Um estudo recente de opinião do Centro de Investigação de Gestão
da Lusófona deixa transparecer a forma desconcertante como os caboverdianos
continuam a encarar os resultados da governação actual do país. Nos inquéritos
feitos dá-se maior nota à imagem de Cabo Verde projectada para o exterior
enquanto classificam como negativo a Economia e a Competitividade, as Finanças
Públicas, a Honestidade na gestão do governo, a Electricidade, a Água e o
Emprego e Formação Profissional. Parece não haver qualquer ligação entre a
imagem do país e o que normalmente deveriam ser os seus pressupostos. E o
governo não ainda é suficientemente penalizado pela falta de perspectivas e de
emprego a curto e médio prazo.
A aparente dissonância
cognitiva é resultado directo da forte propaganda do Estado. Veja-se o grande
alarido governamental e institucional que se segue a quaisquer boas
referências ou ajudas vindas do exterior. A propaganda, porém, só tem o eco
desejado porque se incutiu na população a importância central da ajuda externa
para a sobrevivência do país.
Durante décadas a fio
promoveu-se uma economia com base na reciclagem de donativos e empréstimos
concessionais. Para a relação com o mundo importava ser .credível e útil.ficando em segundo plano a construção de uma base produtiva e de prestação de
serviços. Vivendo da generosidade dos outros e sem suporte próprio e autónomo
abriu-se o caminho para o paternalismo do Estado e dos governos e para o conformismo
da população. A falta de dinâmica interna não permite às pessoas sonhar com
rendimentos e qualidade de vida de acordo com a motivação, energia e
criatividade que consigam mobilizar individualmente ou em empresas. Têm que
ajustar as suas expectativas de progresso ao que o governo consegue extrair da
comunidade internacional.
Em tal ambiente fica evidente
que dificilmente se desenvolve uma cultura de responsabilização do governo. A
tendência geral é para cada um procurar situar-se de forma a retirar o máximo
do sistema. O governo por seu lado reforça a sua legitimidade extrapolando o
seu papel em manter os fluxos externos. Na democracia com os ciclos eleitorais
periódicos, a vontade de se manter no poder torna a propaganda mais intensa e
permanente. No processo sorve recursos significativos do Estado, mina o
pluralismo e reforça o espírito dependente dos cidadãos.
Passam os anos e torna-se
cada vez mais difícil encontrar caminhos para a sustentabilidade futura ao
país. De passagem, desperdiçam-se oportunidades, gastam-se energias e
frustram-se ambições no embate com um sistema, com uma cultura e com pessoas
que só se revêem no modelo de uma economia de renda. E ninguém podia ignorar
que tal modelo um dia iria acabar.
Hoje o governo pretende
escudar-se na crise internacional para justificar a diminuição de donativos e
o fim do acesso dos empréstimos concessionais. Mas isso há muito que fora
anunciado. Como não aconteceu a transformação que há mais de uma década vem
apregoando, não há investimento e exportações que substituam as transferências
externas. Sente-se no dia-a-dia a perda de dinâmica de vários sectores de
actividade. Mas as acções de propaganda continuam e o governo não parece
incomodar-se mesmo quando a incompetência bate à porta da sua máquina de
arrecadar receitas.
O governo continua a
classificar de profetas de desgraça e de pessimistas quem lhe propõe outros
caminhos para a sustentabilidade do país que não a vã procura de novos
doadores. E insiste em manter o país preso à ilusão de que de alguma forma
saberá mobilizar recursos para substituir os perdidos. A cobertura mediática
das viagens recentes do Primeiro-Ministro à China e a Singapura visou
precisamente isso. As múltiplas declarações do PM desde o convite feito por
Obama a quatro países africanos incluindo Cabo Verde só se justificam com
tendência de fazer de toda a comunicação do governo propaganda.
Há que mudar. Há que
confrontar os atrasos estruturais e encontrar caminhos para uma dinâmica de
sustentabilidade do país. Há que o fazer em diálogo honesto com a população e
num contraditório útil e respeitoso com as forças da oposição e a sociedade
civil.
Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 27 de Março de 2013