Felisberto Vieira em declarações na semana passada falou de mudança de gerações no PAICV na sequência da sua derrota face à Janira Hopffer Almada na corrida para presidente desse partido. O apoio dele vinha de actuais dirigentes, deputados e antigos dirigentes. O grosso do suporte da candidatura vencedora era constituído por quadros que embora jovens já ocupam posições importantes na administração pública e noutras entidades públicas e privadas em que o Estado tem fortes interesses. Gente que não esconde a sua ambição de ir mais longe e depressa.
Talvez em reconhecimento desse facto Felisberto Vieira fez da defesa do que chamou “ideais de Cabral” um dos eixos estratégicos da sua campanha. Em vários encontros repetiu “que comprar militantes em troca de favores” não é seguir “os valores e ensinamentos de Cabral”. Não teve muito sucesso aí e perdeu ficando pelos 40 por cento dos votos, uma percentagem que um mês depois no Congresso do partido cairia para 28,8 por cento confirmando o movimento de realinhamento de muitos com a líder eleita. Pelo desfecho do confronto pode-se provavelmente concluir que o que mais move a nova geração de políticos não são tanto os ideais mas antes a ambição de realização rápida. Uma postura que a realidade do país parece favorecer.
A situação socio-económica de Cabo Verde não é a melhor. Ao crescimento raso dos últimos anos e ao desemprego preocupante particularmente dos jovens vem-se juntar a percepção crescente da fragilidade do país face a qualquer crise. Aos problemas com a insegurança e as dificuldades em ter uma justiça célere somam-se as ansiedades com o sistema de transportes inter-ilhas devido a desastres e quási-desastres recentes, dúvidas quanto ao que realmente as crianças e jovens estão a aprender nas escolas, liceus e universidades e preocupações em conseguir benefícios do sistema de saúde em linha com os investimentos feitos. Vias para a realização pessoal e profissional estreitam-se quando há cada vez menos espaço para o sector privado e a carreira noutros sectores está contaminada pela política que dispensa favores, recompensa lealdades e não reconhece o mérito.
Em tal ambiente de oportunidades minguadas em todos os sectores, a captura do Estado e dos acessos e recursos que pode disponibilizar torna-se no grande prémio a cobiçar e a conquistar. Com a economia privada em franca contracção, o Estado agiganta-se no todo nacional e quem o dirige posiciona-se claramente no ”topo da cadeia alimentar”. Sem possibilidade de actividade autónoma, muitos acabam por estabelecer relações de dependência com os detentores do poder e os provedores de benefícios sociais. Abre-se assim o caminho para várias formas de corrupção, entre as quais, a corrupção eleitoral, bastas vezes denunciada.
O fenómeno não é exclusivo de Cabo Verde. Cedo ou tarde acaba por acontecer nos países em que fluxos externos não derivados do esforço nacional sejam eles ajudas, empréstimos baratos ou fundos estruturais a fundo perdido ganham peso na economia nacional. É o que aconteceu com vários dos países do Sul da Europa. Na Grécia atingiu proporções catastróficas precipitando a crise da dívida soberana que tem hoje a Europa de joelhos. Sempre que não se usa estrategicamente a “ajuda” para, num futuro próximo se libertar dela, surgem distorções graves. Em consequência, mais remota fica a possibilidade de ultrapassar a dependência e colocar o país no caminho do crescimento económico e do desenvolvimento sustentável.
O Sr. Primeiro-Ministro no encontro da semana passada com empresários, pela enésima vez, reconheceu que a administração pública precisa “promover negócios, promover empregos e promover investimentos”. O problema é que o PM já entrou no seu décimo quinto ano a dirigi-la, mas a sensibilidade da administração em relação à actividade das empresas continua basicamente a mesma apesar das repetidas promessas em fazer as mudanças que se impõem para tornar o país competitivo e melhorar o ambiente de negócios. De facto, não é visível que o Estado esteja a ficar mais competente nem que aumente o seu engajamento em prol da iniciativa privada. A situação das empresas nas ruas da amargura, após muitas centenas de milhões de euros em investimento público, é prova disso. Para isso contribui a excessiva partidarização da administração pública que se tem revelado altamente prejudicial não só em termos de mobilização de competências como também da própria articulação do Estado no seguimento e materialização das decisões dos governantes. Vários empresários e investidores queixam-se de bloqueios, ausência de respostas e entraves diversos.
A ordem natural das coisas é que haja rejuvenescimento das organizações políticas e mudança de geração na direcção das estruturas partidárias e nos círculos de governação do país. Com essa dinâmica espera-se que globalmente se ganhe em competência e se aprimore o sentido de serviço público e não o contrário e só sobeje ambição pura. Governar Cabo Verde deve ser sempre um acto de coragem e de idealismo. No mundo difícil e complexo de hoje governar requer a maior competência possível e a abnegação necessária a favor das gerações actuais e futuras. As eleições de 2016 não devem constituir uma corrida para assegurar os parcos recursos a favor do poder de uma minoria. Deve ser a via para levar os melhores a trabalhar a fim de garantir que todos consigam realizar-se e prosperar num Cabo Verde a crescer e a desenvolver-se.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 28 de Janeiro de 2015
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