quarta-feira, setembro 10, 2014

Buracos na segurança interna



JORNAL EXPRESSO DAS iLHAS Nº 667 DE 10 DE SETEMBRO DE 2014

EDITORIAL


Uma percepção de insegurança persiste em Cabo Verde apesar dos esforços oficiais em demonstrar que a criminalidade tende a baixar. Os homicídios frequentes, particularmente na capital, os assaltos constantes “caçubodi” a que todos sem excepção podem estar sujeitos e a violência que paira no ar e espreita por trás de qualquer interacção social mais tensa reforçam esse sentimento de intranquilidade. Os governantes e outras autoridades não ajudam  no restaurar da confiança da população. Ficam entre actuações policiais várias vezes inadequadas ou excessivas e atitudes de alguma desresponsabilização face aos múltiplos problemas sociais subjacentes ao surto da criminalidade no país. O resultado é o se vê no inquérito do INE sobre a Governança, Paz e Segurança em que mais de 34 por cento da população receia ser vítima de crime e quase 50 por cento não confia na polícia.
Não há indícios de que a situação venha a  melhorar. Pelo contrário, os problemas sociais tendem a agravar-se com o crescimento económico raso e o desemprego elevado em particular entre os jovens. Não se nota qualquer inflexão na política do governo que privilegie a criação rápida de empregos. Continua-se a apostar em programas chamados de empreendedorismo, de formação, de auto-emprego e outros programas  afins que na maior parte dos casos, como já foi várias vezes denunciadas por personalidades e entidades diversas, vão alimentar redes de influência  na perspectiva de eleições próximas. O ambiente que se cria nas comunidades com tais práticas partidárias e obviamente exclusivas de uns a favor de outros é de aumento da desconfiança, da tensão social e do número de incivilidades que facilmente degeneram para o crime.
Também da actuação do Estado na garantia da segurança, da ordem e da tranquilidade dos cidadãos não se espera mudanças rápidas. Através do diagnóstico feito no âmbito do Plano Estratégico de Segurança Interna publicado no BO de 26 de Agosto último, fica-se a conhecer as insuficiências graves de que padece o sistema de segurança nacional, entre as quais: 1) a falta de cooperação e coordenação entre os vários subsistemas designadamente a polícia nacional, polícia judiciária, ministério público, guarda costeira, guarda nacional e sistema de informação da república (SIR); 2) os insucessos na integração das polícias fiscal e  marítima com a polícia de ordem pública; 3) a falta de capacidade operacional e de competências fundamentais para a investigação criminal, para o serviço de fronteiras, e para responder a emergências nacionais e locais no âmbito da protecção civil.
O recente fiasco no domínio do controle de armas é elucidativo. A própria ministra da Administração Interna veio a público reconhecer o falhanço do programa de entrega voluntária de armas. Entretanto, homicídios e assaltos acontecem cada vez mais com recurso a armas de fogo. E a polícia aparentemente não consegue recolher armas ilegalmente nas mãos de pessoas, não consegue parar o contrabando de armas e não consegue impedir que sejam fabricadas  artesanalmente no próprio país. Compreende-se que perante os fracassos constatados procure-se agora adoptar um plano estratégico que almeje superar as ineficiências existentes e tente trazer uma maior eficácia à acção da polícia. A pergunta que fica é porque só isso acontece sete anos depois das grandes mudanças no sistema de segurança com a criação da polícia nacional e reorganização das forças armadas em guarda nacional e guarda costeira. As insuficiências do modelo eram evidentes logo à nascença.
Sabe-se que em matéria de organização dificilmente se consegue ganhar em eficiência e eficácia e obter resultados desejados deixando que interesses estranhos se imponham no processo e interfiram na orientação geral do sistema. A incapacidade até hoje de integrar a polícia de ordem pública, polícia fiscal e polícia marítima na polícia nacional leva a pensar que a motivação primeira não teria sido a eventual melhoria operacional da polícia que daí porventura resultasse. A opção por deixar a guarda costeira nas forças armadas e criar uma guarda nacional dirigida para a segurança interna poderá ter trazido algum conforto a quem estaria à procura de uma missão que justificasse as forças armadas nos tempos actuais. Facto é porém que por falta de articulação, por razões da Constituição e da lei e por resistências das corporações em presença, não se vêem os grandes ganhos da cooperação da tropa com a polícia. Mesmo no mar, onde a guarda costeira com mais meios poderia ser mais visível e óbvia a cooperação, é o próprio estudo que revela que a relação está abaixo do desejável e que a polícia marítima é a força policial com menos capacidade de intervenção.
Nos tempos de hoje as ameaças à segurança nacional são diversas, têm recursos consideráveis e podem vir de qualquer lado. Algumas podem tomar a forma de tráficos: droga, armas, sexo. Outras são mais subtis mas não menos violentas como a lavagem de capitais, o terrorismo e tráfico de pessoas. Epidemias como o Ébola constituem um desafio poderoso à capacidade de um país se defender de uma forma equilibrada e efectiva. Para isso é fundamental a adequação das instituições aos seus objectivos e o desenvolvimento da capacidade de articulação entre si. O diagnóstico apresentado no documento do Plano Estratégico deve levar as autoridades a repensar profundamente o desenho institucional existente e procurar soluções para os problemas existentes. Todos querem ter segurança, mas num ambiente livre da arbitrariedade e de excessos de qualquer tipo.



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