Mudanças e nomeações nos organismos do Estado têm monopolizado a atenção e o discurso político nas últimas semanas. Não é caso para espanto, considerando que um outro partido esteve 15 anos interruptos a dirigir a Pública (AP) e o novo governo esforça-se por se posicionar para melhor passar as suas orientações e atingir os objectivos preconizados junto ao eleitorado. Tensões são inevitáveis enquanto uns cedem lugares a outros, certas entidades desaparecem algumas novas são criadas e outras ainda são reestruturadas.
Isso passa-se mesmo em países como o Reino Unido que goza da famosa neutralidade do seu Civil Service. Na sequência de longos períodos de governo conservador ou trabalhista não se deixa de notar as “marcas” deixadas. Em Portugal nem a criação em 2012 da Autoridade de Contratação Pública com os seus concursos públicos para dirigentes da Pública evitou acusações de contracto de “boys and girls” pelo anterior governo ou impediu nomeações tidas do governo de António Costa vistas geralmente como partidárias. Noutros países assume-se mais ou menos frontalmente que há um número de altos funcionários ou dirigentes que são removidos ou emprateleirados conforme as alternâncias na governação. Nos Estados Unidos com o seu “spoil system” há mil e poucos lugares nomeados ao prazer do presidente e que deixam o cargo no fim da sua . Na Alemanha reservam-se por alguns anos “prateleiras douradas” para altos funcionários que foram cooptados para posições politicamente sensíveis por governos anteriores.
Cada país tem seu modelo de relação entre poder político e pública o qual na generalidade dos casos tem a ver com o seu específico percurso histórico e de desenvolvimento institucional. Há quem diga, por exemplo, que a quase ausência de restrições para a actividade política do funcionário português prescrita na Constituição é uma reacção à neutralidade política da AP que vinha dos anos do salazarismo. Em Cabo Verde fez-se um desvio: entre o salazarismo e a democracia houve o partido-Estado em que a pública deu uma viragem para o extremo oposto e foi completa e ostensivamente partidarizada. Dificilmente as soluções ideais para um serão também para o outro, não querendo isso dizer que não se possa aprender e mesmo apropriar-se das experiências dos outros.
A tendência geral nos estados modernos é a de convergir no mesmo objectivo: ter uma pública eficiente e eficaz, profissional, “amiga” da iniciativa individual e empresarial e fornecedora de serviço de qualidade aos utentes. Para isso, primeiro tem que encontrar formas de ser efectiva em seguir a orientação e implementar as políticas do governo legitimamente constituído e, ao mesmo tempo, ser profissional, isenta, imparcial e não discriminatória na prestação de serviço aos cidadãos. Não é tarefa fácil muito menos quando como em Cabo Verde ainda é bem presente uma cultura de partidarismo. O direito de acesso à Função Pública garantido pelo Constituição a todos os cidadãos não deve significar possibilidade de fazer carreira com base no cartão partidário nem direito de se excluir às directrizes legalmente transmitas pelo governo o e nem de se subtrair às exigências também constitucionais de isenção e imparcialidade. Para se conseguir esse nível de profissionalismo há que se fazer um esforço muito dirigido. Vários países optaram por formação dos seus funcionários ao mais alto nível em escolas especiais da do tipo Ecole Nationele d’Administration francesa ou College of Civil Service inglês.
A apreciação negativa da pública que se ouve de todos os lados designadamente de todos os partidos políticos, das organizações empresariais e de cidadãos comuns deve ser motivo suficiente para convergir esforços para se ultrapassar os constrangimentos actuais. Os ganhos de se conseguir uma confluência de vontades nessa matéria podem ser enormes porque pôr a AP no caminho certo irá afectar positivamente o ambiente de negócios e a competitividade do país. Torná-la mais eficiente e eficaz significará maior poupança nos recursos do Estado e mais qualidade nas despesas. Fazê-la mais profissional conduzirá a melhores políticas públicas e a mais accountability. Conseguir esses resultados porém implicarão reformas, legislação adequada e formação especializada. Não serão atingidos certamente com medidas unilaterais de entrega de cartões partidários e de outras medidas possivelmente limitadoras dos direitos políticos.
A verdade é com a economia mais dinâmica poder-se-ia entrar num círculo virtuoso que deixará para trás a cultura burocrática, centralizadora e não facilitadora de iniciativas que vem dominando o país desde dos seus primórdios. Ficará o caminho aberto para a cultura de serviço e de resultados que o país tão precisa e também para se adoptar uma atitude de mais cooperação entre as pessoas com impacto directo em mais civismo, mais confiança e menos conflitualidade.
Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 13 de Julho de 2016
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