Mais de duas semanas depois do fim do estado de
emergência na ilha de Santiago a situação da Covid-19 em Cabo Verde não é
a mais rósea. Os números de contágio quase de duplicaram passando de
406 casos no dia 29 de Maio para 781 no dia 16 de Junho.
No
mesmo período confirmaram-se novos casos em S. Vicente e Boa Vista e os
primeiros na Ribeira Grande de Santo Antão, Ribeira Brava em São
Nicolau e em Santa Catarina de Santiago. Autênticos surtos
verificaram-se em Santa Cruz e na ilha do Sal que elevaram em poucos
dias o número de casos positivos nessas duas ilhas a 74 e 71
respectivamente, segundo dados do dia 16 de Junho. As razões para isso
são múltiplas, mas certamente que não se resumem apenas à falta de
colaboração ou de sentido de responsabilidade de franjas da população.
Aparentemente
o processo de desconfinamento não correu de melhor forma e terá
contribuído para isso a facilitação da circulação de pessoas pelas
ilhas, o desejo de maior interacção social depois do período restritivo e
algum descaso da população porque não se verificaram as piores
previsões. Neste particular é de notar que a maior parte dos casos têm
sido assintomáticos ou com sintomas leves e que mesmo em termos de
óbitos não se atingiram os números alarmantes de outros países. Os casos
de mortes, até agora sete, são apresentados como tendo entre as causas
comorbidades detidas pelos pacientes e não qualquer sobrecarga ou
deficiência nos cuidados prestados. Um outro factor a ter em conta é a
ânsia das autoridades talvez preocupadas com a economia e a perda de
rendimento das pessoas em fazer crer que a restauração da normalidade
não tarda muito. Com a ideia de que se terá ganho a luta contra a
Covid-19 é mais difícil para as pessoas cumprirem na íntegra as
recomendações de distanciamento social e as transgressões tendem a
multiplicar-se particularmente entre os jovens como se pode constatar
dos dados estatísticos dos casos confirmados apresentados por faixa
etária.
Processos de desconfinamento noutros países pelas mesmas
ou outras razões foram acompanhados de surtos e picos de contágio. Em
certos casos de maior gravidade como na China e na Coreia do Sul houve
quem tenha falado numa segunda vaga da Covid-19. Poucos dias atrás a OMS
veio reafirmar que ainda se trata da primeira vaga e que para enfrentar
o recrudescimento de casos positivos a resposta das autoridades nunca
deve ser complacente nem cair em triunfalismos. O coronavírus está bem
presente, ninguém o eliminou e tem que se aprender a conviver com essa
realidade até que apareçam vacinas ou se identificam tratamentos para as
múltiplas complicações por ele provocadas.
Nesse sentido, além
do rigor em manter restrições diversas com vista a impedir proximidade
excessiva das pessoas, as autoridades devem melhorar continuamente a
capacidade de
testar, seguir e rastrear indispensável para se
conter a transmissão do vírus. A colaboração das pessoas é essencial
para o sucesso no combate ao vírus e no processo de retoma da economia.
Para o conseguir como diz ao jornal Financial Times o presidente da
câmara de Seul, a capital da Coreia do Sul, há que, a par de medidas de
prevenção e de mitigação necessárias, mostrar humildade, ser capaz de
recentrar posições e até de voltar atrás nas medidas tomadas e admitir
erros.
A tentação oficial em Cabo Verde de apontar a falta de
colaboração das pessoas como a causa principal das falhas no combate ao
coronavírus não beneficia ninguém. Aconteceu no caso do surto do vírus
na Boa Vista e está acontecer actualmente com os surtos nas ilhas de
Santiago e do Sal. De facto, a responsabilidade pelo sucesso ou
insucesso nesse e noutros domínios da vida do país é sempre do governo.
Governar não significa dividir responsabilidades e assumir que cada um
faz a sua parte. De quem governa exige-se liderança com vista à criação
de vontades e mobilização de energia e de recursos para consecução dos
objectivos traçados. Um ingrediente essencial nisso tudo é a confiança
que, para ser preservada, particularmente quando se enfrenta um inimigo
existencial e desconhecido como o coronavírus SARS-cov-2, se exige
humildade, capacidade de reconhecer erros e abertura para rever decisões
erradas.
A verdade é que se levou demasiado tempo a
ir atrás do vírus
e não se fizeram testes suficientes e numa perspectiva epidemiológica
que pudessem dar uma visão mais clara do que se passava em cada uma das
ilhas antes de se pôr fim às restrições na circulação das pessoas.
Também da mesma forma como não se ouviram durante demasiado tempo as
vozes que diziam para
testar, testar, não se prestou a devida
atenção aos que diziam que num país de nove ilhas não era racional
ter-se um único laboratório para testes de Covid-19 à espera de amostras
vindas por barco ou avião fretado das outras ilhas. Noutros países
mobilizaram-se universidades, profissionais de saúde na reforma e
investigadores nos institutos e faculdades para participar do esforço
que todos reconhecem ser fundamental de
testar, seguir e rastrear.
Em Cabo Verde, há umas duas semanas que se acrescentou equipamento ao
laboratório do INDP em S. Vicente para poder fazer testes, só agora é
que se está a falar em equipar a UNICV com um RT-PCR e quanto a prover o
país de recursos humanos preferiu-se usar ajuda externa do Luxemburgo
para trazer uma equipa cubana.
As declarações de estado de
alerta, contingência, calamidade e por fim de emergência em Março, Abril
e Maio tinham como objectivo primeiro ganhar tempo para o país se
preparar para enfrentar a pandemia, impedir o colapso do sistema de
saúde e adequar-se ao “novo normal” que se iria instalar de convivência
com o vírus, das novas relações entre as pessoas e da nova realidade de
um mundo pós-covid. Era de todo o interesse que políticas nesse sentido
fossem consistentes e eficazes para granjear a colaboração de todos e
para potenciar o esforço que seria exigido para adaptar o país às novas
circunstâncias e evitar a ilusão de que se pode voltar à normalidade
anterior. O facto de perante novas falhas se estar outra vez a apontar o
dedo às pessoas em vez de avaliar onde a liderança do processo ficou
aquém do que era esperado e outra vez estar-se a “
ir atrás do vírus” como acontece na ilha do Sal, é caso para se interrogar se alguma vez se vai deixar de
fazer as mesmas coisas e esperar resultados diferentes.
Mais
de duas semanas depois do fim do estado de emergência na ilha de
Santiago a situação da Covid-19 em Cabo Verde não é a mais rósea. Os
números de contágio quase de duplicaram passando de 406 casos no dia 29
de Maio para 781 no dia 16 de Junho. No mesmo período confirmaram-se
novos casos em S. Vicente e Boa Vista e os primeiros na Ribeira Grande
de Santo Antão, Ribeira Brava em São Nicolau e em Santa Catarina de
Santiago. Autênticos surtos verificaram-se em Santa Cruz e na ilha do
Sal que elevaram em poucos dias o número de casos positivos nessas duas
ilhas a 74 e 71 respectivamente, segundo dados do dia 16 de Junho. As
razões para isso são múltiplas, mas certamente que não se resumem apenas
à falta de colaboração ou de sentido de responsabilidade de franjas da
população.
Aparentemente o processo de desconfinamento não correu
de melhor forma e terá contribuído para isso a facilitação da
circulação de pessoas pelas ilhas, o desejo de maior interacção social
depois do período restritivo e algum descaso da população porque não se
verificaram as piores previsões. Neste particular é de notar que a maior
parte dos casos têm sido assintomáticos ou com sintomas leves e que
mesmo em termos de óbitos não se atingiram os números alarmantes de
outros países. Os casos de mortes, até agora sete, são apresentados como
tendo entre as causas comorbidades detidas pelos pacientes e não
qualquer sobrecarga ou deficiência nos cuidados prestados. Um outro
factor a ter em conta é a ânsia das autoridades talvez preocupadas com a
economia e a perda de rendimento das pessoas em fazer crer que a
restauração da normalidade não tarda muito. Com a ideia de que se terá
ganho a luta contra a Covid-19 é mais difícil para as pessoas cumprirem
na íntegra as recomendações de distanciamento social e as transgressões
tendem a multiplicar-se particularmente entre os jovens como se pode
constatar dos dados estatísticos dos casos confirmados apresentados por
faixa etária.
Processos de desconfinamento noutros países pelas
mesmas ou outras razões foram acompanhados de surtos e picos de
contágio. Em certos casos de maior gravidade como na China e na Coreia
do Sul houve quem tenha falado numa segunda vaga da Covid-19. Poucos
dias atrás a OMS veio reafirmar que ainda se trata da primeira vaga e
que para enfrentar o recrudescimento de casos positivos a resposta das
autoridades nunca deve ser complacente nem cair em triunfalismos. O
coronavírus está bem presente, ninguém o eliminou e tem que se aprender a
conviver com essa realidade até que apareçam vacinas ou se identificam
tratamentos para as múltiplas complicações por ele provocadas.
Nesse
sentido, além do rigor em manter restrições diversas com vista a
impedir proximidade excessiva das pessoas, as autoridades devem melhorar
continuamente a capacidade de
testar, seguir e rastrear
indispensável para se conter a transmissão do vírus. A colaboração das
pessoas é essencial para o sucesso no combate ao vírus e no processo de
retoma da economia. Para o conseguir como diz ao jornal Financial Times o
presidente da câmara de Seul, a capital da Coreia do Sul, há que, a par
de medidas de prevenção e de mitigação necessárias, mostrar humildade,
ser capaz de recentrar posições e até de voltar atrás nas medidas
tomadas e admitir erros.
A tentação oficial em Cabo Verde de
apontar a falta de colaboração das pessoas como a causa principal das
falhas no combate ao coronavírus não beneficia ninguém. Aconteceu no
caso do surto do vírus na Boa Vista e está acontecer actualmente com os
surtos nas ilhas de Santiago e do Sal. De facto, a responsabilidade pelo
sucesso ou insucesso nesse e noutros domínios da vida do país é sempre
do governo. Governar não significa dividir responsabilidades e assumir
que cada um faz a sua parte. De quem governa exige-se liderança com
vista à criação de vontades e mobilização de energia e de recursos para
consecução dos objectivos traçados. Um ingrediente essencial nisso tudo é
a confiança que, para ser preservada, particularmente quando se
enfrenta um inimigo existencial e desconhecido como o coronavírus
SARS-cov-2, se exige humildade, capacidade de reconhecer erros e
abertura para rever decisões erradas.
A verdade é que se levou demasiado tempo a
ir atrás do vírus
e não se fizeram testes suficientes e numa perspectiva epidemiológica
que pudessem dar uma visão mais clara do que se passava em cada uma das
ilhas antes de se pôr fim às restrições na circulação das pessoas.
Também da mesma forma como não se ouviram durante demasiado tempo as
vozes que diziam para
testar, testar, não se prestou a devida
atenção aos que diziam que num país de nove ilhas não era racional
ter-se um único laboratório para testes de Covid-19 à espera de amostras
vindas por barco ou avião fretado das outras ilhas. Noutros países
mobilizaram-se universidades, profissionais de saúde na reforma e
investigadores nos institutos e faculdades para participar do esforço
que todos reconhecem ser fundamental de
testar, seguir e rastrear.
Em Cabo Verde, há umas duas semanas que se acrescentou equipamento ao
laboratório do INDP em S. Vicente para poder fazer testes, só agora é
que se está a falar em equipar a UNICV com um RT-PCR e quanto a prover o
país de recursos humanos preferiu-se usar ajuda externa do Luxemburgo
para trazer uma equipa cubana.
As declarações de estado de
alerta, contingência, calamidade e por fim de emergência em Março, Abril
e Maio tinham como objectivo primeiro ganhar tempo para o país se
preparar para enfrentar a pandemia, impedir o colapso do sistema de
saúde e adequar-se ao “novo normal” que se iria instalar de convivência
com o vírus, das novas relações entre as pessoas e da nova realidade de
um mundo pós-covid. Era de todo o interesse que políticas nesse sentido
fossem consistentes e eficazes para granjear a colaboração de todos e
para potenciar o esforço que seria exigido para adaptar o país às novas
circunstâncias e evitar a ilusão de que se pode voltar à normalidade
anterior. O facto de perante novas falhas se estar outra vez a apontar o
dedo às pessoas em vez de avaliar onde a liderança do processo ficou
aquém do que era esperado e outra vez estar-se a “
ir atrás do vírus” como acontece na ilha do Sal, é caso para se interrogar se alguma vez se vai deixar de
fazer as mesmas coisas e esperar resultados diferentes.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 968 de 17 de Junho de 2020.