No dia 22 de Janeiro, nas festividades do Dia do Município em S. Vicente, o Sr. Primeiro Ministro proclamou, que “todos os investidores terão o título de propriedade necessário para a realização dos investimentos, independentemente da forma em que foi feito o negócio”. E que, relativamente à questão da legalidade ou não das vendas efectuadas, [isso] este
será tema de discussão entre a Câmara Municipal e o Governo, entidades
que farão directamente o “ajuste das contas” e resolverão os problemas
em “diálogo, concertação e negociação”.
Tudo indica que o Governo, finalmente, resolveu mostrar bom senso.
Mas, para S.Vicente, foi tarde de mais. A crise já está cá, o
imobiliário turístico residencial está paralisado pelo congelamento
internacional do crédito, os emigrantes retraem-se nas remessas e no
investimento e a construção civil sofre com o impasse no registo dos
terrenos.
E a
recuperação não está à vista. A recessão nas economias europeia,
americana e japonesa ameaça precipitar a economia global numa depressão,
com consequências devastadoras para todos. Na saída da crise, quando
acontecer, já é claro que o mundo não será o mesmo. As oportunidades de
ontem não se repetirão.
S
Vicente vive hoje mais uma frustração. Vê recuar para mais longe as
suas legítimas expectativas de adquirir a base económica sólida
necessária para resolver o grave problema de desemprego, combater a
pobreza, reencontrar a sua voz e contribuir decididamente para o
desenvolvimento de Cabo Verde.
Aparentemente, oportunidades para ultrapassar a letargia sócio-económica
da ilha não faltaram. Que o diga o Governo com os seus múltiplos
anúncios de milhões e mesmo biliões de euros que iriam ser investidos na
ilha. Todos se lembram dos masterplans, apresentados com pompa e
circunstância, mostrando grandes resorts, campos de golfo e hotéis de
cinco estrelas. Tudo isso ficou para trás a meio de intransigências
institucionais, sobranceria política e ganância pelos dinheiros de
terrenos.
E não por falta de aviso. Ao longo dos anos vem-se chamando a atenção do governo para a sua responsabilidade principal em
pôr fim aos conflitos entre o Estado e a Câmara Municipal e em acabar
com as incertezas dos investidores e a insegurança jurídica geral, que
já tantos prejuízos fez na imagem de Cabo Verde.
Finalmente o Governo ouviu. Ouviu mas não assumiu.
Agora culpa a crise pelo não arranque dos projectos. Crise que há bem
pouco tempo nem reconhecia. Envolto na sua própria propaganda, vinha-se
iludindo e iludindo a todos que o país não seria grandemente afectado
pelo que se passava lá fora. Depois da fase de pavonear-se com a gestão
macroeconómica, que supostamente punha o País a salvo da crise, passou
agora à fase de atirar as culpas para a crise pelos objectivos não
atingidos e promessas não cumpridas.
Joga
para ganhar sempre. Por isso envolve o País numa névoa de meias
verdades, desinformação e propaganda, que não deixa ver os magros
resultados realmente alcançados no combate aos males do presente - desemprego à cabeça – nem prepara o futuro, criando as condições certas para ganhos reais de competitividade e de produtividade.
Não
é a primeira vez que S.Vicente sofre na pele as consequências das
políticas desastrosas do Governo do PAICV. Nos primeiros anos desta
década as oportunidades na indústria esfumaram-se. Desapareceram a meio
de omissões, posturas dúbias e alguma incapacidade em reconhecer e
aproveitar oportunidades, designadamente, a de acesso ao mercado
americano no quadro do AGOA, do African Growth and Opportunity Act.
Milhares de postos de trabalho foram perdidos em S.Vicente. Empregos
directos e indirectos. Principalmente de jovens mulheres, muitas delas mãe solteira.
Oportunidades para S.Vicente quando são reais, perdem-se. Promessas, essas são repetidas até à exaustão.
Prometeu-se
porto de águas profundas. Porto com 15 metros de profundidade capaz de
receber os maiores porta-contentores, os de terceira e quarta geração. A
exemplo do porto de Shanghai que optou por fazer tais obras para passar
a sua capacidade de escoamento de 3 milhões para 9 milhões de
contentores/ano. Não é esse, propriamente, o nível de tráfico nesta
sub-região que, de acordo com certos relatos, não chega a um milhão de
contentores/ano. Repete-se incessantemente a promessa mas depois
acrescenta-se que se está à espera de manifestação de interesses de
operadores privados e correspondentes investimentos.
Desde
de há algum tempo atrás, acena-se insistentemente com a possibilidade
de S.Vicente ser uma zona especial da China, quando já se sabe que as
ilhas Maurícias foram as únicas ilhas escolhidas para albergar uma das
cinco zonas especiais em Africa. Segundo o Financial Times, as Maurícias
vão beneficiar de 700 milhões de dólares de financiamento inicial da
China.
S.Vicente
precisa de acção consequente. E de uma visão integradora capaz de
potenciar as suas múltiplas valências, designadamente como cidade de
eventos, conferências, e centro universitário, para além de prestação de
serviços internacionais na área portuária e de pescas. Uma futura MICE
city. Há que cortar com o círculo vicioso de optimismo excessivo seguido
de grandes frustrações ou mesmo desânimo, que corrói a alma.
Um
exemplo, do que pode acontecer por falta de sistemática na
implementação estratégica de opções feitas, é o aeroporto de S. Pedro. O
aeroporto está construído mas, para receber voos internacionais
regulares, a ilha precisa de quartos suficientes. E ainda não os tem. O
atraso na implementação dos projectos ameaça encalacrar tudo.
Nos
tempos de crise, que se vive, de oportunidades perdidas e do
consequente falhanço no arranque da dinâmica económica de algumas ilhas,
é fundamental que se avalie as razões porque se ficou tanto aquém dos
objectivos pretendidos. E com essa avaliação se tome uma outra atitude
na procura do desenvolvimento do país e de todas as suas ilhas e
deixe-se desse comportamento quase bipolar que oscila entre a euforia com que se recebe projectos ou ideias de projectos e a fase depressiva em que se dificulta tudo
Urge agora ajudar o País a enfrentar o mau tempo que vem aí, o tempo das vacas magras.
O Governo já agiu rapidamente para segurar a administração pública, no
quadro da sua estratégia politico-partidária de posicionar o PAICV como partido dos funcionários. Aumentou os vencimentos, diminuiu os impostos e abriu a possibilidade de novas admissões.
Ainda
não se sabe é o que vai fazer com as ilhas mais expostas à economia
mundial, como são as ilhas do Sal, Boavista e S.Vicente, para evitar o
aumento do desemprego e consequentes males sociais, que daí virão. Nem
que acções tem em mente para as outras ilhas e para o interior da ilha
de Santiago, que não deixarão de ser afectadas pela diminuição das
remessas dos emigrantes e pela contracção da procura dos seus produtos
agro-pecuários. Pode-se já contar com o recrudescer de migrações para as
cidades, mas particularmente para a cidade da Praia, onde o peso das
despesas correntes do Estado (salários e compra de bens e serviços) se
fazem mais sentir e maiores são os efeitos de arrastamento na economia
local.
Os
investimentos públicos previstos incidem sobre grandes projectos cujo
impacto imediato é limitado. Isso por duas razões: Uma porque não
empregam muita gente e outra por estarem nas mãos de empresas
estrangeiras. O Governo tem que suprir essas deficiências e investir
fortemente em obras, em todos os municípios do País, para fazer face ao
desemprego e à perda de rendimento das populações. O melhor investimento
será aquele que procurará empregar o maior número de pessoas, mas
também constituíra um ganho para o futuro, em termos de criação de
condições para ganhos de qualidade e produtividade.
Para
isso é fundamental a colaboração do governo com as câmaras municipais. O
Governo, certamente, já se apercebeu dos enormes prejuízos que advêm da
persistência de conflitos com as autarquias. É de evitar que o que se
passou em S.Vicente volte a acontecer noutros pontos do território
nacional.
Os
órgãos municipais foram eleitos e prestam contas às suas respectivas
populações. O Governo tem o dever de respeitar isso e mostrar-se leal na
relação institucional com órgãos democraticamente eleitos e proceder à repartição justa de recursos públicos entre o Estado e as autarquias, que a Constituição estabelece.
Publicado pelo Jornal Asemana de 24 de Janeiro de 2009
Sem comentários:
Enviar um comentário