Nº 555 • 18 de Julho de 2012
Editorial:
Terreno escorregadio
Nuvens negras adensam-se à frente. Com a
crise do euro sem um fim previsto, o FMI no dia 16 de Julho reviu em baixa as
suas previsões de crescimento para a economia mundial. São afectados pela crise
não só as velhas economias como as da Europa, Japão e Estados Unidos como
também as emergentes designadamente, a China, a Índia e o Brasil.
Particularmente atingidos são os pequenos países cuja dinâmica económica
depende das exportações e fluxos diversos originados no estrangeiro. A
dependência externa de Cabo Verde torna-o particularmente vulnerável aos
sobressaltos da economia mundial. A perda de rendimento e do emprego nos países
desenvolvidos tende a diminuir as remessas dos emigrantes às famílias e faz
retrair investimentos no arquipélago, em particular, na construção civil. Pelas
mesmas razões o turismo e especialmente a imobiliária turística são também
sectores afectados. A crise tira, ainda, espaço de manobra a muitos desses
países para continuar com os donativos que até agora equilibram as contas
nacionais e controlam o défice orçamental. As dificuldades da actual conjuntura
encontram um país deficientemente preparado para as enfrentar. O Governo nestes
últimos três anos de crise aumentou a dívida pública para valores próximos do
limiar da sustentabilidade. Os desaires eleitorais nas presidenciais e nas
autárquicas evidenciam descontentamento crescente da população com as políticas
seguidas. Há a percepção cada vez mais generalizada de que os investimentos
públicos realizados não estão a gerar dinâmica empresarial privada e a atrair
investimentos capazes de elevar o ritmo de crescimento do país e criar emprego
inclusivo. E com o nível máximo de endividamento atingido, não há muito espaço
para o Estado suprir a deficiência no investimento. As consequências já se
fazem sentir e as previsões de crescimento para 2012 e 2013 já foram revistas
em baixa. O descontentamento popular evidente nas últimas eleições também tem
origem na quebra de confiança na capacidade do Governo em contornar a situação
actual. A falha estrondosa nas promessas do 13º mês e de aumentos salariais foi
a gota de água. Abriu os olhos da população para um conjunto de situações
complicadas como os já crónicos problemas de energia e água, mas também de
segurança, habitação e do desemprego. Indicadores de conjuntura publicados
recentemente pelo INE revelam baixas pronunciadas nos níveis de confiança dos
operadores de vários sectores com destaque para a construção, turismo e
indústria. O próprio turismo tido como motor da economia nacional falha em engajar
de forma significativa a economia local. Para as pessoas, para os empresários e
para o país no seu todo está ficar mais claro que o governo dá sinais de
autismo, não muda o comportamento mesmo perante sinais claros de fracasso de
políticas e perde oportunidades. Muitos, particularmente em ilhas como
S.Vicente, Sal e Boa Vista lembram-se ainda das oportunidades perdidas a meio
do boom antes da crise devido à burocracia do Estado, à falta de visão e à
guerrilha entre o governo e as câmaras municipais. Um estudo sobre o turismo
publicado neste número do jornal (ver págs 7 a 9) revela como o governa não
presta a devida atenção ao turismo e como falha em não o conectar à economia
local. No processo prejudica milhares de pessoas nas zonas rurais e citadinas
que podiam ter um outro rendimento se condições certas de acesso ao mercado
estivessem garantidas. O estudo também mostra que certos hábitos custam a
desaparecer. O interesse do governo parece virado essencialmente para conseguir
receitas tributando o que já existe: importações, empresas e trabalhadores. Não
presta suficiente atenção à economia e pouco faz para promover exportações,
acarinhar empresas nacionais e criar emprego de qualidade. O governo do PAICV
com ainda mais quase quatro anos de governação pela frente devia ser capaz de
escutar tantos os sinais internos como os externos e mudar o rumo. As suas
políticas até agora não trouxeram mais competitividade externa, não se
revelaram mais atractivas de investimentos nacional e estrangeiro nem aumentaram
a empregabilidade da mão-de-obra disponível. Os recentes reveses nas urnas são
um recado que o governo não tem outra opção senão escutar.
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