O estado de emergência foi prolongado por mais 15
dias a partir do dia 18 de Abril, mas agora com alguma flexibilidade
dependendo das ilhas, no que respeita às exigências do confinamento e à
duração do mesmo. O surto de casos da Covid-19 constatados no dia 14 na
ilha da Boa Vista em que, de um dia para o outro, o número de
confirmados passou de 11 para 56 certamente que terão contribuído para a
decisão do Presidente da República em declarar o estado de emergência.
Porém,
os quinze dias estabelecidos para o prolongamento do período de
excepção poderão, porém, vir a demonstrar-se insuficientes. Algo mudou. O
sucesso aparente com que as autoridades vinham gerindo o avanço da
pandemia em Cabo Verde foi posto em causa. À erupção de casos na Boa
Vista seguiu-se um novo surto na Cidade da Praia, em parte com raízes
nessa ilha turística. A dinâmica de casos na capital nos três últimos
dias sugere um agravamento da Covid-19 que, a continuar, irá pôr à prova
como nunca antes o sistema de saúde do país no que respeita à qualidade
e à resiliência dos seus recursos e também à capacidade psicológica,
humana e material das pessoas. E isso, face à adversidade inesperada,
temível e sem fim em vista.
O que aconteceu no Hotel Riu Karamboa faz lembrar a odisseia do navio cruzeiro Diamond Princess até ser autorizado a entrar no porto de Yokohama no Japão. Em plena viagem foram identificados dez casos de infecção pelo coronavírus. Quando finalmente desembarcaram os passageiros 700 pessoas estavam infectadas. A quarentena tinha falhado completamente e o vírus pôde circular quase que à vontade porque não foram rigorosamente postas em prática as indispensáveis medidas de higiene, de distanciamento social e confinamento que a situação exigia. Algo semelhante ter-se-à verificado no hotel da Boa Vista. Por causa de um turista infectado e posterior descoberta de um trabalhador contaminado 196 pessoas foram postas em quarentena. No fim do suposto confinamento de 25 dias, 45 foram descobertos com o coronavírus e posteriormente reconduzidos para isolamento, ficando os restantes em nova quarentena.
O problema é o hiato entre o momento em que os saídos do hotel foram para casa e o momento em que são chamados de volta pelas autoridades sanitárias. Ninguém sabe quantos mais foram infectados no intervalo em que estiveram com a família e amigos, possivelmente em festas e outras celebrações pela liberdade reconquistada. A partir daí o mais natural é recear-se pelo que poderá acontecer com a população em geral da ilha, a começar pelo bairro que a maioria habita. A ida e permanência por um total de 15 dias do Ministro da Administração Interna armado de novos poderes expressamente delegados pelo primeiro-ministro traduz a severidade da situação e a urgência em conter a transmissão do vírus. O aparecimento de casos na Praia ligados a pessoas infectadas na Boa Vista deixa saber que a contenção não está a ser perfeita e que efectivamente falhou, assim como tinha falhado a quarentena do Hotel Karamboa.
No assacar de responsabilidades os trabalhadores foram particularmente visados por alegadamente não terem seguidos as recomendações das autoridades. O facto, porém, é que levados para uma quarentena de quinze dias, algo correu mal e apareceram casos positivos e, na sequência, foram forçados a um novo confinamento que acabaram por cumprir em parte. Saíram para a comunidade com a autorização oficial sem que tivessem os resultados dos testes da Covid-19 que poucos dias antes tinham feito. Como aconteceu com o barco cruzeiro Diamond Princess parece evidente que a gestão da quarentena não foi a melhor. Pode-se culpabilizar as pessoas pelo comportamento e por não seguir as indicações dadas, mas não se pode descurar que a comunicação poderá não ter sido a melhor. A exemplo do que se passou noutros países, talvez não se tenha dado a devida atenção a muitas das crenças e preconceitos em relação à Covid-19 que muitos desenvolveram nestes meses da pandemia. Há quem pense, por exemplo, que a doença é dos brancos, dos velhos e dos climas frios.
Nos Estados Unidos tais crenças terão contribuído para algum descaso de elementos da comunidade afro-americana em relação às mensagens das autoridades sanitárias. Esse facto associado a outros factores estará, segundo alguns estudiosos, por detrás do número desproporcional de fatalidades entre os afro-mericanos nalgumas cidades, de cerca de 70% quando a comunidade compraz só cerca de 30% da população. Não é pois de espantar que jovens ou gente relativamente jovem não dê a devida atenção às recomendações. Pode-se ver nos dados do site covid19.cv que em Cabo Verde até agora os infectados pelo coronavírus são maioritariamente dos grupos etários dos vinte, trinta e quarenta anos. Há alguns teenagers e dois com mais de sessenta. Muitos são assimptomáticos, outros a doença não se tem tornado crítica e não há registo de mortes da Covid-19 para além do inglês.
A comunicação nestas condições encontra barreiras que têm de ser ultrapassadas para se conseguir o resultado que se quer de proteger os grupos vulneráveis e impedir que o sistema de saúde do país seja sobrecarregado com os casos mais graves da doença. Isso faz particular sentido no momento actual em que as autoridades já falam em transmissão comunitária. O coronavírus deixou de ser vírus importado ou de casos positivos encontrados em alguns trabalhadores de hotéis, na generalidade jovens e saudáveis, para ser agente de doença nos pais e avós e nas pessoas com doenças crónicas e outras debilidades com consequências gravosas. É preciso que se tenha bem presente a nova etapa que se está a entrar na luta contra a pandemia e o efeito que pode ter nas pessoas, na sociedade e no país.
Combater eventual pânico que poderá surgir exigirá que se reforçe a confiança das autoridades na luta contra a pandemia. Erros cometidos devem ser reconhecidos e assumidos. Mais competência científica, estratégica e executiva deve ser mobilizada. Espera-se mais proactividade na identificação de casos e no desmantelamento de cadeias de contágio. A comunicação deve ser melhorada para conseguir colaboração da população em particular dos mais novos e evitar depender exageradamente de medidas coercivas para atingir os objectivos de distanciamento social e confinamento dos mais vulneráveis. Finalmente, porque não se aproveitaram as medidas de excepção para conter a pandemia é que a transmissão comunitária está a acontecer, pelo menos em duas ilhas, de forma abrupta e potencialmente perigosa. Complacência, falta de autoridade e falta de sensibilidade no tratamento das situações prejudicaram as populações e o país em situações críticas no passado. Não se queira que isso venha acontecer quando o que está em jogo é a própria vida.
O que aconteceu no Hotel Riu Karamboa faz lembrar a odisseia do navio cruzeiro Diamond Princess até ser autorizado a entrar no porto de Yokohama no Japão. Em plena viagem foram identificados dez casos de infecção pelo coronavírus. Quando finalmente desembarcaram os passageiros 700 pessoas estavam infectadas. A quarentena tinha falhado completamente e o vírus pôde circular quase que à vontade porque não foram rigorosamente postas em prática as indispensáveis medidas de higiene, de distanciamento social e confinamento que a situação exigia. Algo semelhante ter-se-à verificado no hotel da Boa Vista. Por causa de um turista infectado e posterior descoberta de um trabalhador contaminado 196 pessoas foram postas em quarentena. No fim do suposto confinamento de 25 dias, 45 foram descobertos com o coronavírus e posteriormente reconduzidos para isolamento, ficando os restantes em nova quarentena.
O problema é o hiato entre o momento em que os saídos do hotel foram para casa e o momento em que são chamados de volta pelas autoridades sanitárias. Ninguém sabe quantos mais foram infectados no intervalo em que estiveram com a família e amigos, possivelmente em festas e outras celebrações pela liberdade reconquistada. A partir daí o mais natural é recear-se pelo que poderá acontecer com a população em geral da ilha, a começar pelo bairro que a maioria habita. A ida e permanência por um total de 15 dias do Ministro da Administração Interna armado de novos poderes expressamente delegados pelo primeiro-ministro traduz a severidade da situação e a urgência em conter a transmissão do vírus. O aparecimento de casos na Praia ligados a pessoas infectadas na Boa Vista deixa saber que a contenção não está a ser perfeita e que efectivamente falhou, assim como tinha falhado a quarentena do Hotel Karamboa.
No assacar de responsabilidades os trabalhadores foram particularmente visados por alegadamente não terem seguidos as recomendações das autoridades. O facto, porém, é que levados para uma quarentena de quinze dias, algo correu mal e apareceram casos positivos e, na sequência, foram forçados a um novo confinamento que acabaram por cumprir em parte. Saíram para a comunidade com a autorização oficial sem que tivessem os resultados dos testes da Covid-19 que poucos dias antes tinham feito. Como aconteceu com o barco cruzeiro Diamond Princess parece evidente que a gestão da quarentena não foi a melhor. Pode-se culpabilizar as pessoas pelo comportamento e por não seguir as indicações dadas, mas não se pode descurar que a comunicação poderá não ter sido a melhor. A exemplo do que se passou noutros países, talvez não se tenha dado a devida atenção a muitas das crenças e preconceitos em relação à Covid-19 que muitos desenvolveram nestes meses da pandemia. Há quem pense, por exemplo, que a doença é dos brancos, dos velhos e dos climas frios.
Nos Estados Unidos tais crenças terão contribuído para algum descaso de elementos da comunidade afro-americana em relação às mensagens das autoridades sanitárias. Esse facto associado a outros factores estará, segundo alguns estudiosos, por detrás do número desproporcional de fatalidades entre os afro-mericanos nalgumas cidades, de cerca de 70% quando a comunidade compraz só cerca de 30% da população. Não é pois de espantar que jovens ou gente relativamente jovem não dê a devida atenção às recomendações. Pode-se ver nos dados do site covid19.cv que em Cabo Verde até agora os infectados pelo coronavírus são maioritariamente dos grupos etários dos vinte, trinta e quarenta anos. Há alguns teenagers e dois com mais de sessenta. Muitos são assimptomáticos, outros a doença não se tem tornado crítica e não há registo de mortes da Covid-19 para além do inglês.
A comunicação nestas condições encontra barreiras que têm de ser ultrapassadas para se conseguir o resultado que se quer de proteger os grupos vulneráveis e impedir que o sistema de saúde do país seja sobrecarregado com os casos mais graves da doença. Isso faz particular sentido no momento actual em que as autoridades já falam em transmissão comunitária. O coronavírus deixou de ser vírus importado ou de casos positivos encontrados em alguns trabalhadores de hotéis, na generalidade jovens e saudáveis, para ser agente de doença nos pais e avós e nas pessoas com doenças crónicas e outras debilidades com consequências gravosas. É preciso que se tenha bem presente a nova etapa que se está a entrar na luta contra a pandemia e o efeito que pode ter nas pessoas, na sociedade e no país.
Combater eventual pânico que poderá surgir exigirá que se reforçe a confiança das autoridades na luta contra a pandemia. Erros cometidos devem ser reconhecidos e assumidos. Mais competência científica, estratégica e executiva deve ser mobilizada. Espera-se mais proactividade na identificação de casos e no desmantelamento de cadeias de contágio. A comunicação deve ser melhorada para conseguir colaboração da população em particular dos mais novos e evitar depender exageradamente de medidas coercivas para atingir os objectivos de distanciamento social e confinamento dos mais vulneráveis. Finalmente, porque não se aproveitaram as medidas de excepção para conter a pandemia é que a transmissão comunitária está a acontecer, pelo menos em duas ilhas, de forma abrupta e potencialmente perigosa. Complacência, falta de autoridade e falta de sensibilidade no tratamento das situações prejudicaram as populações e o país em situações críticas no passado. Não se queira que isso venha acontecer quando o que está em jogo é a própria vida.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 960 de 22 de Abril de 2020.