Nº 579 • 31 de Dezembro de 2012
EDITORIAL: 2012 – O despertar do
protesto
O ano 2012 foi marcado em vários países por
eleições que evidenciaram a insatisfação dos cidadãos relativamente aos
resultados e métodos da governação e às falácias e ilusões disseminadas pelos
líderes. A exemplo do que acontecera em 2011 a participação nas campanhas teve
muito do movimento popular interventivo no estilo do “Occupy Wall Street” e as
vitórias foram em muitos casos (França, Grécia e Estados Unidos ) para os que propunham
estilos renovados no governar. Nos casos como na Rússia, em que os velhos
métodos de Putin ainda vingaram protestos subsequentes, demonstraram que se
anseia por uma outra relação com o Estado, um objectivo para o qual cidadãos de
Myanmar, unidos por Aung San Suu Kyi, deram passos significativos neste 2012.
Em Cabo Verde as eleições
autárquicas deixaram claro o descontentamento progressivo da população para
com o Governo. Quebra de promessas, falhanços repetidos em resolver problemas
de emprego, segurança, energia e água e ainda exemplos de favoritismo e
partidarização do Estado contribuíram para minar a confiança das pessoas. Já as
eleições presidenciais de 2011 tinham sido afectadas pelo mesmo fenómeno. No
ano de 2012 outros acontecimentos designadamente a manifestação do dia 1 de
Junho, promovida pelas duas centrais sindicais e a oposição quase unânime dos
operadores económicos e dos sindicatos aos aumentos dos impostos e a certas
medidas preconizadas no Orçamento do Estado para 2013 vieram confirmar que a
descrença se alastra.
Do governo ainda não veio
sinal de que procura ajustar-se aos novos tempos de maior contestação às suas
políticas. Viu-se na discussão do OE de 2013 em como não cedeu aos pedidos para
ponderar as medidas a serem tomadas com potencial efeito perverso no emprego,
no rendimento disponível das pessoas e na economia em geral. Mesmo nos casos
onde recua, como é o dos vistos dos turistas e do investimento necessário para
assinatura de convenções de estabelecimento com operadores (passou-se de 20
para 10 milhões de contos), a impressão com que se fica é que não se trata de
flexibilidade, mas sim de “trabalho feito em cima dos joelhos”. O que
parece comandar é a vontade de arrecadar receitas a todo o custo, resultante de
uma perspectiva estreita e de curto prazo que não acautela a economia real que
é a base de receitas presentes e futuras.
Neste ano do vigésimo
aniversário da Constituição da República devia-se ter bem presente que a
democracia e a liberdade implicam relações entre os governantes e os cidadãos
na base do consentimento destes e do dever de responsabilidade e de prestação
de contas daqueles. As crises por que passam as democracias na actualidade têm
a ver com a percepção de que se está sob o efeito de políticas ditadas por
entidades supranacionais e não eleitas como a troika, a Comissão Europeia e os
mercados de capitais ou tomadas por governos à revelia das pessoas,
suportando-se em maiorias partidárias subservientes e em máquinas de marketing
político. Nos países em que as instituições democráticas são mais consolidadas
essas crises eventualmente serão resolvidas restaurando o princípio basilar de
que “o governo é do povo, pelo povo e para o povo”. Nas novas
democracias tanto poderá verificar-se um recentrar com novas eleições como um
agravamento da situação mantendo-se o governo com postura cada vez mais
iliberal, menos respeitador dos procedimentos constitucionais e avesso à
assunção plena de responsabilidade.
Nos últimos tempos os
cabo-verdianos têm consistentemente dado sinal de que o país precisa de uma
cidadania mais activa. Em matérias como eleições, direitos de consumidores e
regionalização sente-se o peso crescente da participação de cidadãos. A exemplo
do que se passa em outras partes do mundo não se está a deixar tudo para os
partidos. As reacções, porém, nem sempre são benévolas. Há que evitar
tentativas particularmente do Estado e de outras entidades públicas de absorver
ou cooptar iniciativas de cidadãos. As democracias precisam do pilar
fundamental que é uma sociedade civil forte e autónoma para se consolidarem.
Encontrar vias para o país e
para as suas empresas e as suas gentes se adaptarem a uma situação
internacional difícil e imprevisível nos seus contornos a médio prazo pressupõe
atitudes de governantes que não a arrogância e o autismo. A libertação da
energia, da criatividade e da capacidade de iniciativa necessária só se
verifica quando se respeita a liberdade, o pluralismo e o primado da lei e se
compensa o mérito. É isso que as nossas falhas e o sucesso dos outros vêm
demonstrando. Forçar o governo a reconhecer que assim é, devia ser central para
movimentos de cidadania no ano 2013.
O Expresso das Ilhas
deseja-lhe boas entradas e um Ano Novo feliz e próspero.
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