quarta-feira, dezembro 05, 2012

Ponto de viragem





 Nº 575 • 05 de Dezembro de 2012

Editorial: Ponto de viragem

 Finalmente por todos é sentido que o momento é de viragem. O Primeiro-ministro confessa que ainda não se chegou ao Cabo das Tormentas, o embaixador da União Europeia prontifica-se a ajudar Cabo Verde a ser menos dependente da ajuda externa e o FMI, prevendo crescimento a 4.1% em 2013, aconselha que se invista mais no capital humano e no ambiente de negócios. Os operadores económicos confrontados com o OGE 2013 e a baixa prioridade dada ao desenvolvimento do sector privado e da economia nacional reagem desiludidos às medidas nele consignadas. Os dois partidos do arco do poder, O MpD e o PAICV, desencadeiam o processo de renovação e substituição das respectivas lideranças numa pers­pectiva de adequação futura aos desafios crescentes da actualidade nacional e internacional.
A necessidade de viragem ficou clara com as dificuldades surgi­das com a quebra dos donativos e abrandamentos das remessas de emigrantes que revelaram os limites de modelo de desenvolvimento suportado no trinómio, Consumo – Ajuda – Importações. Não se criou a base económica dinâmica e diversificada que poderia gerar rendimentos às famílias e receitas ao Estado suficientes para, pro­gressivamente, substituir os fluxos vindos do exterior. A agenda de transformação propalada pelo governo há mais de dez anos até agora mostrou-se insuficiente para alterar o modelo de dependência. A realidade actual é a da persistência de elevado nível de desemprego acompanhado de crescente centralização do país e de perda de dinâmica das ilhas. Os rendimentos, o emprego e as expectativas das pessoas dependem cada vez mais dos caprichos e desígnios de quem está à frente do Estado e de outras entidades públicas.
Cabo Verde não devia estar nesta situação. A gigantesca movi­mentação popular que pôs fim ao regime de partido único a 13 de Janeiro de 1991 tinha como objectivo a liberdade, a democracia e o soltar das energias socioeconómicas do país. Construiu-se o edifício político-institucional para isso, a começar pela Constituição da Re­pública, e reformas económicas profundas foram introduzidas com a liberalização económica, as privatizações, os incentivos à iniciativa privada, a atracção de investimentos e a promoção de exportações de bens e serviços. Pretendia-se então pôr de lado o modelo de dependência do exterior a favor de outro modelo suportado na Produção – Inovação – Exportações.
O regresso do PAICV ao poder em 2001 não deu a esperada continuidade às reformas que deveriam manter viva a promessa de sustentabilidade futura do país. Extraiu as piores lições da der­rapagem de 2000. Em vez de acautelar o país em relação a choques externos com a dinamização de vários sectores económicos, deixou que a economia se afunilasse num turismo vulnerável à actuação de muito poucos operadores enquanto dormia à “sombra da bananeira” dos donativos. Paralelamente, permitiu que a situação financeira de empresas do sector público como a Electra, os TACV e agora a Enapor se degradasse, ameaçando fragilizar outras como a ASA, a Enacol e o INPS, com o peso das dívidas por pagar.
Com o endividamento externo dos últimos três anos adiaram-se os efeitos da diminuição dos donativos. Mas não se aproveitou a almofada criada para melhorar a competitividade do país e o ambiente de negócios e atrair investimento directo estrangeiro que substituísse a ajuda externa. Entretanto, ganharam-se eleições que garantiram o prosseguimento das políticas de sempre. Mas, segundo o FMI, do investimento público realizados com crédito externo ainda não se conhece a eficiência, a taxa de retorno das infra-estruturas nem outros parâmetros para se avaliar de forma fundamentada a sustentabilidade da dívida criada.
Neste ponto de viragem, o anúncio das saídas de liderança parti­dária do dr. Carlos Veiga, o homem das grandes reformas políticas e económicas, e do actual chefe do governo, dr. José Maria Neves, po­derá ter o efeito catalisador sobre os dois grandes partidos do arco do poder na procura de soluções de governação que façam o país ir além da reciclagem da ajuda externa. Para que isso aconteça é essencial que o debate político se vire para o futuro, deixe querelas primordiais e veja no Cabo Verde da democracia constitucional o esteio onde o país presente se revê e se situa e onde propostas alternativas de governação se contrapõem, se enriquecem e se experimentam.

quarta-feira, novembro 28, 2012

De professor de vigário a ajudante de missa?



Editorial Nº 574 • 28 de Novembro de 2012
De professor de vigário
a ajudante de missa?

O artigo do Dr. Carlos Burgo, no jornal a nação de 22 de Novembro, surpreendeu. Dias antes, o Banco Central tinha divulgado o relatório sobre a política monetária com projecções, para o ano 2013, diferentes das encontradas no relatório da proposta de Orçamento do Estado. Dias depois teria início na Assembleia Nacional a discussão do OE para o Ano 2013 precedida de amplos debates nos órgãos de comunicação social, nos quais o desagrado pelas medidas e propostas ficou patente. Em tal am­biente, o pronunciamento público do governador do BCV, pelo momen­to escolhido, pelo tema versado e pela forma de abordagem podia induzir as pessoas a pensar que a motivação foi política.
Discutir questões de eficiência do IVA quando operadores económi­cos e sindicatos lutam com o governo sobre as pretensões do mesmo em manipular o imposto para assacar mais receitas das pessoas e das empre­sas faz qualquer um estranhar e interrogar-se. A escolha infeliz de tratar o assunto do IVA conjuntamente com a questão da aplicação do IUP pela câmara municipal da Praia relembrou o padrão seguido no confronto político em Cabo Verde, em que a posições do governo são contrapos­tas as das câmaras dirigidas pelos partidos da oposição como se órgãos municipais e governo fossem entidades em pé de igualdade, tanto em responsabilidade, competência e escopo de actuação. O facto do Sr. Pri­meiro-ministro o citar em sede de discussão do orçamento, para suportar a posição do governo, não ajudou a desvanecer as dúvidas.
No ano passado, do governo para Carlos Burgo e para o Banco Cen­tral só vieram reprimendas aquando da apresentação do relatório da po­lítica monetária. A Ministra de Finanças foi peremptória em dizer que o BCV não devia pretender “ensinar a dar missa ao vigário”. Isso porque no relatório o BCV disputou as projecções de crescimento para o ano 2012, colocando a taxa no intervalo 4-5%, como aliás se veio a confirmar, em vez de 6-7% prometidos pelo governo. E também porque declarações posteriores do governador deram a entender que o orçamento era des­pesista e impunha-se uma certa contenção do Estado no endividamento interno para se evitar que o sector privado ficasse desprovido do crédito necessário para dinamizar a economia. Na sequência, o PM fez questão de rejeitar a austeridade que supostamente estaria a ser proposta pelo banco e pela oposição. Neste ano depois da apresentação do novo relató­rio do BCV, igualmente crítico das projecções do governo, tem-se o acto inédito do artigo prestimoso do governador. É caso para pensar se de “professor do vigário não se está a passar para ajudante de vigário”.
A relação do governo com quem dele discorda é sempre tumultuo­sa. O Banco de Cabo Verde não é excepção. O Governo cita bancos es­trangeiros para validar as suas posições e faz por ignorar o diagnóstico, os dados e as projecções do Banco Central. Mas é o BCV que por lei executa de forma autónoma a política monetária e cambial e é o conse­lheiro financeiro do Governo. Em todo o mundo cidadãos e operadores económicos, nacionais e estrangeiros, vêem as análises e projecções do Banco Central como tecnicamente superiores e fiáveis porque não são enviesados por ditames políticos e partidários. Em Cabo Verde, o gover­no mantém as distâncias, hostiliza como se viu atrás e não se coíbe de se omitir na renovação de mandatos do governador e de membros de con­selho de administração, num acto que pode configurar pressão ilegítima sobre a instituição.
A democracia pressupõe a existência de um ambiente institucional que garante funcionalidade e complexidade ao sistema para que o Poder e o seu exercício não estejam completamente nas mãos de maiorias con­junturais. A existência de uma sociedade civil suficientemente autónoma, para se fazer ouvir, e ousada, para agir a favor de valores como o primado da lei, é essencial para que as virtualidades da democracia se manifestem e enriqueçam a todos. Não é o que se tem actualmente em Cabo Verde.
Na sequência da reunião de concertação social viu-se primeiro o go­verno a dominar nos media, com a mensagem de que se chegou a um acordo de concertação, ao mesmo tempo que pretendia ignorar que os sindicatos e o patronato tinham chumbado o orçamento. Chegado ao parlamento com a lei de OE não mostrou qualquer disponibilidade em mudar uma vírgula para acomodar as preocupações de empresários e trabalhadores. A tendência autocrática de não negociar com ninguém e forçar todos a cederem na sua posição manifestou-se claramente. É a mesma atitude que se nota em relação às instituições públicas estatuta­riamente autónomas designadamente o BCV e as agências reguladoras. Neste sentido o país vai mal. Como disse Obama na sua visita recente ao Myanmar “democracia significa limites postos ao Poder”.
A Direcção


quarta-feira, novembro 21, 2012

Governo em contra corrente



Nº 573 • 21 de Novembro de 2012
Editorial: Governo em contra corrente
A proposta do Orçamento do Estado para 2013 está a merecer uma atenção inusitada de todos. É discutida na rua, em casa, com os amigos e na comunicação social. A preocupação central é o aumento da carga de impostos. Os sindicatos, os empresários e os partidos da oposição já revelaram a sua discordância total quanto às medidas propostas. Apontam o impacto negativo que terão no rendimento das famílias, na viabilidade e sustentabilidade das empresas e na competitividade do país. O Banco de Cabo Verde no seu relatório de política monetária de 15 de Novembro mostra o seu desconforto com as projecções do OE quanto ao comportamento da economia no ano do 2013. No mar de críticas que tem acompanhado a apresentação do OE só o governo se mantém em contra corrente insistindo na falácia dos subsídios cruzados e banhando-se nas declarações de conveniência de entidades estrangeiras. A dificuldade segundo o BCV centra-se na tentativa de consolidação das contas públicas pelo lado das receitas ao mesmo tempo que se deixa crescer as despesas a mais de 16%. Tentativa à partida gorada porque muito dificilmente a projecção feita de arrecadação das receitas de 18,5% será atingida. O BCV situa o aumento nas receitas em 7 - 9%. Provavelmente é o que irá acontecer: a base tributária é pequena e as medidas fiscais irão provocar o arrefecimento de muitas actividades económica e forçar a migração de outras para o sector informal. Em tal cenário o défice orçamental será superior ao projectado, 8,1% em vez de 7,4%, aumentando o risco do país e tornando o crédito ainda mais difícil e caro. Chegou-se a este ponto não por culpa da crise internacional como pretende passar o governo. A crise simplesmente revela e acentua as falhas já existentes na estrutura económica e social e deixa pouca margem para se continuar a iludir as populações. Mesmo assim há quem tente manter-se no poder lançando-se num jogo de antecipação em que por um lado repassa a outrem a responsabilidade pelas deficiências e por outro gere expectativas fazendo crer às pessoas que poderiam estar piores se não fosse pela sua “competência” ou “credibilidade”. No caso de Cabo Verde pretendeu-se primeiro ignorar os sinais da crise, depois sonhou-se com a blindagem e posteriormente viu-se no endividamento externo a forma de a contornar. Dessa odisseia pelo ilusório só podia resultar desequilíbrios macroeconómicos graves, fragilidade da base económica e impreparação do país para os novos desafios. Quando questionada sobre os clusters que deviam ser os pilares da economia caboverdiana, a ministra de finanças em entrevista recente classifica o do mar como o mais dinâmico porque exporta pescado, considera que o das TIC tem “dinamismo interessante” e constata que os outros dois, aero-negócios e praça financeira encontram-se num patamar mais atrasado. A ministra conclui que até que eles venham a ter o efeito de arrastamento da economia, o país terá que se suportar no turismo. Dez anos de uma “agenda de transformação”deram nisto: uma economia afunilada e dependente do turismo. E mesmo assim o governo continua a não ver a economia como prioridade. Parece não lhe custar muito pôr em perigo todo o sector turístico para conseguir recursos e minorar problemas de tesouraria. Com tais atitudes não espanta que as dificuldades do país venham da quebra de donativos e de outras transferências externas e não dos efeitos da contracção da procura mundial sobre a actividade económica local e as exportações, como acontece noutras paragens. A impreparação para os novos tempos é visível na gestão calamitosa do sector de energia e água. Também se nota na insegurança que grassa e coloca a ilha turística do Sal no segundo lugar de crescimento da criminalidade. E é cada vez mais evidente na educação de qualidade duvidosa e na estrutura de saúde pouca adequada às novas necessidades da população e às exigências de um país que quer receber centenas de milhares de turistas por ano. Mesmo no que respeita às novas infraestruturas construídas com endividamento externo é a própria ministra de finanças a reconhecer que o modelo de governação dos últimos dez anos e quinze anos não se adequa. Interessante será ver quando poderão gerar crescimento económico para, segundo a ministra, se poder dizer “se tomamos (ou não) uma má decisão”. Os caboverdianos esperam ver crescimento económico robusto, mais emprego de qualidade e oportunidades para o futuro. O governo entra em contra corrente com as necessidades da população quando a sua atenção está na atracção de donativos e outros fluxos externos que controla e não na construção da economia nacional. Pior ainda quando se mostra disposto a correr riscos com certos sectores simplesmente para arrecadar mais receitas.

quarta-feira, novembro 14, 2012



Editorial Nº 572 • 14 de Novembro de 2012
Dar o dito por não dito

A promessa do 13º mês várias vezes repetida antes das eleições legislativas foi considerada anteontem pelo Primeiro-ministro Dr. José Maria Neves “de todo impossível” de ser cumprida. A Ministra de Finanças, em entrevista, também dá a questão do 13º mês como ultrapassada. Mas enquanto o PM culpa a crise internacional, fazen­do por ignorar que ela já vem de 2008, a Ministra é peremptória: “a única maneira do Governo considerar essa possibilidade seria se o país crescesse acima dos 15%”.Como nunca o País atingiu essa taxa e quando se fez a promessa já se sabia que o governo não iria atingir a meta dos dois dígitos na legislatura, fica evidente que à partida não havia intenção de a cumprir.
Governar é cada vez mais “prometer” do que “realizar”. A ênfase é colocado nas intenções iniciais e também nos meios mobilizados enquanto os resultados das políticas e da actuação governamental são esquecidos ou preteridos. No processo o princípio fundamental da democracia, que é responsabilização e prestação de contas dos governantes à nação e aos seus órgãos representativos, fica altamente beliscado. Sucedem-se situações várias de “dar o dito por não dito” num jogo de gato e rato que exausta e fragiliza as instituições, aliena os cidadãos e favorece o cinismo na vida política.
O Orçamento de 2013 foi apresentado e dele todos esperam um maior peso dos impostos. O próprio Governo conta com aumentos de quase seis milhões de contos nas receitas. Isso parece não impedir a ministra de finanças de afirmar que não há aumentos no IVA mas sim convergência para os 15% com o fim da majoração da gasolina e do gasóleo e da minoração da electricidade, água, telecomunicações e transportes. Implícito no raciocínio estaria que todo o exercício não resultaria em mais carga fiscal. A realidade que ela própria relata é que a electricidade produzida vai ficar 5% mais cara e água 8%. Os consumidores ainda acrescentam aos novos preços mais 15% do IVA. A coroar o “bolo” vem a taxa de iluminação pública. Não estranha pois que mesmo em período de crescimento raso de 4,3 e 4,4 % o governo tenha a expectativa de aumentar as receitas cobradas em 18,5%.
O jogo de palavras para confundir os contribuintes não fica por aí. Todos os pretextos parecem ser bons para o Estado adiar a restituição do IUR e do IVA. Entre as desculpas figuram detecção de casos de evasão e fraude, soluções informáticas de devolução directa, que le­vam um ano e meio a ser encontradas, e repartições de finanças cada uma a interpretar a lei fiscal à sua maneira. Tudo em nome da justiça tributária, como assegura a ministra. Entretanto como o próprio rela­tório do OE 2013 confirma (pg 55) o Estado durante estes anos todos continua a financiar-se de forma gratuita à custa particularmente dos contribuintes dos dois escalões mais baixos.
A opção do governo na procura do equilíbrio das contas é pelo aumento das receitas. O corte nas despesas verifica-se essencialmente no orçamento de investimento porque não há vontade política para se mexer significativamente nas despesas de funcionamento. Face a isso e na falta de uma base tributária maior, porque o emprego não aumen­tou e o sector privado nacional não prosperou apesar das centenas de milhões de euros investidos nas infra-estruturas, resta “espremer” o que já existe: os trabalhadores e empresas do sector formal.
Focalizado na procura de mais receitas o governo parece não se preocupar muito se, com as vias utilizadas (aumento do IVA, cria­ção de outras taxas, administração pública obtusa) sectores como o turismo perdem competitividade, empresas tornam-se inviáveis e muitos trabalhadores perdem o emprego. Reina uma visão de curto prazo. Fica-se com a impressão que se está aguentar até que apareça mais um cheque de Bruxelas ou de outro sítio em resposta à política de “país útil” que se quer vender à comunidade internacional.
A antecipar as dificuldades do próximo ano a ministra de Finanças procura desmentir que alguma vez proclamou que Cabo Verde estaria blindado à crise internacional. Mas essa é a percepção geral e não surge do nada. Segundo a Lusa, em Maio de 2009 em Dakar, declarou que Cabo verde “está pronto” para enfrentar a crise internacional e os usos sucessivos do termo blindado em relação à crise serviram para consolidar a ideia. O PAICV beneficiou dessa imagem. Não se pode agora dar o dito por não dito porque se tornou evidente que era de facto uma ilusão, como aliás tantas outras promessas.
A Direcção


quarta-feira, novembro 07, 2012

Reeleição: Obama merece e América e o Mundo precisam



Nº 571 • 07 de Novembro de 2012
Editorial: Reeleição: Obama merece e América e o Mundo precisam
Barack Obama foi reeleito presidente dos Estados Unidos da América. Se formos julgar pelo número de jornais e revistas liberais e conservadores, da direito e da esquerda que apoiaram e subscreveram a sua candidatura, nalguns casos relutantemente, pode-se concluir que o mundo suspirou de alívio com a sua eleição. A perspectiva da ter um presidente fortemente condicionado pelas alas mais extremistas do partido republicano não era nada atractiva. Significaria a real possibilidade de a América vir a espelhar as políticas de austeridade da Europa. Com o mundo sofrendo as agruras da crise internacional tais políticas constituiriam um golpe profundo na já frágil recuperação da economia americana e, por arrastamento, na dinâmica global. Difícil seria de prever em 2008, a meio da explosão mundial de entusiasmo que acolheu a eleição de Obama, que quatro anos depois teria de fazer uma corrida eleitoral renhida para voltar a conquistar a confiança dos americanos. Mas aconteceu. Muito já se escreveu ou se disse sobre as razões por que os americanos, e também um pouco por todo o mundo, as esperanças postas no presidente Obama acabaram por esmorecer. Talvez os tempos excessivos vividos onde pontificam a maior crise económica e financeira desde a grande depressão dos anos trinta do século vinte e o envolvimento da América em duas guerras tenham sido desafios tão complexos que não se prestam a reviravoltas espectaculares. Há um sucesso estrondoso na contenção dos efeitos negativos da crise. Mas como salienta Martin Wolf do Financial Times crises financeiras dão lugar a retomas lentas. Olhando para os dados do emprego, a impressão que se fica é que não se está a fazer o suficiente. È esta percepção que é agarrada pelos republicanos para, sem assumirem a sua responsabilidade no eclodir da crise, acusar Obama de ser incapaz de imprimir dinâmica maior à economia americana. Para qualquer observador de fora, parece espantoso que muitos caíssem nesse discurso que pouca ligação tem com os factos. Realmente os factos não mentem. Nos quatro anos da sua presidência, Obama impediu que a grande depressão se repetisse com medidas designadamente de estímulo à economia em mais de 800 bilhões de dólares, de resgate da indústria automobilística, e de recolocação dos bancos em bases mais sustentáveis. Fez aprovar um plano de saúde que integrou mais de 30 milhões de americanos que não tinham qualquer protecção. Terminou a intervenção americana no conflito do Iraque e estabeleceu um plano de retirada das tropas do Afeganistão. O desemprego está abaixo dos 8% e a economia dá sinais claros de retoma. Por isso é que as razões para o fracasso de Obama em mobilizar a opinião pública e que quase lhe custou a presidência encontram-se na sua relutância em passar com necessário vigor a sua mensagem e a alguma inabilidade em fazer sobrepor a sua narrativa à dos republicanos. Obama falhou em situar e em defender as suas políticas, dando-lhes contexto e integrando-as numa narrativa que explicasse os tempos vividos e assacasse a devida responsabilidade aos republicanos pela crise, pelas guerras inúteis e pela enorme perda de prestí- gio e imagem no mundo que herdou da administração anterior. Na América todos puderam presenciar o drama do presidente Obama a confrontar um partido rico, funcionando com um fervor que lembra seitas sectárias e disposto a sacrificar a verdade dos factos para se manter no poder. Ainda bem que acabou bem. Dramas similares são vividos noutros países onde a pressão eleitoralista e ganhos de curtos prazo transformam a governação praticamente em actos de marketing político e relações públicas. Cinismo e hipocrisia imperam e a narrativa do partido no governo é impiedosa e sistematicamente passada. Experiências do género designadamente na Europa têm sido terminadas por eleitorado subitamente conscientes de que o futuro estava a ser comprometido. A vitória de Obama vai trazer esperança que, não obstante a desproporção dos meios, a desonestidade e a fúria messiânica, a verdade acabará por triunfar. E que o sonho de uma sociedade inclusiva, que a todos dê oportunidade de sucesso e amparo aos vulneráveis, é realmente possível.