quarta-feira, julho 04, 2012

Há que ouvir a “voz populi”



Editorial  Nº 553 • 4 de Julho de 2012


 Há que ouvir a “voz populi


 Terminou o quinto ciclo eleitoral da democracia caboverdiana com a realização das eleições municipais de domingo passado, dia 1 de Julho. O ciclo começara auspiciosamente bem para o Paicv com a conquista de um inédito terceiro mandato para governar o país. Mas está a acabar no que, para vários sectores de opinião, se configura como um desastre eleitoral para o partido do go­verno nas autárquicas. As razões para essa perda de confiança encontram-se na crescente insatisfação das pessoas em relação à governação do país e no cepticismo como são encaradas certas promessas eleitorais.
O sr. Primeiro-ministro, em entrevista na sequência do pleito eleitoral, recusou leituras políticas que apresentam o governo penalizado pelos resultados. Diz que o povo sabe distinguir per­feitamente entre eleições legislativas, presidenciais e autárquicas. É verdade, mas não deixa também de ser real o facto amplamente constatado que o eleitorado em todas as democracias socorre-se das outras eleições para exprimir o seu posicionamento em relação ao governo.
Cabo Verde não é excepção. Para todos, ficou claro que os re­sultados das eleições presidenciais, seis meses após as legislativas, foram amplamente influenciados pela percepção crescente de que a postura do governo e dos governantes decepcionava, em particular, em matéria de água e energia. Numa outra matéria em que a postura dos dirigentes do partido no poder produziu uma nota dissonante foi precisamente na gestão das candidaturas pre­sidenciais independentes vindas de sectores diferentes do partido. Recentemente veio à baila a questão das promessas eleitorais não cumpridas, designadamente a do décimo terceiro mês e do salário mínimo. As pessoas não ficaram pelos ajustes e partiram para uma manifestação pública no dia 1 de Junho que mobilizou milhares de pessoas em todo o país, não obstante as tentativas do governo em fazer as pessoas desistirem de participar.
O anormal seria que o povo não aproveitasse o momento das eleições autárquicas para fazer uma forte chamada atenção do governo. Afinal vive-se com a quebra no crescimento económicos, dificuldades em conseguir emprego, aumento da desigualdade social e a marginalização progressiva das ilhas. Noutras paragens, o ambiente de crise já levou a fortes movimentações de rua, a mudanças de governo e a intervenções de autoridades internacio­nais, designadamente a União Europeia, o FMI e o Banco Central Europeu na já famosa troika.
Em Cabo Verde o esforço ilusionista do governo continua, mas o povo já protesta e já pune os governantes. Ignorar o aviso po­pular é prestar um mau serviço ao país. Não se discutem políticas alternativas, não se prepara o país para enfrentar o que para muitos observadores é a deterioração tendencial da situação internacio­nal e não se procura criar a atitude certa que permitirá o país ter sucesso num mundo mais exigente e mais competitivo.
Na sequência das eleições, o que está mais a focalizar a atenção é a questão da fraude eleitoral. Hoje, parece assente que, em Cabo Verde, a votação em muitos casos não é livre. Denúncias vêm agora de todos os lados. Antes só vinha das forças da oposição. Desde que grupos originários do partido no governo se juntaram ao coro dos protestos e denúncias também os governantes já se apresentam como vítimas de fraudes eleitorais. Espera-se que finalmente o Ministério Público assuma em pleno as suas competências como defensor da legalidade e revele ao país as ramificações deste cancro que está a corroer a nação e ameaça a democracia e o Estado de Direito.
Uma coisa porém é certa. O que se configura como condicio­namento do eleitorado e do voto só é possível porque falhou-se redondamente na eliminação da cultura assistencialista e de dependência do Estado. Perante tal falha não se vê como o país poderá cumprir uma agenda de transformação se está privado dos condimentos essenciais e da atitude certa para ser competitivo, para se arriscar nas oportunidades que surgem e para ser inovador em face de realidades emergentes.
A Direcção

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