Emmanuel Macron ganhou as eleições presidenciais francesas do domingo passado. A vitória de Macron foi crucial na encruzilhada em que se encontra a União Europeia porquanto constitui um claro sinal que o projecto europeu vai continuar. A saída do Reino Unido no âmbito do Brexit, a ascensão de partidos populistas de esquerda e de direita, as dificuldades dos partidos tradicionais e a onda xenófoba em relação aos emigrantes e refugiados tinham contribuído neste último ano para tornar nebuloso o futuro da UE. A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos demonstrara que o inimaginável, ou seja, candidatos a apresentarem-se como “outsiders” e professando ideias e projectos extremistas, iliberais e contra a globalização, podiam ser eleitos. Nem o facto de serem muitas vezes incoerentes, faltarem deliberadamente à verdade e se aliarem a potências hostis à democracia e com propósitos imperiais parecia impedir que fossem apoiados por franjas significativas do eleitorado. O triunfo de Macron no dia 7 de Maio veio refrear o pessimismo sobre o futuro da construção europeia. E todo o mundo que se revê na razão e no espírito das luzes, como disso o presidente-eleito, se regozijou com esta vitória da democracia liberal e da globalização.
A alegria geral justifica-se porque não há sombra de dúvidas que a União Europeia é uma referência civilizacional única que custaria ver regredir nos seus propósitos e nos seus valores. Forma a UE dezenas de países e nações que conseguiram em 60 anos ir além das rivalidades seculares e de guerras monstruosas e construir uma entidade supranacional onde reina a liberdade, a paz e a estabilidade, e vive-se na democracia. Por causa desse entendimento único, que inclui cedências na soberania nacional, moeda única e livre circulação de capitais, bens e serviços e também de pessoas, goza-se de uma prosperidade sem precedentes e de um regime de solidariedade na forma avançada do Estado Social sem exemplo no mundo. Qualquer hipótese de regressão no processo de integração teria consequências nefastas para todos porque o mundo ficaria mais desequilibrado, menos solidário e menos democrático. A demonstração que é possível vencer as forças políticas que se alimentam do medo, do nacionalismo e da xenofobia e que tendem para o autoritarismo foi fundamental. Não menos importante também foi a prova dada por Macron de que é possível fazer política nos dias de hoje sem se deixar levar pelo populismo e pelo tipo de política que ostensivamente entra em colisão aberta com a razão, com a verdade e com a decência.
As ilhas de Cabo Verde foram povoadas no início do processo da expansão europeia pelo mundo na segunda metade do século xv. Desde então tem sido parte integrante desse Novo Mundo mas mantendo com a Europa relações privilegiadas designadamente no que respeita a trocas comerciais, intercâmbios culturais e a relações com as comunidades emigradas. Depois da independência nacional a maior fatia da ajuda externa veio da Europa e quando nos anos 90 se abriu o país para o investimento directo estrangeiro foi de lá que veio o grosso do capital. O mesmo sucedeu com o fluxo de turistas que há mais de uma década tem contribuído para fazer do turismo um dos principais motores da economia nacional. Compreende-se porquê desde 1998 existe um Acordo Cambial assinado com Portugal e a UE que abriu caminho para duas décadas de estabilidade monetária e baixa inflação e porquê desde há dez anos se tem procurado aprofundar uma Parceria Especial. Como recentemente afirmou o primeiro-ministro Ulisses Correia e Silva, Europa é o espaço natural de Cabo Verde.
A prosperidade que Cabo Verde poderá ter no futuro próximo está intimamente ligada ao que conseguir potenciar da sua relação com a Europa. Nas palavras do embaixador José Manuel Pinto Teixeira, a Europa é o único parceiro que, a curto prazo pode fazer a diferença em Cabo Verde. Sem detrimento de explorar outras possibilidades de negócios e de estar aberto a interesses vindos de outras paragens, Cabo Verde deverá prestar uma atenção especial a quem, pelo fluxo de capitais e turistas que já encaminha ao nosso país, mostra que tem efectivo interesse em aprofundar as relações económicas existentes. E a resposta lógica a esta solicitação deve ser de densificação e dinamização das actuais relações económicas com um leque maior de exportação de bens e serviços e o alargamento da base do turismo, indo além do produto “sol e mar” para outros produtos que ponham o turismo numa base mais segura, mais sustentável e com maior valor acrescentado.
A ênfase nas relações com a Europa tem sido posta fundamentalmente na parte institucional e no quadro da ajuda externa. Parece porém que finalmente todos já se deram conta que há muito que o modelo de reciclagem de ajudas se esgotou e que para sair do crescimento raso há que realmente atrair investimento, exportar e aumentar o volume e a qualidade do fluxo turístico. Sem descurar a cooperação institucional importa cada vez mais desenvolver estratégias de atracção de investimento, aproveitar-se das condições preferenciais para construir uma base de exportações e ser inovador nos serviços que o país pode prestar à Europa designadamente no que respeita aos custos crescentes de uma população com esperança de vida cada vez maior.
É evidente que interessa, e muito, a Cabo Verde ver a Europa a ultrapassar com sucesso os actuais constrangimentos derivados da gestão da crise da dívida soberana e do euro, fazer as necessárias adaptações na sequência da saída do Reino Unido com vantagens para ambas as partes e manter o ambiente de liberdade, de paz e de democracia que tem sido essencial para a sua contínua prosperidade. O desenvolvimento de Cabo Verde depende em grande medida da dinâmica da economia europeia e do impacto que se conseguir que tenha sobre a economia nacional. A nação caboverdiana emergiu do mundo criado com a expansão europeia. Os seus destinos estão e sempre estiveram ligados.
Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 10 de Maio de 2017