quarta-feira, abril 03, 2013

Cansaço



Sente-se que o exercício do poder se aproxima da sua fase derradeira quando se multiplicam os sinais de falta de equilíbrio e ponderação por parte do Governo. Em decisões tomadas, na comunicação com o país e no tratamento do contraditório ou de simples descontentamento popular já se nota desrespeito pelo princípio da necessidade, da adequação e da proporcionalidade. Revelador nesse aspecto é o acórdão 26/2013 do Supremo Tribunal de Justiça que mostrou ser excessiva a coacção sob a forma de impedimento de entrada no local de trabalho e perda de vencimento imposta aos funcionários do Ministério das Finanças. Tinham-se negado a fornecer impressões digitais para um sistema de controlo de assiduidade cuja garantia de guarda efectiva de dados pessoais não era conhecida.


Excessos quase bipolares sucedem-se na comunicação. De um lado, o convite do presidente Obama, transformado em acontecimento histórico, é tratado de forma estrambólica. No sentido oposto dá-se sinais de autismo quando a ministra das Finanças responde secamente a jornalistas sobre a devolução do IUR com um “o MF está a fazer o seu trabalho”. Num momento o Primeiro Ministro chama de terroristas a deputados da oposição que no Parlamento, sede própria do contraditório democrático, questionaram políticas, exigiram responsabilização por manifesta má gestão da DGCI e chamaram atenção para por condutas alegadamente pouco éticas. No momento seguinte há festejos e regozijo porque Cabo Verde aparece colocado no 26º lugar das democracias do mundo.


Mesmo de instituições normalmente menos vulneráveis como as Forças Armadas vêm sinais preocupantes. A reacção do Chefe de Estado Maior na imprensa escrita em resposta a um alegado descontentamento de oficiais superiores não foi a mais cuidada e prudente. Respeito pela hierarquia e por critérios meritocráticos em promoções e na atribuição de comandos é fundamental para que a instituição esteja sempre à altura das suas missões constitucionais. Também já se notam tensões intra e inter-institucionais resultantes das tarefas em matéria de segurança interna que cada vez mais se confere às Forças Armadas. O quadro legal-constitucional entrega à Polícia a responsabilidade única pela segurança interna. Na falta de ajustes no tempo certo, de alterações de normas existente e de coordenação num quadro legal claro, surgem necessariamente tensões que acabam por afectar a eficácia operacional das forças.


A três anos do fim do mandato, a estabilidade governativa ressente-se de decisões importantes já pré-anunciadas quanto à liderança do partido que o sustenta. O primeiro ministro é presidente do Paicv até fins de 2014. Depois terá um ano de gestão certamente mais complexa do país porque a convergência com o novo líder do partido nem sempre se verificará. Dois membros do governo já se pronunciaram publicamente sobre a eventualidade de se candidatarem a presidente do partido. O ministro da Defesa Nacional está demissionário. Nos questionamentos dos jornalistas feitos à ministra das Finanças na sequência do relatório do FMI sobre a DGCI e também das promessas não cumpridas de devolução do IUR sente-se que há expectativa que ela não vai durar no cargo.


O terreno movediço debaixo do governo acontece precisamente quando as opções de política feitas no passado não deram os frutos pretendidos. Os investimentos públicos realizados não abriram caminho para investimentos privados indutores de crescimento significativo e criador de empregos. Mais: levaram o défice orçamental a atingir os valores mais altos de sempre e a dívida pública a aproximar-se do limiar da sustentabilidade. Culpar a crise internacional pelas dificuldades actuais não colhe, porque a perda de donativos e de acesso privilegiado a empréstimos concessionais já estava pré-determinado. Era consequência da graduação a país de rendimento médio. De facto, perdeu-se tempo, muita coisa foi para debaixo do tapete e o governo auto-iludiu-se com a sua retórica de transformação.


Tempos complicados vivem-se hoje. Muitas reformas ficarão por fazer, problemas sociais vários amontoaram-se, a administração depois de anos de forte partidarização deixa transparecer o seu desnorte e ineficácia e o espaço público revela um défice grande na sua capacidade de gerar soluções no quadro da dinâmica governo/oposição e governo/sociedade civil. É essencial que projectos de liderança emerjam e que sejam capazes de, num quadro plural, forjar vontades abrangentes, reconstituir a fibra da sociedade e imprimir uma nova motivação e confiança no futuro.


Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 3 de Abril de 2013.

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