É preciso falar verdade, é o grito que se ouve por todo o mundo. Movimentos sociais espontâneos com o nome de Indignados ou Occupy Wall Street descrevem-se a si próprios como movimentos de pessoas que falam a verdade. Muitos governantes além fronteiras já se aperceberam que só trazendo a real situação do país para discussão na esfera pública podem esperar receber algum suporte da população nas horas críticas que espreitam à frente.
O Presidente da República na sua mensagem de resposta à apresentação dos cumprimentos de Ano Novo pelo Governo fez também a recomendação ao executivo do Dr. José Maria Neves de “explanar toda a verdade dos factos, por mais duras que sejam” para que se torne “mais célere o engajamento de todos (…) no esforço de resistência e ultrapassagem da crise”. Claramente que o Primeiro-ministro não gostou do conselho, mas o mundo hoje não se compadece com posturas de governação que primam por apresentar a situação do país em tons róseos iludindo factos concretos. Só se adia a consciência pública das coisas e não se consegue evitar o encontro muitas vezes doloroso com a realidade.
Em Novembro passado, o PM não apreciou as sugestões de política feitas pelo governador do Banco de Cabo Verde. Reagiu mal e depois não foi consequente em traduzir para o Orçamento as medidas de política que com pompa e circunstância tinha anunciado uma semana antes para o país fazer face à crise. Entretanto, desde o 1º de Janeiro os caboverdianos deparam-se com uma outra realidade derivada das restrições ao crédito impostas pelo BCV com vista a preservar reservas externas e a garantir o Acordo Cambial. Já se sabe que a economia nacional vai abrandar devido a essas restrições com consequências no rendimento das famílias e no emprego. Não se tem conhecimento é como irá o Governo contrapor ao abrandamento considerando que já atingiu os limites do endividamento público e o FMI aconselha que se mantenha as reservas externas em três meses de exportação.
O nosso sistema de governo prevê a separação e a interdependência dos órgãos de soberania. O sistema só pode funcionar se houver respeito mútuo entre os órgãos de soberania, se forem preservados os papeis de cada um dos titulares dentro do sistema e se o exercício das respectivas competências forem aceites normalmente. A reacção agastada do Sr. Primeiro Ministro ao apelo do Sr. Presidente da República para ser franco com Nação obviamente não se justifica.
Este governo já demonstrou que investiu e muito na propaganda particularmente na televisão pública. O Centro de Imagem do Governo já teve verbas em montantes quase iguais aos destinados ao Cabo Verde Investimentos para realizar acções de promoção de Cabo Verde e de atracção do investimento externo. Por conseguinte, não é um Governo estranho à tarefa de tratar informações para que a mensagem que chega ao chega ao público lhe seja o mais favorável. É do mais puro interesse público, particularmente em tempo de crise, que do mais alto representante da nação venha o apelo de se falar a pura verdade aos caboverdianos.
A tirada do PAICV de acusar o presidente da república de ser líder da oposição demonstra falta de sentido de Estado. Não se pode pôr em causa a natureza suprapartidária do cargo do presidente da república só porque convém marcar alguns pontos políticos. Nem tão pouco com esse acto arrastar o PR para o buraco da bipolarização que esvazia o debate político e retira espaço aos que tão vivamente viveram as últimas movimentações políticas e sonham com uma esfera pública menos crispada, mais plural e mais respeitadora dos factos.
Editorial do Jornal “Expresso das Ilhas” de 11 de Janeiro de 2012
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