Editorial Nº 554 • 11 de Julho de 2012
Veto Presidencial
O Presidente da República Jorge
Carlos Fonseca vetou a lei sobre a taxa ecológica, aprovada em Maio do corrente
ano na Assembleia Nacional. A decisão presidencial chama a atenção não só
porque é o primeiro veto do novo presidente como também porque é uma raridade
nestes vinte anos de democracia. Os presidentes anteriores praticamente
abstiveram-se de usar esse poder. Em duas ocasiões foi pedido a fiscalização
preventiva da constitucionalidade de normas na lei aprovada, seguido, em tempo
próprio, do veto. Em Fevereiro do ano passado, o então presidente da república
recorreu pela primeira vez ao veto político para forçar mudanças nos estatutos
dos magistrados.
O veto presidencial é um poder da
maior importância para o sistema político. Permite ao presidente controlar os
actos legislativos do governo e do parlamento e evitar que o governo em
conluio com a sua base parlamentar implante uma tirania da maioria. O
uso infrequente deste poder fragilizou a democracia cabo-verdiana, porque o
equilíbrio do sistema pressupõe que todos os seus elementos, PR, Governo AN e
Poder Judicial funcionem em pleno. Omissões ou não assunção completa de
competências por qualquer das partes abre a possibilidade de enviesamento dos
processos e de se descambar na arbitrariedade e na discricionariedade no exercício
do poder à medida que o governo se sente à vontade e sem fiscalização efectiva
no parlamento e na presidência da república. Criado o vício, a morosidade da
justiça, em particular da justiça constitucional, serve-lhe bem porque
contribui para arreigar ainda mais o sentido de impunidade.
O debate parlamentar da proposta de
lei da taxa ecológica fora marcado pelas posições fortes da oposição, o MpD e a
UCID que discordavam da solução do governo em entregar as receitas da taxa a um
fundo de Ambiente em vez de aos municípios. Os argumentos então avançados
convergiam em apontar que o governo violava o princípio da autonomia dos
municípios ao retirar-lhes os recursos necessários para o exercício efectivo
das suas atribuições e competências em matéria de ambiente, em particular, na
área do saneamento do meio.
A relação do Governo com os
municípios tem sido acompanhada de considerável tensão. A Oposição em várias
ocasiões tem acusado o governo de fazer passar legislação que efectivamente
diminui o escopo de competências dos municípios ao mesmo tempo que os sufoca
financeiramente.Também se tem denunciado que o Governo prefere canalizar fundos
directamente para associações comunitárias em vez de assinar contratos
programas com os municípios cujos órgãos são eleitos e cujas contas são
julgadas pelo Tribunal de Contas.
Nas campanhas eleitorais
autárquicas a tensão sobe ao rubro. O nível de intrusão do governo nas questões
locais aumenta e nota-se o protagonismo político-partidário excessivo de altos
funcionários, de chefes de serviços desconcentrados do Estado e até dos
ministros e do próprio primeiro-ministro. A dura derrota sofrida pelo partido
no governo nas últimas eleições autárquicas sugere que, para a população, está
a tornar-se evidente que a ânsia de tudo controlar e de tudo centralizar não
traz ganhos. Prejudica a capacidade de todos os pontos do país acederem a
recursos públicos de forma justa e também de aproveitar oportunidades
emergentes.
O veto presidencial veio em boa
hora. O exercício prolongado do poder tende a criar, em quem o exerce, a
percepção da inexistência de limites à acção. E há que relembrar que a virtude
da democracia reside no facto de ser um sistema de governo limitado pelos
direitos fundamentais, pela separação de poderes, pelo respeito pelo primado da
lei e pela independência dos tribunais. As instituições porém não cumprirão o
seu papel no sistema se os homens e mulheres que os asseguram não se colocarem
em termos de carácter, temperamento e competência, à altura das
responsabilidades exigidas pelos seus cargos.
A Direcção
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