JORNAL 678 DE 26 DE
NOVEMBRO DE 2014
A proposta de Orçamento do Estado para 2015, que esteve em
debate nos últimos dias no parlamento, apresenta Cabo Verde como “um país que está numa encruzilhada à procura
de um novo modelo de financiamento do seu desenvolvimento económico”. A
redução de ajuda externa é apontada como causa próxima da mudança de rumo. Uma
redução, porém, que não resultou da crise porque já antes anunciada. Em 2008
houve a graduação de Cabo Verde para país de rendimento médio. Sabia-se então
que depois de um período de transição de cinco anos o país deixaria de
beneficiar de uma parte significativa de donativos e de empréstimos
concessionais. Até lá a economia tinha que ser posta em posição de, por um
lado, manter o ritmo de crescimento a taxas elevadas e gerar receitas para
sustentar a máquina do Estado e, por outro, de fazer-se competitiva com ganhos
crescentes de produtividade.
Na sequência da crise
financeira de 2008, e da crise soberana que se seguiu em 2010 nos países do euro,
a preocupação geral com o défice orçamental e o montante da dívida pública
aumentou consideravelmente. O governo argumentou, junto dos parceiros e
organizações internacionais, que a dívida externa que iria contrair não seria
insustentável mesmo que atingisse níveis bastante elevados porque seriam todos concessionais.
Segundo o relatório do OE citado os empréstimos seriam “canalizados para projectos estruturantes e com efeito
multiplicador no crescimento económico”. As infra-estruturas criadas iriam gerar
“externalidades
positivas e efeito em cadeia tanto a jusante (backward linkages) como a montante (forward linkages) na economia, promovendo assim o efeito “crowding in” (aumento do investimento privado,
melhorias da produtividade, maior retorno e melhoria na
competitividade
do país)”. Mais de cinco anos depois, infelizmente, não é isso que aconteceu e o
quadro existente está longe do que foi prometido.
A economia
depois da recessão em 2009 lá conseguiu atingir uma taxa de crescimento de 4%
em 2011. Desde então tem ficado por valores baixos de 1,2% em 2012 e 0,5% em
2013. O FMI, em Outubro passado, reviu em baixa o crescimento para 2014 de 3,1
% para 1% do PIB. Vê-se que o efeito multiplicador na criação de emprego não se
concretizou mantendo as taxas de desemprego bastante elevadas, particularmente
entre os jovens. O sector privado anda pelas ruas de amargura. Queixa-se do
sufoco do fisco e das taxas de juro pesadas dos bancos. Estes referem-se a
riscos macroeconómicos e macrofinanceiros ligados à fraca performance da
economia e à dívida pública acima do 100% do PIB para facilitação do crédito.
O esperado
aumento de investimentos privados na sequência e em consequência dos
investimentos públicos nas infra-estruturas
(crowding in) também não se verificou. Nem tão pouco se notam as backward linkages and forward linkages prometidas que as
empresas iriam estabelecer no processo de criação de cadeias de valor, de
ganhar escala e de conseguir acesso a mercados cada vez maiores e sofisticados.
Chocante é o caso do sector da construção civil. Os termos acordados nas linhas
de crédito assinados com Portugal não favoreceram o sector de construção civil
nacional apesar dos milhões de contos gastos em obras públicas. Nestas
condições exigir do sector privado que substitua o investimento público como
impulsionador do crescimento não tem qualquer sentido.
Cinco anos
depois e mais centenas de milhões de contos investidos, não se consegue tirar
receitas suficientes da economia, nos níveis actuais de imposto, para
equilibrar as contas. As iniciativas legislativas de alargamento da base
tributária em sede do IRS e IRC apresentadas ao parlamento visam alargar a base
tributária para equilibrar as contas. O problema é se mexendo no rendimento
disponível das pessoas e das empresas para resolver o problema a curto prazo
das contas do estado não se estará a agravar a situação económica com a
diminuição do poder de compra das pessoas e do capital que as empresas precisam
para ampliarem os seus negócios.
Como sair
deste círculo vicioso para um círculo virtuoso onde a economia cresceria e os
rendimentos das pessoas e das empresas aumentariam deveria ser o objecto
central do debate parlamentar sobre o orçamento do Estado. Infelizmente não
foi. É de se perguntar se a resistência em encontrar outros caminhos, em ir
além da encruzilhada, não virá de conveniência política em ficar no que já é
conhecido.
Governar
com base na reciclagem de ajudas tende a reproduzir esquemas de dependência que
acabam por abranger toda a sociedade. O Estado em vez de ser o agente regulador
e facilitador de iniciativas individuais e de grupos torna-se no agente indutor
de dependência. O poder político deixa de derivar da capacidade de mobilizar
vontades para passar a basear-se quase que exclusivamente no clientelismo
ostensivo e na intimidação mais ou menos velada dos que não se submetem
directamente. O grande objectivo já não é mais prosperidade na liberdade mas
sim conformismo, passividade e sentido agudo de precariedade. O problema é se, depois
de já se ter tudo isso instalado, será possível mover pessoas, sociedade e
instituições para o patamar exigido pelo mundo que já nos diz que o tempo da
ajuda externa terminou.