Aparentemente há consenso geral entre as forças políticas e na sociedade que o sector privado nacional deve ter um papel central no desenvolvimento do país. Alguns terão chegado a essa conclusão recentemente com o esgotamento do modelo de gestão das ajudas externas. Outros quererão dar continuidade ao esforço de reestruturação da economia que acompanhou o processo de democratização do país nos anos noventa. Outros ainda fazem o discurso politicamente correcto para os parceiros internacionais enquanto na prática prefeririam continuar com a situação actual de preponderância estatal na economia que garante rendimento seguro, estatuto social e influência política à chamada “classe média” do Estado. Em qualquer dos casos, a questão que se coloca actualmente é como proceder para realmente atingir esse objectivo e fazer do sector privado o motor do crescimento e de criação de empregos.
Vislumbrar um caminho para alcançar esse desiderato poderia ser um dos grandes resultados do debate sobre o Estado da Nação que vai ter lugar na Assembleia Nacional no dia 29 de Julho. Claramente que não é uma tarefa fácil mas é de uma urgência sem paralelo. É urgente porque o país, depois de anos a viver numa estagnação económica e com uma dívida pública pesada que diminui a capacidade de mobilização do investimento público, exige que se encontre a breve trecho uma alternativa de financiamento da economia que necessariamente inclua a mobilização do investimento directo estrangeiro. E não será fácil porque esse esforço de atracção de capital deverá articular-se virtuosamente com a promoção do sector privado nacional para se conseguir realizar o potencial do país. Logo à partida sente-se que fazer isso numa pequena economia arquipelágica e afastada dos grandes centros económicos mundiais é de uma complexidade extraordinária. O facto de nos últimos 15 anos Cabo Verde ter tido sete ministros de Economia ilustra bem os desafios enormes que se colocam no caminho da construção de uma estrutura produtiva no país capaz de fazer crescer a economia, criar empregos e exportar.
Quando os problemas são postos em cima da mesa evidenciam-se logo a questão do financiamento bancário, do custo de factores como energia e água e os de contexto designadamente os resultantes da interacção com a administração pública e as consequências da sua insensibilidade, burocracia e até favoritismo. Traz-se também à colação as dificuldades com os transportes aéreos e marítimos em realizar o velho sonho de unificação de um mercado fragmentado por nove ilhas. A todos estes empecilhos vieram juntar-se nos últimos anos as consequências de políticas governamentais no que respeita designadamente às obras públicas e habitação, ao fisco e à organização da actividade económica.
Assim, depois de centenas de milhões de contos investidos em obras públicas e habitação social por todo o país, o sector nacional de construção civil praticamente faliu ou ficou em sérias dificuldades financeiras. O aperto do fisco acompanhado das falhas na restituição do IVA pôs muitas empresas em sérias dificuldades financeiras e constituiu um factor de aumento da informalidade no país. A gestão do processo de integração na Organização Mundial do Comércio (OMC) deixou os operadores económicos completamente expostos à concorrência nem sempre leal de empresários estrangeiros à procura de fatias do já minguado mercado nacional, em particular do mercado do retalho sem que se vislumbre os benefícios da entrada na OMC. Mesmo no fornecimento de bens e serviços ao mercado criado pelo impulso do turismo não se desenvolveu qualquer estratégia discernível que acautelasse o interesse de operadores nacionais.
A história económica de países que foram bem-sucedidos no seu desenvolvimento evidencia muito bem o papel do Estado na promoção e expansão do sector privado nacional. O exemplo mais recente dos países do Sudeste asiático e também da Costa Rica, das Maurícias e das Seychelles mostram como, sem cair no proteccionismo estrito ou em políticas de substituição de importações, souberam equilibrar a opção pela exportação com a salvaguarda de condições para um sector privado nacional crescer, afirmar-se e estar posteriormente em posição de concorrer no mercado global. Liberalização económica do género que se optou na interpretação das normas da OMC nem nas grandes economias se faz. É só ver as barreiras tarifárias e outras não tarifárias que são erigidas, nos Estados Unidos, mas também na Europa para proteger indústrias, por exemplo, de painéis solares ou outras nascentes em relação a produtos concorrentes de outros países. E são perfeitamente enquadráveis no âmbito da OMC.
Cabo Verde tem um especial desafio em desenvolver o seu sector privado. Vai ter que o fazer já bastante tarde e quando as condições lá fora não são as mais favoráveis e quando dentro país preconceitos, cultura institucional e práticas já existentes são particularmente prejudiciais à actividade empresarial e à inovação. Mas terá que o fazer porque o país não poderá viver eternamente da ajuda internacional, terá que saber produzir riqueza e saber exportar. E isso consegue-se com actividade privada dinâmica, criativa e ambiciosa. O Estado tem um papel fundamental em acarinhar todo esse processo com políticas “industriais”, com promoção do país e atração de capitais e com um envolvimento profundo no aumento de eficiência em todos os sectores de suporte da actividade económica no país. Já está atrasado em fazer isso. Que no novo ciclo político se procure recuperar o terreno perdido.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 765 de 27 de Julho de 2016.
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