sexta-feira, novembro 06, 2015

Democracia Autoritária



Vinte e seis anos após a queda do Muro de Berlim (9 de Novembro de 1989) assiste-se à emergência do que alguns já chamam de democracias autoritárias. A Terceira Vaga da Democracia que, a seguir a queda do Muro e do império soviético tinha feito desaparecer regimes totalitários e autoritários em todos os continentes num processo tão rápido e tão fatal que já foi chamado de “extinção leninista”, parece ter perdido o ímpeto. Putin na Rússia e Erdogan na Turquia são dois exemplos notórios de como a experimentação democrática iniciada nos anos noventa tem sofrido nos últimos anos uma deriva autoritária. O mesmo já está a acontecer na Hungria e poderá vir a verificar-se na Polónia na sequência das eleições da semana passada. Constatam-se nessas sociedades um domínio dos mídias por um partido, normalmente pela via da autocensura, uma disponibilidade do poder em manipular a seu favor situações de conflito, o exacerbar do nacionalismo e de questões identitárias e uma disposição das autoridades em pôr em causa o primado da lei. A democracia nessas condições não passa de uma mera fachada. 
Vários factores podem estar na origem dessas derivas. Desde logo, a fragilidade das instituições democráticas que para se consolidarem têm uma luta tremenda a travar contra a cultura política iliberal herdada dos regimes anteriores. Também o facto de a sociedade civil que na maior parte das vezes é incipiente ter dificuldades em se afirmar, enfrentando em muitos casos um Estado ainda cioso do seu domínio sobre a vida económica, social e cultural do país. A coroar todos esses constrangimentos convive-se mal com a ideia da igualdade de todos perante a lei e com a exigência de que o Estado deve subordinar-se às leis e prestar contas. Se não houver uma evolução positiva da sociedade e da economia que contrarie a acção desses factores, tarde ou cedo haverá uma inflexão no processo de consolidação democrática e as portas ficarão abertas para cenários mais ou menos autoritários e de partidos hegemónicos. Já está a acontecer em vários países e nenhuma democracia, em particular as mais recentes, está livre de uma involução similar.
Cabo Verde já vai com 15 anos de governo de um mesmo partido. Em si mesmo não é um mal, até porque não há nenhum impedimento constitucional, mas sabe-se que mesmo em países com forte tradição democrática a falta de alternância política aumenta o risco das instituições serem afectadas negativamente. Prejudicadas são, de imediato, a isenção e a imparcialidade exigidas à função pública. Segue-se a partidarização da administração pública. Se havia dúvidas disso as questões à volta do Fundo do Ambiente são elucidativas.
A longa estadia no governo enfraquece os mecanismos de responsabilização. Assiste-se permanentemente a uma espécie de batalha campal entre forças da oposição e vozes da sociedade, por um lado, e o governo, pelo outro, para apurar responsabilidades em qualquer matéria. Perante algo que corra mal seja um naufrágio, relocalização de pessoas no Fogo, morte de gado, alocação de fundos autónomos ou problemas na TACV ninguém quer assumir responsabilidade. O governo tem uma particular forma de resposta sempre que confrontado. Segue uma espécie de rotina: começa por declarar que a responsabilidade é de todos para logo acrescentar que o governo já fez a sua parte e que toda ela está bem feita. Não explica porquê há maus resultados, mas sente-se o aumento da crispação política à volta da questão. Invariavelmente o governo que saiu há quinze anos atrás é trazido à baila e acaba por ser culpabilizado pelos problemas de hoje. O efeito é duplo sobre a sociedade. As pessoas aprendem a calar-se para não serem identificadas com a oposição. Por outro lado, constatam que, para quem tem Poder, a lei e as regras estabelecidas não têm que ser cumpridas. Os ganhos para a paz e justiça que o Estado de Direito democrático promete esfumam-se por ai. Inevitáveis são os estragos no tecido social e na confiança entre as pessoas.
Há quem argumente que uma democracia mais autoritária na linha de Singapura ou do Ruanda pode acelerar o desenvolvimento. O problema é que para cada caso do tipo Ruanda há múltiplos casos do tipo Zimbabwe em que o desenvolvimento continua uma miragem. No caso de Cabo Verde em que a preocupação central do governo é com o controlo e a manutenção do poder, dificilmente qualquer deriva autoritária podia compensar ou legitimar-se em ganhos de crescimento, bem-estar e desenvolvimento para todos. Não se iria fazer a aposta nos ingredientes necessários para isso: a autonomia das pessoas, a iniciativa individual e o respeito escrupuloso pela lei.
 Preocupante é notar o uso de outros ingredientes designadamente os nacionalistas e identitários para ganhos políticos. O Estado até parece que já adoptou uma ideologia oficial pela frequência com que Amílcar Cabral é referenciado nas intervenções do primeiro-ministro e de outras entidades oficiais. A insistência na ideologia de libertação e a secundarização da liberdade e da democracia na hierarquia de valores não deixa de criar uma tensão permanente com a Constituição cujos princípios, baseados na defesa da dignidade humana, são frontalmente opostos. Tais desenvolvimentos não constituem um bom augúrio para o futuro da democracia principalmente se um quarto mandato consecutivo vier a precipitar um quadro hegemónico de poder.

Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 4 de Novembro de 2015 

sexta-feira, outubro 30, 2015

Objecto ou sujeito?



Já há muito que se tornou evidente que crispação política, excessiva polarização partidária e pressão política directa sobre indivíduos e grupos sociais são os maiores constrangimentos à participação cidadã em Cabo Verde. O ambiente de crispação inibe intervenções de qualquer natureza na esfera pública, designadamente as cívicas e académicas. A polarização partidária exacerbada pela actuação de um Estado e de uma administração pública por todos reconhecida como partidarizada não deixa muito espaço para a sociedade civil respirar. A pressão política no dia-a-dia convida ao conformismo, ao desenvolvimento do clubismo político e à contenção na expressão de opiniões.
Todos esses factores convergem para dissuadir as pessoas de exercerem a sua cidadania de forma livre e plena. Afectadas são também os “media” cuja missão é informar e provocar intercâmbio de ideias na sociedade. O impacto é ainda sentido por exemplo nas organizações associativas que procuram criar para si espaços próprios e autónomos de convivência, de participação cívica e de solidariedade e vêem-se sujeitas a pressões de várias espécies. A questão que se coloca é se a situação actual corresponde a alguma etapa no processo evolutivo da democracia cabo-verdiana ou se é algo que é deliberadamente reproduzido para potenciar ganhos políticos.
Se se assume que é uma etapa, alguma vontade poderá ser criada para a ultrapassar. Mas se, como é o caso, há satisfação oficial das autoridades com a realidade do momento, o mais provável é que se queira mantê-la e reproduzi-la ao longo do tempo. De facto, nota-se que muito da acção política é dirigida para manter a crispação. Todos os dias descobrem-se novos pontos de fractura que permitem identificar quem é “nós” e quem são “eles”. Tudo parece servir para isso, Amilcar Cabral, barragens, Chã das Caldeiras e até a própria chuva. No mesmo sentido vai o esforço de rotulagem política. Ao tentar abarcar todos, inibe muitos particularmente os interventivos. Passa a ser uma arma e uma forma de calar os críticos.
Na corrida para o desenvolvimento, há uma opção fundamental que países e governos devem fazer. Se fazem dos seus cidadãos objectos passivos das políticas e acções estatais ou se os colocam em posição de sujeitos do seu próprios desenvolvimento, armados da sua criatividade, energia e vontade de prosperar. No primeiro caso, o Estado gere grande parte da economia nacional incluindo a ajuda externa e empréstimos para garantir algum rendimento e levar benefícios diversos às populações mas os resultados são típicos de países que vivem de rendas, ou seja, crescimento baixo, desemprego e futuro precário. Um custo associado é o autoritarismo crescente do Estado, as limitações no exercício da cidadania e o lastro que se acumula enquanto o assistencialismo e outras formas de dependências efectivamente corroem a vontade e a energia da nação.
No segundo caso que é dos países que conseguiram realizar um desenvolvimento sustentado é mais do que claro a importância da liberdade, do exercício de uma cidadania plena e das condições institucionais para que cada indivíduo esteja em posição de dar o maior de si próprio para a sua prosperidade e a da sua família e contribuir para a riqueza nacional. Os governos nesses casos são avaliados pelo que podem disponibilizar às pessoas para que elas próprias possam produzir, criar e realizar. O processo político aí tem um papel muito claro: perante uma realidade sempre em transformação deve poder encontrar soluções novas e inovadoras, corrigir erros, e assumir e exigir responsabilidades. Evita-se por isso a crispação política, a excessiva polarização partidária e o intervencionismo estatal que só dificulta e aumenta custos e coarcta a iniciativa das pessoas.
Os acontecimentos da semana passada vêm lembrar como ainda em Cabo Verde está-se longe do modelo e da atitude que noutras paragens provaram que podem levar ao desenvolvimento. Continuam as cerimónias oficiais de entrega de casas, no quadro do programa “Casa Para Todos”, com rendas resolúveis a partir de 750 escudos por 25 anos para apartamentos que custaram mais de 2 mil contos. O debate sobre a situação da justiça e a interpelação sobre o fundo do ambiente evidenciaram mais uma vez a inquietante tendência do governo em não responsabilizar-se por nada, em não reconhecer quaisquer falhas e em não proceder de forma a corrigir eventuais erros. A campanha movida nas redes sociais por destacados activistas do PAICV contra a comentarista da TCV e colunista do Expresso das Ilhas, Rosário da Luz, mais uma vez mostrou as marcas de quem não quer cidadãos interventivos e críticos na esfera pública. A decisão da TCV em dispensá-la na sequência dessa campanha deixa a impressão forte e inquietante de que tais acções são efectivas.
Já devia ser evidente que é um erro grave e insustentável manter os cidadãos como simples objecto das políticas do Estado. Acaba-se sempre por ferir a liberdade e a democracia e o país não prospera como devia. Só quem se rege pelo desejo absoluto do poder é que insiste nesse caminho. Legitimidade e vitória nas urnas devem ser ganhas não pela via restritiva do condicionamento da vontade política mas sim pela capacidade de produção de soluções inovadoras em ambiente de competição livre de ideias e projectos de futuro e em que restrições à cidadania plena não existam.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 28 de Outubro de 2015

sexta-feira, outubro 23, 2015

Governar com boa-fé



Faz impressão observar semana após semana a movimentação pelas ilhas do primeiro-ministro José Maria Neves, acompanhado de dois, três ou mais ministros a mostrar obras, a inaugurar obras e a prometer obras. Santo Antão foi a escolhida na semana passada. Coincidência conveniente, a ilha foi também palco de uma sessão da abertura do novo ano político do partido no governo. Considerando a intensidade dos eventos programados, imagine-se os gastos em tempo, meios e recursos do Estado para criar o ambiente de euforia e de festa. Pena que depois dessas passagens fulgurantes ficam as simples constatações dos agricultores quando lamentam:“Com toda a água que está a ser mobilizada em Santo Antão, com toda esta produção agrícola, o que é que vamos fazer com os produtos, se não temos mercado”. É que a ilha, depois de milhões de contos gastos, continua a perder população, a aumentar os níveis de pobreza e a ser incapaz de criar uma base sólida de crescimento.  
Governos enamoram-se das obras mesmo quando não dão os resultados pretendidos ou não produzem o prometido efeito de arrastamento na economia. É difícil resistir aos seus encantos. A obra parece sonho realizado, é sólida e não poucas vezes grandiosa. Só que  frequentemente fica aquém do que com entusiamo se disse do seu potencial no dia da inauguração. Despois de seiscentos milhões de contos de investimento em obras e infraestruturas nos últimos quinze anos, Cabo Verde não tem muito a mostrar quanto ao crescimento económico, diversificação da economia e criação de emprego. Nos últimos anos a economia nacional tem ficado por níveis de crescimento médios abaixo dos 2 % e não há muitas razões para acreditar que será muito melhor no futuro, tendo em conta o seu nível de endividamento público e a falta de competitividade externa da sua economia. Para conter o défice orçamental e travar o crescimento da dívida pública vem-se reduzindo drasticamente os investimentos públicos.
Com o investimento público a cair e o investimento privado inibido, entre outras razões, pela percepção de riscos macrofinanceiros, dificilmente a economia poderá trilhar o caminho rumo à prosperidade que o PM insiste em prometer para 2030. O problema é que, mesmo com os resultados tão longe das expectativas criadas, o discurso político não muda, a actuação do governo continua a seguir o seu caminho imperturbável e as promessas para o futuro assemelham-se demasiado com as que já tinham sido feitas no passado. É como se ninguém tivesse aprendido nada com as experiências anteriores ou retirado qualquer ilação da metodologia seguida em fazer as opções, na definição de prioridades e no encadeamento de medidas e políticas que aumentariam a probabilidade de sucesso e de satisfação das expectativas criadas.
A história comparada de várias economias mostra que não há uma fórmula certa e única para se criar a riqueza das nações. De entre os vários factores que concorrem para o sucesso na consecução desse objectivo destacam-se a qualidade das instituições e das infraestruturas. Mas enquanto governar para criar o ambiente institucional adequado não é tarefa muito glamorosa e está sempre sujeita à resistência de interesses escondidos, já governar com olhos postos em obras  pode constituir uma tentação fatal. A diferença de percursos, por exemplo, de Portugal e Irlanda antes e depois da crise é revelador das consequências da governação num e noutro sentido. Menos dotada de infraestruturas mas com instituições de maior nível, a Irlanda soube crescer depressa antes da crise e rapidamente reiniciou a retoma depois dela. Portugal com infraestruturas de última geração não viveu a dinâmica que se aproximasse da do Tigre Celta mesmo no tempo das vacas gordas e ainda está por recuperar da crise. Em Cabo Verde a aposta no betão, além de não ter produzido um efeito de arrastamento na economia que se traduzisse em crescimento económico, deixou de rastos o sector privado nacional, em particular o sector da construção civil. A atenção nas obras não deixou que se tomassem as medidas certas e tempestivas para melhorar o ambiente de negócios e a competitividade de Cabo Verde.
Continuar a prometer obras e infraestruturas da mesma forma como se fez no passado recente tem agora um problema adicional. Cabo Verde provavelmente já ultrapassou o limite da dívida e não pode endividar-se mais. As promessas de mais obras dispendiosas nestas condições não são totalmente honestas. Insistir nessa forma de fazer política além de criar mais frustração leva as pessoas a se conformarem com o que tomam como declínio inevitável da sua cidade ou da sua ilha. Já se sente isto em vários pontos do país. É uma realidade que gera muito ressentimento, abre caminho para políticas de vitimização e não deixa que as pessoas vejam a causa real dos seus problemas e se prontifiquem para agir em consequência. 
A próxima campanha eleitoral que vai ter como pano de fundo um contexto nacional e internacional difícil devia ser aproveitada para se resgatar a prática da governação honesta. Propaganda e actos de ilusionismo não devem ser a principal interface da relação dos governantes com os cidadãos e com a sociedade em geral.

Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 21 de Outubro de 2015

domingo, outubro 18, 2015

Humberto Cardoso: “É imperativo que o PAICV perca as eleições”

A ida do PAICV para a oposição talvez seja uma chance de o país se modernizar e abandonar definitivamente o lastro dos anos de independência. A análise é de Humberto Cardoso, para quem Cabo Verde está numa encruzilhada e o futuro do país depende muito do desfecho das próximas eleições. Por isso, diz o Deputado, é imperativo que o PAICV perca as eleições e o MpD tenha a possibilidade de colocar outra vez Cabo Verde no caminho do crescimento económico e do desenvolvimento sustentado capaz de debelar o desemprego e a pobreza e trazer esperança renovada para todos. A relação da sociedade cabo-verdiana com os partidos políticos, crise de representação, o fenómeno Mac# 114 e o significado das eleições de 2016 são outros tópicos desta entrevista.


                                                                                                                            André Amaral

Expresso das Ilhas – Como perspectiva  o novo ano político?
Humberto Cardoso – O ano político que se inicia promete ser um ano político especial. Vai ser um ano de todas as eleições: legislativas, autárquicas e presidenciais. A possibilidade de alternância em todos os órgãos de poder político vai mobilizar a atenção e muita energia de toda a sociedade. As legislativas, em particular porque decidem quem governa, serão bastante disputadas. A situação de Cabo Verde preocupa toda a gente. Todos querem saber como vamos sair da situação de quase estagnação económica, do muito desemprego existente e da crescente desigualdade social. Sem falar da pesada dívida pública que diminui consideravelmente a possibilidade de o Estado imprimir algum dinamismo através do investimento público.  Os partidos políticos, com toda a sua máquina de campanha, vão estar bastante activos com os seus projectos de governo a construir vontade política favorável e a mobilizar votos. Teremos ocasiões de alguma tensão e às vezes de maior crispação política do que o habitual, mas isso é próprio das democracias. Os   momentos eleitorais são acompanhados de uma forte polarização da sociedade. Depois volta-se ao normal da legislatura em que nos  próximos cinco anos de mandato há um governo e uma oposição democrática.

Como vê a relação da sociedade cabo-verdiana com os partidos políticos particularmente à luz dos acontecimentos do primeiro semestre deste ano em que muita coisa foi dita contra os políticos?
O MpD e o PAICV tiveram origem em momentos marcantes da história de Cabo Verde. Por causa disso têm raízes profundas, bases alargadas e mobilizam paixões. O que fundamentalmente os opõe são as suas diferentes narrativas que têm da história de Cabo Verde. Para o PAICV, o valor supremo é a independência. Os governos apresentam-se como paternalistas e sentem-se legitimados pelo que da ajuda internacional captam e distribuem privilegiando quem os seguiu, o que nos primeiros quinze anos pomposamente chamaram reconstrução nacional ou construção do Estado e nos últimos quinze anos chamam agenda de transformação. Curioso como no fim desses ciclos de quinze anos deixam o país numa, de facto, estagnação económica. Para o MpD, pelo contrário,  a independência só faz sentido com a liberdade e a democracia. De outro modo só existe opressão, sonhos não realizados e prosperidade não conseguida. Os anos 90 foram de crescimento rápido porque soltamos a economia das grilhetas do estatismo retrógrado, valorizamos a iniciativa privada e restauramos confiança na actividade económica com a afirmação do direito de propriedade, o estabelecimento do Estado de direito e a independência dos tribunais entre outras medidas. O quadro institucional, produto das reformas económicas, deixado pelo MpD após a saída do poder em 2001 ainda permitiu que alguma bonança vinda do boom internacional, que terminou em 2008, bafejasse Cabo Verde durante três anos. Depois foi a recessão de 2009 e o crescimento anémico, não obstante os investimentos feitos com dinheiro conseguido de empréstimos que hoje colocam a dívida pública acima de 114% do PIB nacional. Como se pode ver claramente, são duas narrativas dificilmente reconciliáveis. Sendo eles os dois grandes partidos, e não havendo consenso sobre aspectos de fundo, surgem inevitavelmente crispações que acabam por afectar todo o ambiente político. Por exemplo, uma das narrativas requer que o povo seja eternamente grato e se conforme com o que vai tendo. Não assume os maus resultados e procura fazer todos responsáveis pelo que vai mal. Outra narrativa diz que a prosperidade sustentável é aquela que deriva da dinâmica pessoal, empresarial e nacional e não de ajudas ou dívida. E que a responsabilidade pela condução das políticas do Estado é obviamente do governo que tem a obrigação de prestar contas e responder pelas suas políticas. Uma das causas das dificuldades da sociedade na relação com os partidos políticos tem a ver com a sistemática fuga à responsabilidade por quem de direito. A culpa tende morrer solteira. Na confusão que daí resulta, as pessoas não vêem eficácia por exemplo na acção dos deputados em obrigar o governo a cumprir e acabam por perder respeito pelo Parlamento e a ver só interesses mesquinhos nos políticos. O sentimento geral passa então a ser de desamparo e de medo. Frustração e medo em relação a quem manda e ansiedade face ao futuro incerto. No dia-a-dia evitam falar do governo e preferem falar dos “políticos”. Quando instados falam dos deputados que não têm poder executivo e dificilmente os pode dificultar a vida.

Pode-se falar então de crise de representação?
De facto há um sentimento de que não estão a ser representados. Mas, como disse antes, isso tem muito a ver com o facto de o governo fugir às responsabilidades e quando forçados pela oposição a explicar-se, cria-se uma dessas cenas no Parlamento que depois deixa toda a gente maldisposta. A aparente impotência do Parlamento confunde as pessoas. Põem a culpa nos deputados porque é mais difícil ver que na maior parte das vezes é o eixo do governo e a sua maioria parlamentar que criam problemas no funcionamento da Assembleia Nacional. É só ver quem ganha com um Parlamento paralisado e descredibilizado para adivinhar quem tem interesse em usar tácticas que o possam deixar mal. Ou alimentar estereótipos contra deputados como é o caso do Primeiro-ministro que esteve a insinuar que não se trabalha no Parlamento. Por isso, a crise de representação de que se pode falar em Cabo Verde não é a mesma que, por exemplo, se observa nas democracias europeias. Aí o cansaço tem mais a ver com a crescente incapacidade dos órgãos nacionais de soberania em fazerem-se ouvir no quadro da União Europeia contrapondo aos interesses de um ou mais países poderosos ou então ao poder do mercado, em particular, do mercado financeiro. No caso de Cabo Verde a questão de fundo é que o governo do PAICV acha que não tem que assumir responsabilidades e prestar contas a ninguém. Quando forçado não se abstém de fragilizar as instituições para atingir os seus fins.

Como explica então o fenómeno MAC#114 e as muitas discussões sobre o Parlamento, o papel dos deputados e os círculos uninominais?
A questão dos Estatutos dos Titulares de Cargos Políticos tocou num nervo sensível. Mexer nos salários de políticos encontra sempre resistências. Não há, de facto, nenhum momento óptimo para fazer isso. Podia ter sido em 2006 mas foi chumbado pelo MpD. Neste ano o Estatuto foi discutido no âmbito de um pacote de medidas que exigiam maiorias qualificadas de dois terços. Foi um processo político longo. A questão salarial só apareceu nas vésperas da discussão e trazida pelo Primeiro-ministro. Os líderes parlamentares aceitaram introduzir mais um artigo sobre o estatuto remuneratório durante a discussão do projecto de lei. O governo não disse uma palavra ao longo de todo o debate. As manifestações que se seguiram após a aprovação tinham à sua frente “destacados militantes e dirigentes” do PAICV segundo o próprio Primeiro-ministro em declarações à radio nacional. Tudo indica que a recém-eleita presidente do PAICV Janira Almada quis afirmar-se, cavalgando uma onda de populismo dirigida fundamentalmente contra o Parlamento. É interessante notar que na sequência da entrevista do PM a dizer que o governo concordava com o ajustamento salarial não houve mais manifestações. Para alguns observadores provavelmente entusiasmados com o Podemos e o Syriza grego já estavam a pensar em novos partidos. Basicamente tudo isso foi esquecido logo a seguir ao 1º de Maio. A UNTCS junto com o MAC#114 tentou organizar manifestações contra o desemprego e foi um fiasco completo. A mensagem foi passada. Pode-se até fazer manifestações contra o Parlamento mas não contra o governo. A agitação populista teve os seus propósitos e seus instigadores. Enfraqueceu-se o Parlamento dando alento a todos que aproveitam todas as oportunidades para se queixarem das insuficiências da democracia representativa que sintomaticamente chamam de democracia “burguesa”. Na esteira disso a questão da representação no Parlamento ganhou um outro fervor e muito foram os fóruns onde se discutiram círculos uninominais, perfil dos deputados nas listas plurinominais, a introdução de primárias e até o uso de sondagens para selecção de candidatos. Enquanto a atenção crítica de todos fixava-se no Parlamento o PM e os ministros envolviam-se numa onde de inaugurações e outros eventos em todas as ilhas num frenesim que só pode compreender-se de uma campanha eleitoral antes de tempo. A toda essa actividade ainda veio juntar-se as comemorações do 40º aniversário que se prolongaram meses seguidos com deslocações ministeriais às comunidades emigradas num tom que só se compreende se for campanha eleitoral.

Quer dizer que a campanha há muito que começou? E com isso a velha questão do uso dos meios do Estado?
Veja, a campanha para as eleições de 2016 começou bem cedo com as eleições internas no PAICV. Eleições em que os candidatos eram duas ministras e o líder parlamentar. A tentação de utilização das respectivas posições no aparelho do Estado para chegar aos militantes era quase inevitável. Ganhou a ministra Janira Almada mas o líder parlamentar Felisberto Vieira denunciou situações em que se usou bolsas básicas, verguinhas, bolsas de estudo e outras benesses para a compra de votos. Noutras situações designadamente nas eleições presidências de 2012 que dividiram as hostes do PAICV denúncias do género tinham sido feitas e que na época corroboram as também feitas pelo partido na oposição. A derrota de Felisberto Vieira, que tinha contraposto essas práticas aos valores de Amilcar Cabral, sugere que cada vez mais estão a ser assimiladas pelo partido no governo. As recentes denúncias à volta do Fundo do Ambiente e de como são utilizados bens públicos para financiar organizações dirigidos por activistas locais do partido, confirmam precisamente isso. Não podia ser de outro modo. A propaganda comanda o essencial da relação do governo com a população. Toda a relação do Estado com os cidadãos é susceptível de ser transformada numa acção de propaganda. Focam-se as lentes da televisão vezes sem conta sobre um idoso que recebe um cartão de pensionista, ou uma criança que recebe materiais escolares, uma família que ocupa uma habitação social ou uma mãe que recebe uma cesta básica mas sempre na presença ministros e sem nenhum problema de consciência ou respeito pela dignidade das pessoas. Estranho que para este estado de coisas não haja indignação geral. Até parece que todos acham que é natural que assim se faça para condicionar politicamente as pessoas e ganhar votos. Se assim é, quer dizer que o fenómeno é mais profundo do que deixam antever as denúncias feitas. Talvez mais ao encontro ao que a sondagem do Afrobarómetro indicou. 

Disse atrás que a campanha já começou. Desde quando?
Repare que desde da eleição da Dra. Janira Almada como líder do partido no governo que se vive uma situação peculiar em Cabo Verde. O líder de partido José Maria Neves que tinha sido, entre aspas, eleito em 2011 para o cargo de Primeiro-ministro foi substituído no partido mas continua como PM. Actualmente goza de manifestações avulsas de confiança da actual líder do partido e pelo líder da maioria parlamentar. Não se sabe se governa pelo programa de governo aprovado no parlamento em 2011 ou se segue a plataforma que elegeu a nova líder do partido que sustenta o seu governo. Indefinições nesta matéria acumulam-se. Por um lado, há tensões diversas e lutas por protagonismo entre elementos do sistema partido, governo e maioria parlamentar e por outro aparecem sintomas estranhos do género: o Primeiro-ministro já se permitir distanciar dos resultados da sua governação criticando por exemplo a partidarização da administração pública que dirigiu durante quinze anos. Há dias envolveu-se numa polémica nas redes sociais porque clamava pela desestatização das mentes quando se sabe o quanto o Estado tem feito sob a sua batuta para manter todos com rédea curta centralizando, controlando tudo, aprofundando a dependência das pessoas através do assistencialismo e incessantemente passando a sua narrativa de semideus na sua gestão de impossibilidades. Agora até se põe na posição suprapartidária de recomendar aos outros órgãos de soberania contenção neste período pré-eleitoral. Contenção do PM é que não se vê. Em campanha todos os dias no país e em largas estadias no estrangeiro a apresentar livro e até em cerimónias de supostas condecorações que quanto se sabe é uma competência do presidente da república. Quanto a governar até parece que temos um governo de gestão. A ministra das Finanças quase ausente durante meses seguidos absorvida pela sua candidatura ao BAD parece que nem agora regressou completamente. Nem os dados do segundo trimestre do INE a indicar crescimento do PIB em 0,1 % parece fazer saltar o governo para acção. É como se o que realmente interessa é ganhar as eleições em 2016, conseguir mais cinco anos de mandato, depois se verá. Por isso o que importa fazer agora é campanha sem parar e manter o país sob um manto de ilusões. Quando acordar provavelmente será tarde demais.

O que pode significar estas eleições para Cabo Verde?
Cabo Verde na minha opinião está numa encruzilhada. A política económica do governo falhou claramente. Levou praticamente à estagnação da economia com crescimento do PIB de 0,1 % no segundo trimestre deste ano e deixou uma pesada dívida pública de mais 114% do PIB. A competitividade externa do país é fraca ficando no 114º entre 140 países. Dificilmente poderá atrair investimento directo estrangeiro, criar uma capacidade exportadora e tornar-se base atractiva para a prestação de serviços nesta região. Mesmo investimentos públicos para estimular a economia são agora mais difíceis com ascensão a país de rendimento médio e com o peso excessivo da dívida. No plano externo, as dificuldades do principal parceiro, a União Europeia, mantêm-se com a instabilidade do euro e podem agravar-se com as migrações massivas e a agressividade russa na Ucrânia e agora na Síria. No contexto internacional as coisas não vão  bem. O FMI na semana passada fez uma revisão em baixa das previsões do crescimento da economia global. Por mais estas razões claramente que não se pode continuar a pensar na ajuda internacional para manter o país.  A verdade é que da forma como a comunicação do governo é feita todos os dias dificilmente as pessoas não vão deixar de pensar que nós sendo pequenos qualquer coisa vinda dos mais ricos vai-nos ajudar. Ou então que essa preocupação com a dívida pública é conversa de campanha porque no futuro haverá sempre quem nos perdoe grande parte do que devemos. Ou ainda que o que se vê acontecer em países como a Grécia e Portugal, Espanha e Irlanda que foram forçados a grandes ajustamentos nunca se verificará aqui.  Mantem-se o país no ilusionismo quando o mundo é cada vez menos generoso e menos complacente com os que se perdem em fantasias. Fala-se por exemplo em agenda de transformação e resultados não se vêem para além do que se comprou literalmente com dinheiro emprestado. A capacidade endógena de criar riqueza a partir desses investimentos tem sido demasiado diminuta. O Banco Central no seu relatório anual chegou a constatar que mesmo que a União Europeia ganhasse mais dinâmica não era certo que Cabo Verde conseguiria ir a reboque no ritmo certo. As reformas feitas não põem o país na posição de aproveitar completamente as oportunidades criadas pela dinâmica dos outros. Não há indicador de maior fracasso do que esse. Sair deste caminho e destas políticas que ameaçam encurralar o país é o que se tem que fazer nessas eleições. Por isso é imperativo que o PAICV perca as eleições e o MpD tenha a possibilidade de colocar outra vez Cabo Verde no caminho do crescimento económico e do desenvolvimento sustentado capaz de debelar o desemprego e a pobreza e trazer esperança renovada para todos.

O significam estas eleições para o MpD e o PAICV?
Para o MpD ganhar as eleições significará antes de mais dar ao país uma alternativa a todas estas políticas que já provaram não dar os resultados desejados em vários sectores como por exemplo na economia, no emprego, na actividade empresarial, na segurança e no ensino de qualidade que o país precisa. São 15 anos do PAICV que analisados a fundo se vê que para além da cosmética e das exigências do mundo de hoje mantiveram os mesmos instintos de controlo, de centralização e de privatização do Estado para uso partidário que tiveram no passado. Da mesma forma que, mesmo fazendo conversa contrária, é evidente a mesma hostilidade em relação ao sector privado nacional, à iniciativa individual e a qualquer tentativa de afirmação de uma sociedade civil autónoma. O conformismo e frustração que se sente no dia-a-dia resultam desses anos em que promessas foram muitas, obras são apresentadas como solução para os problemas e muita esperança é posta em mandar os filhos para escola e para universidade e depois muito pouco, demasiado pouco acontece. Para o PAICV ir para a oposição talvez seja uma oportunidade de se modernizar e abandonar definitivamente o lastro dos anos de independência que não o deixa estar completamente em paz com a democracia  e a economia de mercado e ser de facto um player completo e leal no Cabo Verde moderno que se começou a construir nos anos 90. Se não houver alternância nas eleições de 2016 o perigo de o PAICV se tornar um partido hegemónico não é de desprezar. Olhando para casos de outros países africanos em que os partidos que se reclamam de terem sido os libertadores mantêm uma posição hegemónica no sistema político. As consequências poderão ser terríveis para o país. Por isso é imperativo mudar para que se tome um outro rumo e o sistema político tenha o equilíbrio que é fundamental para que todas as virtudes da democracia e do pluralismo se manifestem na realização do bem comum de todos os cabo-verdianos. Para o MpD perder as eleições seria um golpe duro mas acredito que o partido tem capacidade de resiliência suficiente para efectivamente assumir o lugar que lhe couber e evitar que o sistema político se desequilibre. Os seus valores de referência são os que universalmente são aceites, mesmo pelos que os renegam na prática. A orientação sócio-económica do seu projecto de país está em linha com o que em todos os continentes tem garantido prosperidade sustentada. Não há pois que temer pelo futuro. Tem de se ir à luta convicto do extraordinário papel já feito nos anos 90 para trazer Cabo Verde para a modernidade de um país livre, democrático e capaz de andar a passos largos e de ainda 15 anos depois contribuir decisivamente para o colocar nos caminho da prosperidade para todos.

sexta-feira, outubro 16, 2015

Boa governação não rima com ilusionismo



O Primeiro Ministro José Maria Neves na segunda-feira passada declarou total confiança no ministro do Ambiente, Habitação e Ordenamento do Território, Antero Veiga. O PM ausente do país há mais de duas semanas em digressão pela Ilha da Madeira, Portugal e várias cidades dos Estados Unidos para, entre outras actividades, fazer o lançamento do seu livro, homenagear personalidades nas comunidades cabo-verdianas e discursar na Assembleia Geral das Nações Unidas não tinha ainda assumido uma posição sobre o caso do Fundo do Ambiente. Aliás, pelo longo tempo que se levou para esclarecer a opinião pública depreende-se que nem o próprio ministro tinha os dados todos para isso. Não quis pronunciar-se nem antes nem depois das revelações apesar de solicitado pelos jornalistas e só veio a convocar uma conferência de imprensa 19 dias depois da manchete do jornal A Nação. Nas declarações à imprensa presente, o ministro acabou por confessar que o Fundo de Ambiente nunca tinha apresentado contas ao Tribunal de Contas e que ainda estavam a ser auditadas as contas de 2012, 2013 e 2014. Se se juntar a isso as intervenções designadamente de beneficiários do Fundo do Ambiente ligados ao partido no governo e as omissões governamentais em dotar o Fundo de órgãos próprios de decisão e de os fazer funcionar dificilmente se compreende a razão do Sr. PM em proclamar total confiança no Ministro Antero Veiga. Será que é para o colocar acima de qualquer crítica?
O PM, nas suas declarações de apoio ao Ministro, diz não concordar com a prática de não prestação de contas de recursos que ele próprio relembra que são dos cabo-verdianos e cabo-verdianas. Enfraquece a sua posição a partir do momento em que assevera que todos os fundos públicos devem prestar contas para logo a seguir afirmar categoricamente que no seu governo tem sido sempre assim, quando se sabe, da própria experiência do Fundo do Ambiente, que há uma prática contrária. Continua a enfraquecer a sua posição ao procurar desvalorizar as críticas, referindo-se ao ambiente de pré-campanha que diz já existir no país. Primeiro, porque o governo não deve assumir perante críticas públicas uma atitude sobranceira de quem não tem contas a apresentar a ninguém. Segundo, não pode escudar-se em pretenso tempo de campanha ou pré-campanha para desvalorizar revelações, críticas ou denúncias. Podia-se dizer que fazer isso é realmente um acto de campanha. E se a recusa em prestar contas é já estar em campanha pré-eleitoral, o que o público poderá pensar das viagens incessantes que os membros do governo fazem pelas ilhas protagonizando eventos múltiplos e aparecendo sistematicamente em situações que qualquer pessoa poderia classificar de campanha eleitoral pura e dura.
Aliás, é interessante que na sua alocução o PM faça um apelo que talvez fizesse mais sentido vindo do presidente da república. Pede serenidade aos partidos políticos, às câmaras municipais e a todos os órgãos de soberania neste período que já considera de pré-campanha eleitoral. Parece paradoxal que um chefe de um governo suportado por um partido político dirija a outros actores políticos tal pedido, mas não é. Está-se, de facto, perante um acto de ilusionismo puro: um chefe de governo partidário que já não é líder partidário e assume postura suprapartidária de quem não está em lides partidárias. Com que propósito, pergunta-se. Obviamente só pode ser por razões partidárias: a curto prazo, para deflectir críticas da sua governação, desarmar a oposição e ficar solto para demonstrar ao país em inúmeros momentos os exemplos da sua “gestão de impossibilidades”. A médio prazo, para deixar tudo em aberto. Entretanto vai estendendo o seu manto “mágico” de protecção aos ministros partidários que de alguma forma tropeçarem nos resultados omissos ou menos bons da governação e ficam sujeitos às críticas das pessoas e da oposição.
Accountability (responsabilização e prestação de contas) está no centro da própria ideia da democracia. Conseguiu-se em Cabo verde desviar um bocado desse princípio básico com ganhos claros para quem realmente governa e gere os recursos colectivos e com alguma estupefacção e desorientação para os cidadãos. Estes quando questionam falhas designadamente na economia, na sociedade, na segurança ou no emprego e procuram quem responsabilizar, recebem invariavelmente a resposta: a responsabilidade é de todos, mas o governo já fez a sua parte e está bem-feita. Se os resultados não são os melhores, do tipo crescimento raso, desemprego excessivo, insegurança e delinquência juvenil, os responsáveis só podem ser outros.
Todas as imbricações do Fundo do Ambiente apontam para o que não se devia fazer na gestão dos recursos público: não seguir os procedimentos previstos para a sua disponibilização; alimentar suspeitas de canalização para organizações de alguma proximidade política; cair na tentação de usar fundos no embate político com as câmaras municipais e no condicionamento eleitoral dos cidadãos; e negligenciar na apresentação de contas às autoridades de fiscalização competentes. Proliferam fundos públicos no país. É da maior importância que a sua utilização seja judiciosa. A via principal para que assim seja é manter claras as linhas de decisão e de responsabilização. Evita-se desta forma que sejam capturados por interesses particulares e não sirvam os objectivos de fraternidade, de solidariedade e de igualdade de oportunidades com que foram criados. Assim como também que se constituam em instrumentos de ambição política de quem não olha a meios para realizar os seus fins.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 14 de Outubro de 2015