Diz o Lord Acton que o Poder corrompe e que o Poder absoluto corrompe absolutamente. Governos por longos períodos e pela mesma força política tendem a tornar-se cada vez mais arrogantes e mais autistas. Os 5 meses do 3º mandato do PAICV confirmam a tendência. Especialmente revelador de futuros excessos tem sido a forma como a liderança do partido no governo trata colegas do partido apoiantes de uma alternativa da mesma família política nas presidenciais.
A dureza de tratamento é sintomático do quão importante se tornou ter um presidente da república “em sintonia com a liderança do partido”. Nunca antes no Cabo Verde democrático o líder partidário no governo foi tão ostensivo em impor o seu candidato a presidente da república. Até parece que há um novo entendimento do exercício do cargo. Quer-se provavelmente cooperação e sintonia com objectivos partidários, quando o que a Constituição estabelece é que o Presidente não governa e seja árbitro e moderador do sistema.
Usar os recursos e autoridade do Estado para fazer prevalecer uma visão contrária do Presidente da República prejudica o candidato e quase que o desqualifica aos olhos dos eleitores, porque o faz refém de interesses que em consciência não pode satisfazer enquanto PR. Com tais actos perde-se mais em perturbar o sistema político do que presumivelmente podia-se ganhar em estabilidade governativa. Estabilidade, quem de facto a garante é a maioria no parlamento. O PR só tem margem para interferências nos casos em que o suporte parlamentar já foi comprometido e há impasse nas instituições.
Ter-se um PR algo diminuído no seu papel de guardião da Constituição fragiliza a democracia particularmente quando é notório o enfraquecimento da Assembleia Nacional enquanto centro do contraditório e viveiro de propostas alternativas para o país. No último debate sobre o Estado da Nação, o Primeiro Ministro apresentou a sua verdade como sendo nem “rosa nem negra”. Eventuais críticas só podiam vir de detractores brandindo as suas análises negras da realidade do país. Com o debate ferido de morte, ninguém se surpreendeu quando no discurso do fecho disse que das ideias da Oposição, umas deviam-lhe direitos de autor e outras simplesmente não serviam.
A Nação entretanto não ficou esclarecida. A questão do fornecimento de energia e água que todos os dias prejudica as pessoas e atrasa o país ficou por responder. O governo não transmitiu confiança que irá lidar resolutamente com os problemas que enfermam a polícia e diminuem a sua capacidade de confrontar os desafios actuais e futuros de segurança. Ficou-se por saber como foi o ano escolar e qual o retorno em aproveitamento, qualidade e empregabilidade dos extraordinários investimentos e sacrifícios que indivíduos, famílias e o Estado fazem no sistema de ensino. O regozijo algo deslocado pela “performance” do país em tempo de crise não deixou espaço para inventariar opções e preparar a Nação, agora país de rendimento médio, para o mundo pós-crise.
Governar em democracia passa por criar uma vontade política colectiva que se revê em princípios, ideias e objectivos. Isso constrói-se com verdade, honestidade e transparência na acção. Não com máquinas de propaganda e procurando enredar as pessoas, particularmente as vulneráveis, em relações de dependência que diminuem a sua condição de cidadão. Particularmente preocupantes nos últimos dias têm sido as denúncias vindas de todos os quadrantes políticos do inquinamento do processo eleitoral através de compra de consciências, compra de votos, medo de perda de emprego e ameaças de demissão de cargos públicos.
Por tudo isso, a eleição do Presidente da República no próximo domingo, dia 7 de Agosto, tem uma importância acrescida. É também uma forma de pôr um STOP à corrida desenfreada para a concentração do Poder num grupo partidário cujos excessos são hoje evidentes para todos. O acto desnecessário de acabar com o programa Visão Global é ilustrativo do que acontece quando se cai na tentação do poder absoluto. Travões precisam-se.
Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 3 de Agosto de 2011
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