eleições, detinha considerável peso político. É de não esquecer que os 15 anos anteriores da governação foram no domínio sindical de uma tranquilidade surpreendente, sem agitação significativa e muito menos greves paralisantes. O mesmo poderá não acontecer nos próximos tempos, particularmente quando se sabe que os anos de contenção reivindicativa não se justificaram em aumento de rendimento dos trabalhadores e do número de pessoas empregadas.
De facto, os últimos cinco anos foram de estagnação económica, alguns de crescimento negativo do rendimento per capita (2013, 2014), e com taxas de desemprego elevadas, associadas a muito subemprego e a aumento significativo da população inactiva. Até por causa disso, hoje as expectativas são altas e mais excitadas ficaram com as promessas eleitorais de criação de emprego, 45 mil pelo MpD e 15 a 25 mil por ano pelo PAICV. Mas se não se ultrapassar os constrangimentos por detrás do crescimento anémico da economia dificilmente vão-se concretizar. Por isso é que seria importante ter um pacto tripartido - Estado, sindicatos e patronato - para dar tempo e abrir caminho a melhorias significativas na competitividade e no ambiente de negócios com baixas nos custos de factores, de transportes e de contexto e com alterações nas relações laborais e ainda permitisse trabalhar consensos em matéria de atracção de investimentos, da produção para exportação e de desenvolvimento do turismo. Pena que não se viu a necessidade de garantir a paz social nos próximos anos como um dos objectivos prioritários a atingir. Mas talvez haja tempo para se chegar a um acordo que permita que se faça dos próximos anos o quinquénio do grande impulso no crescimento e no emprego em Cabo Verde.
Ultrapassar a “armadilha” dos países de rendimento médio, traduzida na quase impossibilidade de sair da estagnação económica depois de anos seguidos de crescimento, não é tarefa fácil. Exige, em geral, concentração de esforços, capacidade de sacrifício para fazer as reformas necessárias e ganhar eficiência e também clarividência de liderança e pro-actividade na formulação e implementação de estratégias que articulem a economia nacional com cadeias de valor viradas para mercados em expansão na economia mundial. Com o país nos limites do endividamento público, mostra-se fundamental que o Estado seja bastante parcimonioso nos projectos que autoriza. Nesse sentido deve ser proactivo em aliciar investimentos prioritariamente para onde no país, por um lado, seja menos custoso mover gente, facultar energia e água, resolver problemas de saneamento e escoar produtos e, por outro, exista a expectativa de maior efeito no arrastamento da economia nacional.
Não será tarefa fácil construir consensos quanto à necessidade de priorizar ilhas, regiões ou sectores da economia que a curto prazo possam se constituir em motores de crescimento assim como não tem sido fácil em relação à reforma da Administração Pública e à necessidade da paz social para se atingir os níveis de crescimento e de emprego desejados. Mas são os consensos indispensáveis para o país deixar a encruzilhada em que se encontra e trilhar o caminho da prosperidade. Compreende-se que para responder a anos de estagnação e retrocesso se queira impor uma lógica redistributiva. Não deve ser, porém, à custa da lógica produtiva que visa criar riqueza no país. E quando vier a prosperidade há que assegurar que beneficiará a todos.
Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 3 de Maio de 2016