Depois de dois meses em estado de emergência a ilha
de Santiago finalmente sai do confinamento domiciliário imposto à
população e vê diminuídas muitas das restrições à actividade económica.
Boa Vista duas semanas antes tinha sido aliviada das exigências do
estado de emergência enquanto S.Vicente e as ilhas sem casos confirmados
de covid-19 viram-se libertas das medidas de excepção a 2 de Maio.
Sente-se
o suspiro de alívio do país, mas de facto não há muito espaço para
baixar a guarda. O aparecimento dos primeiros casos na ilha do Sal e a
importação de outro em S.Vicente vindo do Sal vieram relembrar que o fim
do estado de emergência não significa que o país esteja livre do
coronavírus.Nem tão pouco implica que o desconfinamento e a diminuição de constrangimentos na circulação de pessoas constitui o regresso à normalidade social antes vivida. De facto, a pandemia persiste em todo o mundo e a possibilidade de surtos de coronavírus vai existir até que se crie uma vacina ou que a população de outra forma ganhe imunidade. Em qualquer dos casos não é algo que vai acontecer amanhã – as previsões apontam para mais de ano e meio – e por isso é fundamental que se adopte a atitude certa e se aprenda a conviver com o coronavírus, evitando contágio a nível individual, identificando surtos e movendo-se de forma rápida e efectiva para desmantelar eventuais cadeias de transmissão.
Com o fim do estado de emergência terminou uma etapa que a exemplo do que aconteceu noutros países procurou-se ganhar tempo para proteger os mais vulneráveis e para não sobrecarregar os serviços de saúde com um fluxo insustentável de pessoas infectadas. O quadro de excepção permitiu impor o confinamento das pessoas, indispensável para quebrar cadeias de contágio e conter a propagação do vírus, mas não para o eliminar. Nesse sentido parecem deslocadas e contraproducentes quaisquer manifestações de triunfalismo vindas de onde vierem. Tendem a fazer baixar a guarda da população, quando precisamente se quer que as pessoas mantenham um nível de alerta necessário em relação ao vírus e mostrarem-se dispostas a acatar as regras de distanciamento social para impedir a transmissão.
Tratando-se apenas de uma primeira batalha numa guerra que possivelmente vai ter mais episódios, deveria ser fundamental não se fazer aproveitamentos que pudessem prejudicar a colaboração essencial que de todos se espera para realmente se dominar a covid-19. Infelizmente não foi o que se viu na última sessão plenária da Assembleia Nacional em que o “regresso da política” aconteceu da pior forma. O surgimento de novos casos diariamente em Santiago e a eventualidade de nas outras ilhas virem a surgir surtos do vírus devia levar a uma atitude mais sóbria capaz não só de focalizar a atenção de todos nos efeitos da pandemia como também de manter a confiança nas autoridades sanitárias. Está-se num ano de eleições e é de evitar posições partidárias extremadas que podem interferir com a gestão da pandemia, como se vê acontecer nos Estados Unidos e no Brasil.
É assumido que à crise sanitária da covid-19 vai seguir uma crise económica e social. Crescimento negativo e desemprego resultante da paralisação da economia em todos os países afectados pelo coronavírus colocam desafios especiais de como gerir a quebra nos rendimentos da generalidade das pessoas, as incertezas trazidas pelo desaparecimento de certos tipos de negócios e pela suspensão por tempo desconhecido de outros, o aumento da pobreza e da precariedade de existência de muitos e as interrupções na vida académica e profissional de jovens a entrar na idade adulta. São questões complexas que só no quadro da Democracia e do pluralismo terão uma chance de encontrar soluções que respeitando a liberdade e o primado da lei tragam respostas para a necessidade de criar riqueza, garantir inclusão e limitar as desigualdades. Para isso, porém, é preciso ter partidos cientes das suas diferenças de políticas, mas capazes de construir entendimentos para se mitigar os efeitos da pandemia na economia e preparar o quadro de uma retoma. Ganhos de curto prazo ou a expensas do outro não têm aqui lugar porque a verdade é que o mundo pós/covid-19 vai ser muito diferente daquele que existia antes da pandemia e vai exigir políticas e investimentos que realmente capturem o futuro.
Olhando para outros países, vê-se por exemplo a União Europeia com o seu Fundo de Recuperação de 750 mil milhões de euros e a aposta na criação de riqueza vai investir nas tecnologias verdes, nas infraestruturas e na habitação, na reorganização e melhoria da resiliência das cadeias de abastecimento, no sistema de saúde para fazer face a crises futuras e especialmente no capital humano para os jovens se prepararem para um mundo em constante mudança. O objectivo como disse a Presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen é uma recuperação colectiva da Europa e a construção de um futuro comum em que ninguém fica para trás. Em Portugal, já está em discussão um plano que também vai completar infra-estruturas físicas e digitais, acelerar a transição digital na administração pública, escolas e universidades, potenciar investimento no sistema de saúde, apoiar redes logísticas na agricultura e na indústria e apostar nas energias renováveis e na exploração de recursos minerais. Como diz o mentor do plano, o engenheiro António Costa e Silva, há que acabar com a ladainha que o país não tem recursos. O que se tem de fazer é desenhar políticas públicas para criar valor, gerar riqueza e emprego.
Em Cabo Verde também um exercício de planificação do futuro terá que ser feito para que o país possa perspectivar retoma da economia, recuperar-se do desemprego actual e abrir o caminho para o futuro. A crise da covid-19 deverá servir para abrir os olhos de todos para os resultados das políticas aplicadas nos 45 anos de independência e que deixaram o país na situação de precariedade e de vulnerabilidade que hoje é impossível de ignorar. Insistir em fazer as mesmas coisas e em repetir as políticas do passado certamente não irão dar resultados diferentes dos que actualmente se constatam e que são manifestamente inadequados. Também a incapacidade de chegar a acordos entre os partidos em matérias de políticas de médio e longo prazo será um grande empecilho para se fazer diferente desta vez. Por último, não querer falar à Nação honestamente sobre os problemas do país e persistir nas visões fantasistas só vai continuar a alimentar o populismo, a semear a divisão e a nunca se poder colher e direcionar a energia necessária para levar o país para um outro rumo que finalmente lhe permita vencer a pobreza ancestral que sempre caracterizou estas ilhas.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 966 de 03 de Junho de 2020.