Na passagem do ano 2014 para 2015 a segurança moveu-se firmemente para o topo das prioridades do país. O atentado contra o filho do Primeiro Ministro veio confirmar um padrão de confronto com o Estado que já se tinha manifestado antes em ameaças e mesmo violência contra magistrados e recentemente culminou com o assassinato da mãe de uma inspectora da polícia judicial. Para o Governo, em comunicado emitido no início da semana, não há dúvidas de que tais acções têm origem na criminalidade organizada e com conexões transfronteiriças e que configuram ataques às instituições do Estado de Direito e à Segurança Nacional.
Há muito que os cidadãos e várias forças da sociedade vinham pressionando as autoridades para que a segurança, a ordem e a tranquilidade pública fossem assumidas plenamente por quem tem a responsabilidade primeira de as garantir a todos: o Estado. A ansiedade pública face à criminalidade respondia-se muitas vezes com estatísticas que pretendiam provar que os níveis de criminalidade estavam a baixar. Outras vezes dizia-se que era uma questão de percepção sem real tradução na realidade da vida social. Recentemente pôs-se enfase na responsabilidade pessoal de “não circular por certos sítios e sozinhos” e na responsabilidade familiar em não produzir ambiente propiciador do surgimento de thugs e gangs.
No entretanto, o país vinha assistindo à escalada de violência com o proliferar de homicídios em aparentes “ajustes de contas” entre gangs e narcotraficantes e com a utilização de armas de fogo nos assaltos chamados de caçubodi. Nota-se que que cada vez mais a violência não se limita a ameaçar com arma de fogo. Já se vai mais longe e aponta-se à cabeça aumentando extraordinariamente o perigo de um pequeno assalto se transformar numa tragédia como aconteceu recentemente em Pensamento. Por outro lado, a opção simplesmente por uma resposta “musculada” da polícia e pela intervenção do exército, a exemplo do que se constatou noutras paragens, poderá não ter sido a melhor para conter o crescendo de violência. Não foi capaz de pôr cobro à insegurança reinante e transmitir confiança às pessoas e às comunidades. Os delinquentes continuam armados não obstante as operações de “parar e revistar” feitos a milhares de pessoas. E o “stop and frisk”, embora não se traduza em número significativo de armas apreendidas, deixam no seu rasto ressentimento e hostilidade das comunidades, aprofundando a desconfiança mútua e diminuindo o grau de colaboração essencial ao trabalho da polícia.
É evidente que a violência interna é, em parte, alimentada e potenciada por factores externos. A inclusão de Cabo Verde nas rotas do narcotráfico em direcção ao mercado europeu não podia deixar de afectar o país e a sociedade. Surgiram intermediários e facilitadores de toda espécie, muito capital foi lavado e inevitavelmente desenvolveu-se um mercado interno mesmo que de pequena dimensão. O crime grande e pequeno instalou-se e a estrutura da segurança existente, apesar de absorver cada vez mais recursos públicos, tem-se mostrado incapaz de o conter.
A cooperação internacional com as autoridades europeias e americanas tem sido muito útil no combate aos crimes do tráfico e de lavagem de capitais. No âmbito da operação Lancha Voadora, em 2010, foram apreendidas 1,5 toneladas de cocaína no valor calculado de mais 100 milhões de dólares. Recentemente foram apanhados 500 quilos provavelmente com o valor de várias dezenas de milhões de dólares. Pelos valores envolvidos, é evidente que há um elemento de risco para o país, tanto em termos de eventual retaliação do crime organizado como também no julgar e manter em prisão os acusados e os culpados do crime de tráfico de drogas e de lavagem de capitais. O governo deve assegurar-se de que esse risco é devidamente avaliado e que a cooperação com os outros países na luta contra a droga também inclua a capacitação efectiva para se defender de eventuais retaliações vindas de interior ou do exterior.
O desafio ao Estado e às suas instituições lançado pelo mundo do crime tem que ser confrontado com firmeza e com uma liderança esclarecida. Não deve ficar qualquer dúvida sobre quem deve garantir a segurança e a ordem e a tranquilidade pública. É fundamental abandonar o hábito de varrer os problemas para debaixo do tapete e fingir que não existem, ou são invenção dos outros ou resultam de percepções deslocadas da realidade. No Plano Estratégico de Segurança Interna publicado em Agosto último vêem-se as falhas graves na coordenação das forças e entidades que fazem a estrutura de segurança do país. Urge ultrapassar tudo isso e produzir resultados. Que 2015 traga um Cabo Verde mais seguro, na liberdade e na democracia.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 7 de Janeiro de 2015
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