quarta-feira, maio 08, 2013
Mudar
A Administração Pública cabo-verdiana não está bem. Vozes, incluindo a do próprio primeiro-ministro, passando pelos empresários, até os cidadãos comuns e utentes dos serviços apontam para anomalias potencialmente prejudiciais ao país e ao desenvolvimento. O PM refere-se à postura burocrática, virada para dentro e negativa em relação ao sector privado. Os empresários sentem-se muitas vezes como uma espécie de alvo a abater. Os utentes sofrem a quase total ausência de uma cultura de serviço em que favoritismos e discriminações são frequentes.
As revelações das últimas semanas vieram acrescentar outros problemas. Casos de corrupção e exemplos de incompetência deixaram o país estupefacto. O choque foi maior porque o epicentro se localizou precisamente no ministério das Finanças. Já causava estranheza a incapacidade reiterada das Finanças em resolver os problemas do IUR e do IVA de vários anos atrás. Brigava com a imagem de rigor que se insistia em projectar. Com o relatório do FMI sobre o estado de funcionamento da direcção geral das Contribuições e Impostos, não ficaram dúvidas quanto às razões de tanta ineficácia. As notícias dos desvios tendo como alegados protagonistas a “equipa de elite” dos controladores financeiros mostrou que afinal o barco estava cheio de buracos.
A questão que se coloca é saber se o problema é localizado ou sistémico. Os avisos reiterados do Tribunal de Contas deixam a entender que são muitas as deficiências no controlo da execução orçamental. Alterações de dotações orçamentais relativos a donativos e a empréstimos externos não constam dos mapas. Receitas de certos serviços são utilizadas antes de darem entrada no Tesouro. Frequentes adendas são incluídas em contractos de empreitadas aumentando significativamente os custos finais das obras do Estado. Num quadro assim pintado os incidentes e situações no ministério das Finanças podem vir a revelar-se como a ponta do icebergue dos males que afligem a administração pública.
Da administração do Estado, os cidadãos, as famílias e as empresas esperam um conjunto de condições a começar pela segurança, saúde, educação e a garantia de um quadro legal que lhes permita realizarem-se de acordo com sua motivação, energia e criatividade. Para isso, o acesso deve ser igual para todos e a disponibilização dos serviços tem que ser feita com eficiência na utilização dos meios e eficácia na consecução dos objectivos de modo a não pesar a economia e as pessoas com impostos desnecessários. Ninguém quer um Estado virado para dentro, olhando de lado a economia e sem controlo das despesas.
A administração pública cabo-verdiana sofre de partidarização excessiva. Nota-se nos períodos eleitorais o número de directores, presidentes de institutos públicos e de fundações que aparecem nas listas do partido no governo. Um outro sinal revelador da existência de outros critérios, que não os meritocráticos, são as nomeações de quadros com poucos anos de serviço público para posições cimeiras nos ministérios, nos institutos e nas agências reguladoras. A Constituição da República obriga a isenção e imparcialidade no tratamento dos utentes dos serviços do Estado e proíbe que se descrimine com base em opções político-partidárias. O respeito por esses princípios devia gerar um ethos e uma ética na administração pública que não é o que actualmente existe. Denúncias feitas por vários protagonistas políticos, mesmo de rivais no interior do partido que suporta o governo, apontam para o uso sistemático de fundos, bens e empregos do Estado para atingir objectivos políticos.
Em ambiente de uso generalizado dos recursos do Estado para influenciação política, as portas ficam abertas para a incompetência, a ineficácia e para o desperdício e mesmo para a pequena e a grande corrupção. Como travar a derrapagem é a questão que se coloca com cada vez maior acuidade. Duas opções se colocam. Deixar o Estado no “topo” da cadeia alimentar controlando os fluxos externos e certificando que tudo o resto – a economia e as pessoas – fica no lugar designado ou reposicioná-lo na vida do país como regulador e facilitador do desenvolvimento.
Na primeira opção vão manter-se as mazelas já referenciadas: a administração vai servir-se cada vez mais do bolo comum, não irá permitir que a cultura administrativa e burocrática seja substituída por uma outra, empresarial, empreendedora e voltada para resultados, e nem que finalmente emerja uma cultura de serviço tão essencial ao turismo e outras actividades de prestação e exportação de serviços.
Já na segunda opção há esperança de que os problemas actuais de crescimento e emprego poderão ser ultrapassados. O país ganhará competitividade se diminuírem os custos do contexto e se apostar no desenvolvimento estratégico do capital humano guiado por valores como excelência, qualidade e sobriedade na utilização de recursos e completamento aberto à inovação.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 8 de Maio de 2013
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