Editorial Nº 569 • 24 de Outubro de 2012
Algo
vai mal
O relatório Doing Business do Banco
Mundial sobre o ambiente de negócios publicado ontem, dia 23 de Outubro, mostra
Cabo Verde a cair em todos os indicadores. Particularmente gravosas são as
pontuações conseguidas no acesso ao crédito, na protecção de investidores, nas
licenças de construção e no processo de falência. Recentemente o relatório do
Fórum Económico Mundial já tinha alertado para a baixa competitividade do país
colocando-o na posição 122 em 144 países. Não é uma boa imagem esta que os dois
relatórios passam. Para o país é particularmente crucial atrair investimento
directo estrangeiro para contrabalançar a diminuição da ajuda externa e a
estagnação das remessas dos emigrantes.
A constatação central do estudo
apresentado no fórum organizado pela Câmara de Turismo na semana passada é que
para os governantes, os “policymakers”, não colocam o turismo no centro dos
seus planos de desenvolvimento, não vêem votos nele, não o consideram mais do
que um custo e não notam que o sector precisa de apoio. Por isso, segundo o
mesmo estudo, é que a situação habitacional para os trabalhadores no sector é
péssima, a maior parte dos frescos e peixe é importado do exterior, o
fornecimento de água e energia não é confiável e é cara, há mau ambiente de
negócio para o sector privado nacional e a política do turismo não se adequa
com a realidade do mundo de negócios. O alerta dado ganha uma outra dimensão
com a crescente vulnerabilidade da economia nacional resultante da base
económica estreita, não diversificada e centrada no turismo, que se deixou
criar no país.
Algo de essencial vai mal quando o
governo quase que literalmente recusa-se a engajar com suficiente atenção,
garra e sentido de futuro o sector económico que nos discursos oficiais
considera vital para o desenvolvimento do país. Não é assim que “diamantes”
devem ser tratados. Devem ser lapidados, transformados em jóias e levados ao
mercado. Os dados do estudo deixam entender que o interesse do Estado parece
residir essencialmente em extrair receitas via impostos e taxas. Ao longo do
caminho faz alguns investimentos que em demasiados casos pecam por tardios e
noutros não são eficazmente encadeados.
Numa entrevista recente o sr.
Primeiro-ministro confirmou que até agora o modelo económico seguido foi o de
reciclagem de ajudas. Adiantou ainda que o seu governo não tem ministro da
Economia. Talvez assim se explica que um sector como o turismo já com a dimensão
de 21% do PIB e a gerar 85% das divisas e 20% dos impostos, não tenha a atenção
transversal e estratégica que merece. Deixando prevalecer no país uma
racionalidade de captação e reciclagem da ajuda muito dificilmente pode-se
esperar que as instituições como a administração pública se reformem e passem a
funcionar no quadro de uma racionalidade outra, favorável a negócios e
facilitadora do empreendedorismo. Vê-se o resultado disso nas oportunidades que
não são adequadamente exploradas e no pouco que se faz para que os
investimentos realizados potenciem a iniciativa local e desenvolvam o sector
privado nacional.
Quando em ambiente de crise a ajuda
diminui, a reacção do Estado para equilibrar as contas só pode ser uma:
espremer ainda mais economia para conseguir tirar as receitas que precisa. Com
esse objectivo arranja argumentos para adiar a restituição do IVA e do IUR
devidos desde 2008. Altera o regime do IVA onerando as facturas de
combustíveis, água, luz, telecomunicações e transportes, tornando o sector
turístico menos competitivo. Anuncia mais uma taxa para as dormidas dos
turistas. Com todas essas medidas já previstas no Orçamento do Estado de 2013
advinham-se tempos difíceis à frente. Preços vão subir, e empresas vão se ver
em sérias dificuldades sob o efeito conjugado de controlo apertado do fisco e
de atrasos na restituição de impostos como o IVA.
Algo vai mal quando o mundo inteiro
esforça-se por ganhar competitividade e melhorar o ambiente de negócios e em
Cabo Verde persiste-se na mesma política de não apostar seriamente na economia,
na criação de riquezas e no aumento do emprego. Continua a tentação de criar
uma blindagem para crise enquanto se espera, ou que os parceiros tradicionais
voltem ao vigor anterior, ou que surjam novos parceiros generosos. Dada a
realidade do mundo actual, trata-se de uma ilusão que poderá sair bastante cara
a todos.
A Direcção