As transições árabes para além da autocracia e, espera-se, em direcção à democracia trazem outra vez ao de cima discussões sobre liberdade, cidadania e constitucionalismo. Todos observam os caminhos que cada um deles está a seguir e procura-se avaliar as probabilidades de sucesso. Estudiosos da democracia como Michael Mandelbaum, no seu livro “Democracy´s Good Name”, dizem que para a instalação e consolidação da democracia concorrem três factores: 1- cidadãos, ou seja pessoas que se vêem como parte de uma nação indiferenciada onde qualquer individuo pode ser governante ou governado, 2- auto determinação, querendo dizer que os governos são escolhidos por voto livre e plural; 3- Liberdade, englobando rodas as regras e limites postos ao governo e aos actos de governação nos diferentes domínios, designadamente político, judicial, económico e religioso. A presença desses factores em maior ou menor grau em cada um desses países árabes vai determinar em grande medida o desfecho das mudanças em curso. Já alguns analistas notam que em países com sentido nacional e de cidadania como Tunísia e Egipto as coisas tendem a correr bem enquanto na Líbia e no Iraque o enfraquecimento do punho de ferro do ditador faz renascer conflitos étnicos, religiosos e tribais. A transição democrática em Cabo Verde nos primeiros anos 90 processou-se sem grandes sobressaltos mas iludiu questões e deixou sequelas que de um modo ou outro se fazem sentir e dificultam a consolidação do novo regime. A condição de cidadãos plenos como definida por Mandelbaum tem sido prejudicada por dinâmicas divisivas. Há gente que se apoia no local de origem para recusar a naturais de outras ilhas o direito de posicionarem-se para altos cargos da República. Há quem exija tratamento preferencial no governo por razões de suposto peso político da ilha como se a distribuição de pastas ministeriais se submetesse a lógicas locais. Também divisivo é a extrema partidarização da função pública e o privilégio dadas a uns no acesso a empregos, bolsas de estudo e outros bens públicos com base no cartão de militante de partido. Com manobras de exclusão, assim se criam cidadãos de 2ª classe num país, à partida, sem fracturas étnico-linguísticas ou religiosas. Quanto à auto-determinação de que fala Mandelbaum verifica-se que tem sofrido erosão sob o impacto de um conjunto de acções, já constatadas designadamente pela Comissão Nacional de Eleições, que esvaziam muitos do seu direito de votar e escolher os seus governantes: o recenseamento menos que perfeito e não abrangente do universo dos cidadãos votantes; as falhas inexplicáveis que deixam muitos fora do caderno e que fazem desaparecer outros que lá estiveram; a boca de urna e as múltiplas tentativas de intimidação, de impedimento de voto e de compra de consciências. O terceiro factor, a construção da liberdade, constitui para Mandelbaum a tarefa mais difícil no processo de consolidação da democracia. Sucesso aí significa que o Governo já interioriza que o exercício do Poder nunca é absoluto. E que encontra limites designadamente nos direitos fundamentais, no princípio de separação interdependência dos poderes, no respeito estrito pela Constituição e pelas leis, no respeito pelo pluralismo, na independência dos tribunais e na autonomia do Poder local. È evidente que o actual Governo e o partido que o suporta estão longe de lá chegar. Mais, positivamente não estão para aí virados. É só ver os esforços em curso na promoção da “democracia do consenso”, a democracia sem conflitos mas também sem alternativas que até lembra a democracia orgânica e sem partidos de Salazar. Tentações de desvio não faltam no inicio da terceira década da democracia caboverdiana. Evita-se cair na tentação fazendo da luta pela Liberdade, pelo pluralismo e pela cidadania plena a coluna vertebral de toda a participação cívica e política. Para que não sejam necessários momentos libertadores como o 25 de Abril, o 13 de Janeiro e os actuais vividos na revolução árabes.
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