Há trinta anos, no dia 31 de Agosto de 1981, centenas de pessoas marcharam na Ribeira Grande, S. Antão contra a reforma agrária de um governo sem legitimidade democrática. Foram recebidas com disparos da tropa e do embate resultou um morto. Seguiram-se prisões, torturas e julgamento em tribunal militar de civis que simplesmente queriam exercer direitos que hoje todos os caboverdianos tomam como garantidos: liberdade de expressão, liberdade de reunião e de manifestação. Foi-lhes negado o direito à vida, à liberdade e a serem julgados por tribunais independentes. Não eram cidadãos do seu próprio país. Quando se revoltaram viram-se à mercê de um Estado todo-poderoso que podia agir sem os constrangimentos da Lei e da Moral.
A luta pela cidadania teve que esperar longos anos. A seguir ao 31 de Agosto a opressão aumentou. O efeito sentiu-se nas eleições de 1985. Foi precisamente nas localidades em S. Antão mais sofridas que o então partido-estado recebeu 96% dos votos, uma taxa superior à média nacional de 94%. Mas o espírito não morreu e assim que as pessoas vislumbraram uma fresta no edifício do Poder desferiram um golpe demolidor. O PAICV não conseguiu eleger um deputado em S. Antão nas eleições pluripartidárias de 13 de Janeiro de 1991. A energia então libertada foi a mesma que iria motivar a adopção da Constituição de 1992 onde os direitos de cidadania de todos os caboverdianos no território nacional e na diáspora ficaram consagrados para a posteridade.
Factos recentes mostram que ainda existem entraves ao exercício pleno da cidadania. O envolvimento ostensivo do Primeiro-ministro, membros do governo e altos dirigentes da Administração e de institutos e empresas públicas na campanha pelo cargo suprapartidário de presidente da república chocou muitos na sua dignidade de cidadãos. A violência das acusações lançadas contra adversários políticos fez renascer o medo e relembrou actuações políticas causadoras de muito sofrimento. As ameaças vindas de altos dirigentes de demitir ou forçar renúncia de cargos de correligionários que dissentiram em matéria presidencial revelam a intolerância institucionalizada contra manifestações de pluralismo.
Cabo Verde continua susceptível a práticas antidemocráticas. Diferentemente de outras sociedades que fizeram a transição para a democracia não desenvolveu certas imunidades. Olha para o lado quando se manipulam politicamente crianças e jovens. Cala-se perante a flagrante partidarização da administração pública. Tolera que se explore relações de dependência do Estado para extrair votos. Já ninguém consegue 90% dos votos mas eleições ganham-se às vezes por diferenças providenciais.
Assim é porque se politiza o passado. Aceita-se normalmente o expediente politiqueiro de trazer matérias do passado para o debate político em resposta a acções de fiscalização e responsabilização do governo. Partidarizam-se datas e acontecimentos históricos. O ambiente polarizado que daí resulta desmotiva a participação dos cidadãos, prejudica a discussão do presente e do futuro do país e impede a nação de adquirir as defesas contra tentações antidemocráticas.
Neste trigésimo aniversário, recordar o 31 de Agosto não é matéria de despique político. É uma questão de dignidade e justiça. A evocação dos sacrifícios de outrora deve ser motivo para unir a nação na condenação da arbitrariedade e da prepotência e na valorização do núcleo de direitos que faz de cada caboverdiano um cidadão livre no seu país.
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