Em mensagem dirigida à nação na véspera das eleições de 7 de Agosto o Presidente da República veio relembrar os caboverdianos que “a livre escolha do eleitor é o princípio básico para a expressão verdadeira da vontade popular”. O PR mostrava a sua preocupação com as denúncias públicas de compra de votos, compra de consciências e abusos de poder provenientes das diferentes candidaturas. A condenação pelo PR de “quaisquer formas de pressão ou condicionalismos extra-eleitorais” deixou campo livre para um confronto sem subterfúgio com essa doença da democracia caboverdiana que os observadores da CEDEAO chamaram de “manipulação de consciência”.
Aberta a caixa de Pandora, candidatos, líderes políticos, cidadãos comuns apressaram-se a revelar casos suspeitos de pressão sobre os eleitores. O próprio Primeiro-ministro teve que se render ao engrossar das denúncias e a referir-se explicitamente à necessidade de intervenção de “autoridades judiciais” para se apurar a verdade dos factos. Pela primeira vez a Nação enfrentava a questão da compra de votos, várias vezes levantada em outros pleitos eleitorais, sem que tal fosse desconsiderada como manifestação de “dor de cotovelo” de perdedores.
No processo constatou-se que há medo na sociedade caboverdiana: medo de perder o ganha-pão, medo de ser preterido no trabalho e medo de ver passar ao lado possibilidades de carreira e de nomeação para cargos. A atitude de Aristides Lima em levar à frente a candidatura presidencial não obstante as preferências do seu partido inspirou outros a se libertarem do medo e em denunciar práticas de violação de direitos por razões políticas e eleitorais.
Quis-se saber se um militante de partido é ou não livre de se candidatar para um cargo suprapartidário, de apoiar quem candidate e mesmo de votar no candidato da sua escolha. A partir daí estava lançada a busca de outras amarras que condicionam a capacidade de escolha do eleitor caboverdiano. Pergunta-se se a dependência de serviços sociais, relações de trabalho e mesmo dívidas de gratidão estarão a ser utilizadas para fazer o cidadão dobrar-se e legitimar com seu voto o poder de alguns.
O medo amplifica a sensação de precariedade de existência. Faz as pessoas receosas do futuro e presas fáceis de anúncios demagógicos de grandes perigos em caso de mudança. As eleições caboverdianas têm sido marcadas por factos bombásticos especialmente fabricados para explorar o medo do amanhã. Na última campanha viu-se como se trouxe à baila suspeições sobre a morte de Cabral. Já quase no fim ergueu-se o espectro de uma conjura de personalidades de várias proveniências políticas e partidárias para, pela via uma eleição suprapartidária, derrubar um governo maioritário. Noutras ocasiões usaram-se tácticas similares como acusações de ligação a narcotraficantes, sabotagem na Electra e perda de credibilidade externa para pressionar o voto num determinado sentido.
Mantém-se o clima de medo partidarizando tudo, até mesmo eleições suprapartidárias, e concentrando o essencial do discurso político sobre disputas do passado. Todos ficam apanhados e em consequência, o futuro passa ao lado. Já dizia Churchill “que não devemos deixar as nossas discussões sobre o passado dominar o presente porque assim perdemos o futuro”.
É tempo de acabar com esse estado de coisas. A 2ª volta das presidenciais é uma oportunidade única dos cidadãos fazerem o medo dissolver no ar. Basta ir às urnas sem as grilhetas da filiação partidária e condicionalismos outros e escolher quem pelo seu carácter, percurso e fidelidade aos princípios e valores constitucionais melhor se posiciona para defender direitos e regras do jogo democrático. Basta dar o voto livre a quem mais confiança poderá transmitir à nação nas duras lutas de adaptação às incontornáveis mudanças que se verificam no mundo. Cabo Verde precisa que os seus filhos não receiem o futuro e ponham toda a sua energia e criatividade em construir, na Liberdade, a prosperidade para todos.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 10 de Agosto de 2011
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