As mensagens do fim do ano do Presidente da República e do Primeiro Ministro denotam duas atitudes distintas em relação aos problemas do país. O PM muito no seu timbre exacerba a percepção que, via vários indicadores, certos sectores da comunidade internacional convenientemente querem alimentar sobre Cabo Verde. Também quer que os caboverdianos aceitem a visão que os outros pretendem ter do país pondo de lado a sua vivência e a experiência colhidas no dia-a-dia. Assim, o Primeiro-ministro pretende que se engula a ideia de que Cabo Verde é uma democracia acima de Portugal, e outros países com instituições democráticas mais antigas e consolidadas e com um ambiente sócio-económico de longe mais propício para a dinâmica democrática. Quer que se acredite que há aqui maior liberdade de imprensa do que em países com uma sociedade civil possante e autónoma e com meios de comunicação privados que ao contrário do que se passa em Cabo Verde têm mais audiência do que os públicos. Quer ainda que se acredite que Cabo Verde passou ao lado da crise por sua capacidade endógena de crescimento, quando é ele próprio que extrapola as vantagens do MCA mesmo reduzido à metade do primeiro. E quando todos notam que, atingidos os limites do endividamento, o BCV impõe restrições ao crédito para conter a erosão das reservas externas. Já o Presidente da República afirma que a nação precisa saber onde está para poder saber como agir para o futuro. E aconselha ao Governo “comunicações francas para cabal informação da real situação do País”. Continua, dizendo que “numa altura como esta é preciso explanar toda a verdade dos factos, por mais duras que sejam”. O Presidente da República considera que só assim “se torna mais célere o engajamento de todos (…) no esforço de resistência e ultrapassagem da crise”. No passado recente, todos puderam ver repetidamente o filme de governos a pintar de cores róseas situações que depois vieram revelar-se problemáticas, se não mesmo catastróficas. O Portugal de Sócrates foi isso e agora o povo português como, aliás, o grego, o espanhol, o italiano e o irlandês pagam na pele euforias deslocadas. É preciso que se deixe de ver a política como uma espécie de jogo onde o que vale é fazer-se eleito não olhando a meios. E, quando a realidade cai em cima, afastar a responsabilidade com a desculpa de que “do lado do Governo fez-se tudo”mas que a sociedade, as empresas ou os trabalhadores falharam, como se, a par do governo da república, existisse um “lado dos outros”.
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