terça-feira, abril 30, 2013

Jobs ,jobs, jobs



Os dados do Instituto Nacional de Estatística que apontam para um aumento de mais de 4 por cento de desemprego entre 2011 e 2012 vieram confirmar a quebra de actividade económica e a ausência de oportunidade de emprego já sentida pela generalidade da sociedade cabo-verdiana. Conjuntamente com os dados do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) que dão conta de crescimento negativo em 2009 e taxas de crescimento abaixo do previsto nos anos subsequentes não deixam margens para dúvidas que a propalada agenda de transformação do governo não se concretizou. Mesmo com investimentos públicos vultuosos, que já levaram a endividamento no limiar da sustentabilidade, o país não cresceu como previsto e muito menos solucionou o grave problema de desemprego. A luta contra o desemprego não tem sido propriamente o foco da atenção do actual governo. Sempre que confrontado com números reveladores do pouco avanço no domínio do emprego, particularmente para os jovens, a resposta tem sido invariavelmente evasiva, desresponsabilizadora e acusadora. Relembra que o desemprego é estrutural, afirma que já fez a sua parte e acusa o sector privado e as pessoas de falta de iniciativa, de incapacidade de gerar auto-emprego e até de se negarem ao trabalho. Entretanto mantém viva a miragem do trabalho público na administração do Estado. Propicia estágios, abre novas vagas e promete o 13º mês e aumentos salariais. Age provavelmente com a forte convicção de que enquanto as dificuldades de crescimento do país não se fizerem sentir na administração pública, poderá manter a confiança de uma parte substancial do país, seja da elite nacional que gravita à volta do Estado, seja da parte da população que mesmo em dificuldades olha para o Estado como pedra salvadora. A realidade mundial actual e a história das nações demonstram que sucesso no combate ao desemprego só é possível com economias a crescer e a tornarem-se cada vez mais produtivas. Não se vê como Cabo Verde possa ser excepção a essa regra. Estranha-se pois que não se questione porque nos últimos dez anos o crescimento económico do país não foi acompanhado da criação significativa de empregos. O governo, apesar de falhar no seu objectivo programático de fazer cair o desemprego para um dígito, não presta a devida atenção ao problemamesmo quando ao longo da década perderam-se empregos em sectores como o industrial e serviços que não foram compensados por novos postos de trabalho. Prefere deflectir críticas com subterfúgios diversos e alimentar ilusões de desenvolvimento. Com investimentos públicos em infra-estruturas, em equipamentos sociais e sectores produtivos corre-se sempre o risco de contaminação política. Podem ser desviados dos seus propósitos originais. Em vez de contribuírem para o esforço global de criar riquezas através do uso efi- ciente de recursos como capital, trabalho e recursos naturais são utilizados como material de propaganda, como veículo de distribuição de favores e como expressão de uma relação paternalista com a sociedade. Constituem-se numa espécie de “atracção fatal” de que não se consegue libertar mesmo face à realidade do crescimento sem emprego, da criação de elefantes brancos e da falta do retorno desejável em áreas como a educação, a saúde e a formação profissional. O pior acontece quando a preferência pelo investimento público dissociado do suporte ao investimento privado situa-se perfeitamente na zona de conforto ideológico de quem governa. Nesse caso, nem o excessivo endividamento público para satisfazer o modelo de desenvolvimento consegue ser travão suficiente. É a economia que cria emprego e ela só pode sustentar-se sob impulso do sector privado. A existência de um ambiente de negócios caracterizado por forte concorrência, flexibilidade do mercado de trabalho e adequação do capital humano às necessidades das empresas é fundamental para se realizar o potencial da iniciativa, criatividade e energias dos indivíduos e da sociedade. Muitas dificuldades na criação de emprego ao longo dos últimos anos devem-se às insuficiências já constatadas na educação e formação profissional que resultam da rigidez das relações laborais e da crescente informalidade da economia. Os últimos dados do INE constituem um alerta sério para se mudar a política em Cabo Verde. Emprego é rendimento, auto-estima, factor de coesão social e suporte da cidadania activa e interventiva. Criar as condições para a sua criação e sustentabilidade é uma das funções fundamentais de qualquer governo. Não se deve permitir a nenhum governo eleito desresponsabilizar-se quando as suas políticas afectam de forma gravosa as expectativas de uma vida digna, autónoma e feliz dos cidadãos.

Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 30 de Abril de 2013

quarta-feira, abril 24, 2013

Ambição nova, modelo velho



“Uma nova ambição” foi o slogan do XIII congresso do PAICV, o partido no governo, realizado no último fim-de-semana. Slogan curioso, tratando-se de um congresso cuja finalidade aparente foi a de unir as fileiras, ainda com marcas da crise aberta pelas eleições presidenciais de 2011, para melhor proceder à substituição do actual líder, Dr. José Maria Neves. Mas compreende-se se a intenção é fazer os militantes confiar que vão permanecer no poder até pelo menos 2030, quando Cabo Verde será “um país desenvolvido”. Pela projecção de imagem de partido hegemó- nico no sistema político evitam lutas divisivas pela liderança e focalizam esforços dos militantes na subalternização da oposição. Nos discursos do congresso foi relembrado, em vários momentos, que o PAICV em 40 anos de independência governou 30 anos. Para se chegar a esse número não houve pudor algum em pôr no mesmo pé 15 anos de governo sem consentimento do povo (tirania, ditadura) e 15 anos de governo constitucional e com mandato do povo soberano baseado no voto. Dá para perguntar até que ponto os princípios e valores da República são assumidos pelos seus dirigentes. Com essa aritmética dúbia provavelmente pretendia-se dar por provado que é “destino” de Cabo Verde ser governado pelo PAICV. No quadro surreal assim criado, os anos noventa de governação do MpD, que por sinal são os anos da construção da democracia liberal e constitucional que Cabo Verde é hoje, são vistos como uma espécie de “desvio da história”. Também justificados ficariam os ataques, 12 anos depois, à década de noventa e o esforço em demonstrar que só quem realmente ama Cabo Verde merece governar. Os próprios. É interessante notar que a fasquia de 12 mil dólares per capita considerada ambiciosa de atingir em 2030 foi alcançada pelas Maurícias anos atrás. A diferença entre os dois, como países independentes, é de 7 anos, mas enquanto as Maurícias com a sua democracia diversificava a sua economia, industrializava-se e exportava bens e serviços, Cabo Verde caminhava sem liberdade pessoal, política e económica e com um passo rasteiro de 4,4 por cento em média. Fechado sob si próprio, hostil ao investimento directo estrangeiro e sem uma política coerente de desenvolvimento do capital humano, Cabo Verde não podia almejar atingir níveis aceitáveis de produtividade e competitividade, conseguir mercados e garantir retorno de investimento. Ficou para trás. Foi só com a implantação das liberdades e a edificação das instituições do Estado de direito, nos anos noventa, que se logrou soltar o potencial do país e crescer à média, da década, de mais 7% ao ano. A ambição pessoal de aumentar rendimentos e melhorar a qualidade de vida passou a ser o motor da nova era. A mudança de governo em 2001 constituiu de uma certa forma uma inversão de marcha. A taxa média de crescimento da década voltou a baixar para os 5,2 por cento fomentou-se a dependência de recursos externos, aumentou-se a dependência dos favores públicos e o desemprego agravou-se ainda mais. O entusiasmo do fim do milénio foi substituído pelo conformismo. Mais uma vez espera-se que o impulso do crescimento venha de donativos e da dívida concessional. Só se veio a reconhecer que a crise atingiu Cabo Verde quando os doadores se retraíram por falta de disponibilidade financeira. Entretanto a acção governamental não foi suficientemente dirigida para melhorar a competitividade, adequar o capital humano às exigências de hoje e atrair capital privado nacional e estrangeiro. Não se concretizaram as diminuições de custos de contexto nem se potencializaram oportunidades designadamente no turismo. E, como outrora, corre-se o risco de ficar agarrado a elefantes brancos fruto de investimentos de duvidosa racionalidade económica, mas perfeitos em proporcionar saltos imaginários de alavancagem do desenvolvimento. Cálculos feitos por economistas da praça apontam para 9% o crescimento do PIB para se atingir a meta dos 12 mil dólares em 2030. Os resultados muito abaixo dos previstos nos últimos três anos de investimento público, com base na dívida, deixam claro que com a economia estruturada e dirigida como tem sido até agora não será possível atingir tal taxa do PIB. Aliás, o abaixamento do rating da Fitch de estável para negativo provém também das informações definitivas sobre os anos 2008, 2009 e 2010 publicados pelo INE. A ambição pois só se concretizará com um outro modelo. Aquele que, como também noutras paragens e em vários momentos históricos, já demonstrou libertar as energias dos indivíduos e do sector privado dando as garantias institucionais que o esforço e a criatividade serão justamente compensados. Há ambição. Só que não é boa nem é nova. Parece que é mais uma das manifestações da velha ambição do poder que posto para escolher entre controlo e desenvolvimento opta invariavelmente por controlo.




Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 24 de Abril de 2013

quarta-feira, abril 17, 2013

Não repetir os erros do passado



“Fornecimento de energia e água com qualidade e a custos baixos é essencial para a melhoria do ambiente de negócios e das condições sociais”. Este é um dos vários conselhos dados pelo FMI no final da missão de Novembro de 2012 para se ultrapassar a situação actual de crescimento raso, o aumento do défice das contas correntes e o endividamento a aproximar-se dos limites da sustentabilidade. O relatório do FMI (WEO) publicado ontem baixava em 0,3% a previsão de crescimento para 2013 e alargava o défice de contas correntes de -8,9% para -13,2% do PIB.


Infelizmente o documento do FMI que trazia essa e outras recomendações ainda não foi publicado porque, segundo a ministra das Finanças, em declarações à rádio nacional, o governo não o autorizou. Supostamente continha erros nos cálculos da dívida externa. O Governo, com esta estória de erro nos dados, procura de facto minimizar o impacto da baixa do rating de Cabo Verde feita pela empresa de notação financeira Fitch. Imagine-se a felicidade dos gregos, portugueses,cipriotas e outros se pudessem dizer o mesmo e mudar a realidade vivida.


A fraca competitividade do país em vários sectores de actividade resulta em grande medida dos custos excessivos de energia e água. Uma década de uma gestão desastrosa do sector de energia e água deixou comparativamente o país com tarifas das mais altas entre os países da África. As famílias e as empresas tiveram que lidar anos a fio com blackouts sucessivos, imprevisíveis e duradoiros. Foram obrigados a arcar com os custos da baixa qualidade e falta de garantia de fornecimento contínuo adquirindo geradores e substituindo equipamentos e electrodomésticos danificados por variações bruscas de tensão. Enquanto tudo isso acontecia, assistia-se ao espectáculo protagonizado pelas autoridades de escolher em quem deitar as culpas na sequência de mais um apagão ou período de semanas sem água.


Na próxima semana, o Governo leva à Assembleia Nacional o debate sobre o sistema energético. Provavelmente considera que o momento é ideal para mostrar que colocou o país num caminho seguro para a resolução dos problemas de energia. O discurso oficial põe enfase nas taxas de penetração das renováveis, ontem de 25%, hoje de 50% e até já se fala de 100%. Mas, como em muitos desses investimentos feitos com recurso a crédito externo, a relação custo/benefício não é a melhor como é notório no caso das centrais solares de Santiago e do Sal. O facto é que mesmo com infusão da energia eléctrica a partir dos aerogeradores ainda não houve abaixamento do preço e o custo no consumidor do KWh, à volta de meio dólar, continua dos mais altos do mundo.


Quando se vê a situação actual da Electra com a sua reputação abalada junto do público e constituindo pelo volume das suas dívidas um risco orçamental, convém lembrar do que se deve evitar na governação do país e na gestão da coisa pública. Primeiro, há que fugir à tentação de transformar sectores chaves da vida do país em campos de batalha ideológicos em que se deixam soltos sentimentos neonacionalistas e anti-privatizações. Segundo, os investimentos devem ser programados de forma a serem feitos em tempo próprio, encadeados para terem maior impacto e submetidos a uma estratégia com objectivos bem definidos. Terceiro, a responsabilização pelo andamento do processo e pelos resultados deve ser assumido por quem de direito não deixando vazios de orientação que deitam a perder o capital humano e organizacional acumulado e sentido de pertença e orgulho dos trabalhadores.


O mundo da energia ainda traz muitas surpresas: quando se pensava que o preço dos combustíveis fósseis seria só a subir, inovações tecnológicas como o fracking, a extracção do gás natural das rochas xistosas, dão-lhes nova vida. Aumenta a oferta, baixam os preços, aparecem novos produtores e mais longo e árduo se torna o caminho para a implantação das energias renováveis. Cabo Verde, pelo potencial em energia eólica e nível de irradiação solar existente, tem um futuro nas energias renováveis. Importa agora, com uma rede inteligente “smart grid” e com a promoção de atitudes e regulações viradas para a eficiência energética, criar condições para que apareçam novos operadores e soluções inovadoras. Soluções que contribuam para que a energia chegue a todos a um preço aceitável e seja um factor de competitividade do país.


Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 17 de Abril de 2013

quarta-feira, abril 03, 2013

Cansaço



Sente-se que o exercício do poder se aproxima da sua fase derradeira quando se multiplicam os sinais de falta de equilíbrio e ponderação por parte do Governo. Em decisões tomadas, na comunicação com o país e no tratamento do contraditório ou de simples descontentamento popular já se nota desrespeito pelo princípio da necessidade, da adequação e da proporcionalidade. Revelador nesse aspecto é o acórdão 26/2013 do Supremo Tribunal de Justiça que mostrou ser excessiva a coacção sob a forma de impedimento de entrada no local de trabalho e perda de vencimento imposta aos funcionários do Ministério das Finanças. Tinham-se negado a fornecer impressões digitais para um sistema de controlo de assiduidade cuja garantia de guarda efectiva de dados pessoais não era conhecida.


Excessos quase bipolares sucedem-se na comunicação. De um lado, o convite do presidente Obama, transformado em acontecimento histórico, é tratado de forma estrambólica. No sentido oposto dá-se sinais de autismo quando a ministra das Finanças responde secamente a jornalistas sobre a devolução do IUR com um “o MF está a fazer o seu trabalho”. Num momento o Primeiro Ministro chama de terroristas a deputados da oposição que no Parlamento, sede própria do contraditório democrático, questionaram políticas, exigiram responsabilização por manifesta má gestão da DGCI e chamaram atenção para por condutas alegadamente pouco éticas. No momento seguinte há festejos e regozijo porque Cabo Verde aparece colocado no 26º lugar das democracias do mundo.


Mesmo de instituições normalmente menos vulneráveis como as Forças Armadas vêm sinais preocupantes. A reacção do Chefe de Estado Maior na imprensa escrita em resposta a um alegado descontentamento de oficiais superiores não foi a mais cuidada e prudente. Respeito pela hierarquia e por critérios meritocráticos em promoções e na atribuição de comandos é fundamental para que a instituição esteja sempre à altura das suas missões constitucionais. Também já se notam tensões intra e inter-institucionais resultantes das tarefas em matéria de segurança interna que cada vez mais se confere às Forças Armadas. O quadro legal-constitucional entrega à Polícia a responsabilidade única pela segurança interna. Na falta de ajustes no tempo certo, de alterações de normas existente e de coordenação num quadro legal claro, surgem necessariamente tensões que acabam por afectar a eficácia operacional das forças.


A três anos do fim do mandato, a estabilidade governativa ressente-se de decisões importantes já pré-anunciadas quanto à liderança do partido que o sustenta. O primeiro ministro é presidente do Paicv até fins de 2014. Depois terá um ano de gestão certamente mais complexa do país porque a convergência com o novo líder do partido nem sempre se verificará. Dois membros do governo já se pronunciaram publicamente sobre a eventualidade de se candidatarem a presidente do partido. O ministro da Defesa Nacional está demissionário. Nos questionamentos dos jornalistas feitos à ministra das Finanças na sequência do relatório do FMI sobre a DGCI e também das promessas não cumpridas de devolução do IUR sente-se que há expectativa que ela não vai durar no cargo.


O terreno movediço debaixo do governo acontece precisamente quando as opções de política feitas no passado não deram os frutos pretendidos. Os investimentos públicos realizados não abriram caminho para investimentos privados indutores de crescimento significativo e criador de empregos. Mais: levaram o défice orçamental a atingir os valores mais altos de sempre e a dívida pública a aproximar-se do limiar da sustentabilidade. Culpar a crise internacional pelas dificuldades actuais não colhe, porque a perda de donativos e de acesso privilegiado a empréstimos concessionais já estava pré-determinado. Era consequência da graduação a país de rendimento médio. De facto, perdeu-se tempo, muita coisa foi para debaixo do tapete e o governo auto-iludiu-se com a sua retórica de transformação.


Tempos complicados vivem-se hoje. Muitas reformas ficarão por fazer, problemas sociais vários amontoaram-se, a administração depois de anos de forte partidarização deixa transparecer o seu desnorte e ineficácia e o espaço público revela um défice grande na sua capacidade de gerar soluções no quadro da dinâmica governo/oposição e governo/sociedade civil. É essencial que projectos de liderança emerjam e que sejam capazes de, num quadro plural, forjar vontades abrangentes, reconstituir a fibra da sociedade e imprimir uma nova motivação e confiança no futuro.


Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 3 de Abril de 2013.