O Banco de Cabo Verde (BCV) no seu Relatório Anual publicado no dia 23 de Julho deixa transparecer que, devido às fragilidades endógenas da economia nacional, o efeito de contágio de uma eventual recuperação da área do Euro será condicionado. Ou seja, não há certeza que Cabo Verde poderá aproveitar completamente uma maior dinâmica económica dos seus parceiros europeus. As razões apontadas pelo BCV são bastante significativas: “elevados custos de contexto e de nível de risco nos projectos empresariais; défice de skills de gestão e de orientação para o negócio de grande parte dos empreendedores nacionais; desfasamento técnico-profissional entre a procura e a oferta de emprego; défice de infraestrutura e de produtos financeiros para micro e pequenos negócios; défice de infraestrutura apropriada (principalmente de transportes) que possibilite o aumento da economia de escala dos investimentos empresariais pela via da exportação”.
Dessas constatações do BCV pode-se concluir que, em grande parte, a chamada “agenda de transformação do governo” não atingiu os objectivos pretendidos. A administração pública continua a ser ineficaz e insensível na sua relação com os utentes, em geral, e com o mundo dos negócios, em particular. O sector privado nacional não passou ainda da sua fase incipiente. A educação e a formação não estão em sintonia com as necessidades do mercado de trabalho. Não se encontraram ainda mecanismos e vias adequadas para financiar pequenas e médias empresas. As infraestruturas construídas não foram as melhores ou as prioritárias se a intenção era ajudar a ganhar escala via exportações. Como diz o relatório do BCV, Cabo Verde só poderá ganhar com o spillover de uma maior dinâmica da economia europeia se for capaz de aumentar consideravelmente a seu capacidade produtiva e a sua resiliência, e isso foi profundamente posta em causa pelas insuficiências ou inadequação das políticas seguidas até agora.
Entretanto, o país já atingiu ou mesmo ultrapassou os limites da dívida que pode ser sustentada. Dificilmente poderá continuar a endividar-se para fazer face aos défices ainda grandes que existem em termos de infraestruturas ou às insuficiências nos sectores de capacitação do capital humano ou nas reformas da administração na perspectiva de diminuição dos custos de contexto e de transacções. Com o investimento público limitado nos próximos tempos e o investimento privado desincentivado por vários factores, o país sujeita-se a anos de crescimento raso. Um quadro que torna ainda mais difícil servir a dívida existente, correndo-se o risco de falência quando esta ideia já não é mais um tabu, tendo em conta o que se passou nos últimos anos na Grécia.
Para os cidadãos em geral há a percepção de que apesar de se viver um frenesim de inaugurações, de lançamentos e de visitas pelas ilhas, as coisas não estão bem. Dez anos depois de serem anunciados os clusters ainda estão por se constituir e se tornarem no dínamo que, juntando empresas, universidades e mercados, gerariam crescimento económico e emprego massivo e de qualidade. Mesmo o turismo, que por todos é visto como o grande motor da economia, não consegue lograr os níveis de crescimento desejados. Há quem considere que é mau o ambiente de negócios no país e veja nisso a causa principal da aparente incapacidade de aproveitar oportunidades e de fazer fruir a iniciativa privada. Especificamente no domínio do turismo, economistas como o Doutor João Estevão, numa entrevista recente ao jornal A Nação, é claro em dizer que o sector tem crescido sob a pressão da procura mas que faltam propostasdo lado da oferta para aproveitar as complementaridades potenciais e transformá-las em oportunidades de investimento e de crescimento económico. Acrescenta ainda que o emprego em particular sofre com o declínio da actividade transformadora. Se indústrias existissem muitos dos jovens com escolarização secundária poderiam ser absorvidos, ajudando a criar um sector mais intenso em tecnologia e informação com ganhos para o país em termos de competitividade e de capacidade exportadora.
O desânimo e a frustração de muitos que estão no desemprego e dos outros muitos que engrossaram o número da população activa não ajudam em manter o espírito civil, a confiança e a solidariedade tão necessários para se poder guindar com garra os caminhos do desenvolvimento. Com isso cresce o sentimento de insegurança, aumenta o fosso social e aprofunda-se a desconfiança para com os governantes, os políticos e as instituições. A tentação de exercer o poder num estado de permanente eleitoralismo, de lutas permanentes para impor verdades convenientes e leituras históricas únicas, agravam a situação. O controlo sobre as pessoas que isso normalmente pressupõe, leva à adopção de políticas que favorecem o assistencialismo a dependência e com isso naturalmente mais frustração, rivalidades, discriminação e até violência.
É evidente que há que fazer um outro caminho. Cabo Verde está numa encruzilhada enquanto país de rendimento médio. A sua evidente falta de preparação para enfrentar os rigores do mercado internacional e aí florescer no comércio entre as nações deve ser devidamente ponderada e os constrangimentos contornados ou limitados. Acreditar em Cabo Verde, na sua viabilidade como país, deve ser algo mais do que aretórica repetida nas cerimónias do 5 de Julho.Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 29 de Julho de 2015