quarta-feira, abril 24, 2013

Ambição nova, modelo velho



“Uma nova ambição” foi o slogan do XIII congresso do PAICV, o partido no governo, realizado no último fim-de-semana. Slogan curioso, tratando-se de um congresso cuja finalidade aparente foi a de unir as fileiras, ainda com marcas da crise aberta pelas eleições presidenciais de 2011, para melhor proceder à substituição do actual líder, Dr. José Maria Neves. Mas compreende-se se a intenção é fazer os militantes confiar que vão permanecer no poder até pelo menos 2030, quando Cabo Verde será “um país desenvolvido”. Pela projecção de imagem de partido hegemó- nico no sistema político evitam lutas divisivas pela liderança e focalizam esforços dos militantes na subalternização da oposição. Nos discursos do congresso foi relembrado, em vários momentos, que o PAICV em 40 anos de independência governou 30 anos. Para se chegar a esse número não houve pudor algum em pôr no mesmo pé 15 anos de governo sem consentimento do povo (tirania, ditadura) e 15 anos de governo constitucional e com mandato do povo soberano baseado no voto. Dá para perguntar até que ponto os princípios e valores da República são assumidos pelos seus dirigentes. Com essa aritmética dúbia provavelmente pretendia-se dar por provado que é “destino” de Cabo Verde ser governado pelo PAICV. No quadro surreal assim criado, os anos noventa de governação do MpD, que por sinal são os anos da construção da democracia liberal e constitucional que Cabo Verde é hoje, são vistos como uma espécie de “desvio da história”. Também justificados ficariam os ataques, 12 anos depois, à década de noventa e o esforço em demonstrar que só quem realmente ama Cabo Verde merece governar. Os próprios. É interessante notar que a fasquia de 12 mil dólares per capita considerada ambiciosa de atingir em 2030 foi alcançada pelas Maurícias anos atrás. A diferença entre os dois, como países independentes, é de 7 anos, mas enquanto as Maurícias com a sua democracia diversificava a sua economia, industrializava-se e exportava bens e serviços, Cabo Verde caminhava sem liberdade pessoal, política e económica e com um passo rasteiro de 4,4 por cento em média. Fechado sob si próprio, hostil ao investimento directo estrangeiro e sem uma política coerente de desenvolvimento do capital humano, Cabo Verde não podia almejar atingir níveis aceitáveis de produtividade e competitividade, conseguir mercados e garantir retorno de investimento. Ficou para trás. Foi só com a implantação das liberdades e a edificação das instituições do Estado de direito, nos anos noventa, que se logrou soltar o potencial do país e crescer à média, da década, de mais 7% ao ano. A ambição pessoal de aumentar rendimentos e melhorar a qualidade de vida passou a ser o motor da nova era. A mudança de governo em 2001 constituiu de uma certa forma uma inversão de marcha. A taxa média de crescimento da década voltou a baixar para os 5,2 por cento fomentou-se a dependência de recursos externos, aumentou-se a dependência dos favores públicos e o desemprego agravou-se ainda mais. O entusiasmo do fim do milénio foi substituído pelo conformismo. Mais uma vez espera-se que o impulso do crescimento venha de donativos e da dívida concessional. Só se veio a reconhecer que a crise atingiu Cabo Verde quando os doadores se retraíram por falta de disponibilidade financeira. Entretanto a acção governamental não foi suficientemente dirigida para melhorar a competitividade, adequar o capital humano às exigências de hoje e atrair capital privado nacional e estrangeiro. Não se concretizaram as diminuições de custos de contexto nem se potencializaram oportunidades designadamente no turismo. E, como outrora, corre-se o risco de ficar agarrado a elefantes brancos fruto de investimentos de duvidosa racionalidade económica, mas perfeitos em proporcionar saltos imaginários de alavancagem do desenvolvimento. Cálculos feitos por economistas da praça apontam para 9% o crescimento do PIB para se atingir a meta dos 12 mil dólares em 2030. Os resultados muito abaixo dos previstos nos últimos três anos de investimento público, com base na dívida, deixam claro que com a economia estruturada e dirigida como tem sido até agora não será possível atingir tal taxa do PIB. Aliás, o abaixamento do rating da Fitch de estável para negativo provém também das informações definitivas sobre os anos 2008, 2009 e 2010 publicados pelo INE. A ambição pois só se concretizará com um outro modelo. Aquele que, como também noutras paragens e em vários momentos históricos, já demonstrou libertar as energias dos indivíduos e do sector privado dando as garantias institucionais que o esforço e a criatividade serão justamente compensados. Há ambição. Só que não é boa nem é nova. Parece que é mais uma das manifestações da velha ambição do poder que posto para escolher entre controlo e desenvolvimento opta invariavelmente por controlo.




Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 24 de Abril de 2013

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